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“As mulheres ainda são usuárias passivas das tecnologias digitais”
- 21/11/2010Confira na íntegra a entrevista com a pesquisadora Graciela Natansohn
Por Fernanda Aragão e Marília Moreira
Graciela Natansohn é professora da Faculdade de Comunicação da UFBA e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas. Juntamente com a professora Karla Brunet, coordena o projeto de pesquisa e extensão “Mulheres e tecnologia: teoria e práticas na cultura digital” e o laboratório Labdebug. Em entrevista ao Impressão Digital 126, ela falou sobre o projeto de pesquisa, sobre o Labdebug, como funciona sua disciplina optativa na Faculdade de Comunicação e sobre qual é mesmo a relação entre mulheres e tecnologia.
Impressão Digital 126 – Qual o objetivo da pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto “Mulheres e tecnologia: teoria e práticas na cultura digital”?
Graciela Natansohn – A pesquisa é sobre inclusão digital das mulheres na região Nordeste. Partimos da hipótese de que as mulheres têm ainda, apenas, o papel de usuárias, ou seja, um papel bastante passivo da cultura digital.
ID 126 – Em que sentido poderíamos falar de um “papel passivo” por parte dessas mulheres?
GN – Elas não estão presentes nos lugares mais estratégicos da cultura digital. Não desenvolvem software e hardware, não pensam em políticas relacionadas ao setor. Isso fica claro se você analisa a composição do Comitê Gestor da Internet no Brasil, por exemplo. Só tem uma mulher representando o terceiro setor. É realmente um mundo essencialmente masculino. Por outro lado, a quantidade de usuárias vem aumentando muito. Os dados do IBGE confirmam isso, o que mostra que, de uma forma ou de outra, estamos nos incluindo na cultura digital. Nossa crítica é que essa inclusão ainda é muito incipiente.
ID 126 – O Labdebug está vinculado à pesquisa de alguma forma?
GN – No Labdebug, fazemos um trabalho de extensão em que oferecemos cursos, oficinas, sobre diversas linguagens, manipulação e edição de vídeos, áudios, fotografias. Temos oficinas sobre hardware também. A gente abre os computadores e as mulheres mexem no que chamamos de “caixa preta”, aquilo que só especialista conhece. Eu coordeno o projeto, mas as oficinas são ministradas por docentes que a gente contrata especialmente.
ID 126 – Professores homens ou mulheres?
GN – Temos docentes homens e docentes mulheres. É muito difícil conseguir mulheres para dar certos cursos, porque as mulheres costumam se ocupar de certas tarefas dentro da cultura digital. Elas sempre ocupam lugares que são permissíveis: desenhos, design, edição. E as partes mais duras ficam nas mãos dos homens. Por isso mesmo, as oficinas da “Caixa Preta” são ministradas por homens. Não temos mulheres para ensinar isso. Incrível! Até mesmo os cursos de graduação como Sistemas de Informação ou Ciências da Computação são muito masculinos.
ID 126 – A procura por estas oficinas e cursos e ofertados no Labdebug tem sido grande?
GN – Você não tem como medir a procura por cursos deste tipo, mas sinto que a coisa é complicada. Eu posso afirmar que este não é um tema muito prioritário na agenda do movimento das mulheres. No entanto, justamente por isso, é muito interessante que o II Encontro Mulheres e Mídias Bahia tenha a cultura digital e as mulheres como tema central. A gente vem trabalhando, conversando com os movimentos de mulheres. Eu faço esse trabalho numa disciplina optativa, também.
ID 126 – Como vocês trabalham na disciplina optativa? Quais são os temas que vocês vêm discutindo?
GN – Nessa disciplina, dividimos a turma em grupos de pesquisa. São quatro grupos e cada um tem um tema de trabalho. Um dos grupos analisa o perfil dos alunos dos cursos de computação da UFBA. Outro grupo analisa as competências digitais dos estudantes do curso de Comunicação. A nossa hipótese é que uma coisa é ser usuário, outra é intervir ativamente na transformação da cultura digital. Não é só fazer download, é criar, é transformar, é você pegar, reciclar, compartilhar, dividir. Isso é o verdadeiro espírito da web 2.0, a inteligência coletiva. Quando nós, da Comunicação, criticávamos a televisão, falávamos de um receptor passivo. Mas só um computador com a internet ligada, muda esse lugar do receptor passivo? Não! Porque precisamos de uma intervenção real, enquanto produtores.
ID 126 – Qual a sua expectativa com o II Encontro Mulher e Mídias Bahia?
GN – O primeiro encontro foi mais voltado para a televisão. Que é um clássico. Nós não temos de parar de discutir a representação da mulher nas propagandas de carro e de cerveja, porque isso, infelizmente, são imagens muito fortes, que continuam a circular e que maculam as mulheres, mas também temos de ocupar outros espaços. A comunicação digital é estratégica. Minha palestra vai, basicamente, argumentar sobre o que tem a ver mulheres com a cultura digital. Afinal, essa é a primeira pergunta que todos sempre me fazem. Acabei agora de criar um grupo no CNPq chamado Grupo de Pesquisa Gênero, Tecnologias Digitais e Cultura e todo mundo me olha meio estranho, pois ninguém consegue imaginar uma relação entre as duas coisas de imediato.
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