Feira une produção e consumo sustentáveis na UFBA
Celso Lopez;Daniel Farias;Jade Araújo;Melanye Leal - 06/12/2023Realizada às sextas-feiras, Feira Agroecológica da UFBA se torna elo de ligação entre pequenos produtores e consumidores em busca de alimentação saudável
A Feira Agroecológica da Universidade Federal da Bahia – apelidada carinhosamente de “Feirinha” – é um projeto de extensão do componente curricular “BIOD08 – Comercializando a Produção Agroecológica”, ministrado no Instituto de Biologia da UFBA e organizado pela professora Josanidia Lima. Realizada às sextas-feiras no campus de Ondina, reúne produtores de mercadorias orgânicas e sustentáveis, desde vegetais a doces veganos.
O projeto nasce de um desejo antigo da docente, que já trabalhava com reaproveitamento de resíduos e havia implantado uma usina de compostagem para a fabricação de adubo atrás do Restaurante Universitário (RU). O composto foi utilizado em dezenas de instâncias e projetos dentro da Universidade, mas o sonho da professora era trabalhar com agricultura.
Em 2016 acontece a primeira edição da feira, que desde então faz parte do espaço de convívio e consumo dos docentes e discentes da UFBA. A realização, organização e gestão do evento fazem parte de uma Ação Curricular em Comunidade e em Sociedade (ACCS), unindo estudantes de todos os institutos da universidade.
Com foco na agricultura sustentável, produtores são cuidadosamente selecionados por um dos Grupos de Trabalho (GT´s) da disciplina, o GT dos Agricultores, que realiza curadoria para evitar concorrência e alinhar os valores do produtor com os valores do projeto durante o cultivo. “Após as entrevistas, fazemos uma vistoria na propriedade para saber se eles estão produzindo de maneira ecologicamente correta. Se respeitam o solo e os recursos naturais.” explica Giovanna Lima, monitora da disciplina BIOD08.
A certificação da terra é uma etapa de suma importância para garantir as boas práticas. Contudo, as altas taxas cobradas por empresas privadas e o burocrático credenciamento por meio do Ministério da Fazenda foram substituídos por uma “certificação participativa”, num modelo reconhecido pelo governo brasileiro. A equipe é composta pelo professor da ACCS e pelos estudantes matriculados, e envolve uma rede de consumidores e frequentadores da feira agroecológica.
Segundo o livro Feira agroecológica: um diálogo entre saberes, o grupo que faz a feira acontecer se baseia nos princípios da agricultura solidária: a produção agroecológica de sustentabilidade ambiental, social e econômica, troca de saberes, comércio justo e solidário e consumo responsável.
A diferença que a Feira faz
De acordo com Giovanna e Yuri, monitores que ajudam a tomar conta de tudo que envolve a Feirinha, a produtora Dai Cipriano é sinônimo de “desenrolo”. Característica notável ao observar a agricultora de Pojuca-BA apresentar suas mercadorias e explicada rapidamente no decorrer de sua fala. “Sou produtora desde criança, minha família sempre foi do campo e eu aprendi a plantar com eles. Quando a gente cresce no meio, naturalmente vai pegando o jeito”, afirmou a vendedora. É difícil pôr em palavras como Cipriano apresenta seus mais diversos produtos, por isso é melhor conferir diretamente da própria.
A comerciante participa da feira desde a retomada da pandemia e para entrar no projeto precisou cumprir os requisitos de sustentabilidade necessários, uma preocupação que vem desde o cuidado com o solo até o pensamento de como cada mercadoria poderá ser utilizada. Afinal, como ela mesma diz: “Nós, que somos pequenos agricultores, precisamos nos preocupar em cuidar da nossa terra, porque se ela morrer, como vamos produzir?”.
Dentre todos, um dos produtos mais especiais é o aipim, alimento tão característico na culinária baiana, que Dai fez questão de explicar o processo e como o seu manejo se difere dos grandes agricultores na proteção do produto final até chegar à Feirinha.
“O nosso aipim é crioulo, o que significa que ele tem a casca rosa. Se você comparar com a do mercado, a de lá vai ter uma casca branca e uma massa amarela. O grande problema é a forma de manejo para o plantio. No nosso, pegamos a enxada e capinamos a terra para preparar e receber essa maniva, então fazemos isso tudo manualmente. Os grandes produtores não usam a enxada, eles colocam o herbicida, que é o grande problema. Esse produto é usado para substituir a mão de obra e acaba sendo absorvido pela raiz, fazendo com que esse veneno vá para nosso sangue quando comermos”, comentou.
Para ela, estar na feira é a realização de um sonho. A produtora confessou que sente-se valorizada ao expor seus produtos nesse espaço, lugar onde as pessoas reconhecem todo o trabalho duro da agricultora familiar e dentro de um projeto que se importa a ponto de visitar sua terra. Dai Cipriano é parte do pedacinho de terra nascida em Pojuca, mas que também compartilhou seu tesouro com Salvador, mostrando como um diálogo entre saberes pode ser enriquecedor. A seguir, as palavras da produtora:
Opções de alimentação saudável e inclusiva
Para além da produção sustentável, a Feira Agroecológica da UFBA também se destaca por oferecer aos consumidores opções saudáveis e alternativas para as pessoas com restrições alimentares. É o caso dos produtos da feirante Teka Schiochet, que faz sucesso especialmente com suas kombuchas: “É o chá verde fermentado, adicionado de suco integral de fruta. É uma bebida probiótica e faz bem à saúde. Regula o sistema digestório, aumenta a imunidade, fortalece unhas e cabelos, sem contar que é uma bebida mega refrescante, uma alternativa ao refrigerante, que tem alto teor de açúcar”, explica. Além das kombuchas, Teka também trabalha com outros produtos de fermentação natural, como o iogurte de coco e o queijo de castanha, opções para veganos, vegetarianos e intolerantes à lactose.
Com seu público dividido entre a feira e os pedidos via internet, a comerciante enxerga o projeto da UFBA como, mais do que um local de comércio, uma oportunidade para a troca de experiências e saberes com outros produtores. “É uma feira muito rica, a começar pela troca com os produtores, os agricultores. Eu sou produtora, compro dos agricultores locais daqui. Então tem toda aquela troca de experiência, troca de informações”, comenta. Teka destaca ainda as ações da organização da feira: “Os workshops, também, que a professora Josanidia faz aqui junto com os alunos são de extrema importância, a gente aprende muita coisa. Tem uma oficina de suco vivo, tem oficinas de massas alternativas para você não usar glúten, tem oficinas de bebidas saudáveis, como é o caso da kombucha, entre outras. Então a gente vai aprendendo aqui várias coisas”, conclui.
O sentido da feirinha para seus consumidores
Mais do que um espaço de compra e venda, a feirinha atravessa seus consumidores como um espaço afetivo onde se pode criar relações, trocar saberes e estar com a natureza. Com muito verde ao redor, dos produtos ao cenário do campus Ondina, a Feirinha conta ainda com apresentações musicais e uma grande diversidade de pessoas, produtos e serviços, o que chama a atenção de qualquer um que esteja passando pelas proximidades do corredor entre a Biblioteca Universitária Central Reitor Macedo Costa e o Instituto de Biologia da UFBA, onde é o seu cantinho.
Muitos podem não saber qual é a verdadeira relevância do projeto para a comunidade acadêmica, mas a comunidade externa à universidade também precisa saber pelo que se luta na feira. Sobre isso, Giovanna Lima, fala sobre a importância da Agroecologia para o nosso futuro. “É de extrema importância porque a produção tradicional e convencional, a monocultura, vem acabando com os solos e com o nosso planeta. Precisamos que isso mude, e uma das portas de saída para isso é a Agroecologia”, diz a monitora.
Durante as sextas, é sempre assim. A feira reúne de estudantes a professores, da comunidade interna a comunidade externa da universidade, encontrando-se sempre lotada, já que seu tempo de duração também é razoavelmente curto, das 7 às 12h. É também por este motivo que seus consumidores mantêm-se assíduos na tentativa de não perder nenhuma novidade da Feirinha. “Eu venho há muito tempo, acho que desde sempre” é o que diz Dona Terezinha Magalhães, que aproveita a feira na busca pela sua saúde física e emocional, conectando-se com a natureza e amigos.
Renan Amaral, 26, estudante do mestrado de Relações Internacionais da UFBA, mais um consumidor assíduo da feira, fala também do sentimento de aconchego trazido pela forma como o projeto se apresenta, fazendo com que ele se sinta mais perto de casa:
Um dos diferenciais da feira para seus consumidores é justamente a opção de um valor mais acessível à comunidade e a segurança de qualidade, dado que os produtores ali presentes passaram por curadorias e vistorias sobre suas produções, sendo selecionados aqueles que efetivam e contribuem sobre o valor da Agroecologia. De vegetais a óleos essenciais, polpas e pães artesanais, cogumelos, cosméticos naturais e veganos, os produtos agroecológicos e agroflorestais da feira são dos mais diversos. No entanto, Renan, diz que apesar da diversidade da feira, para ele que visita o campus na busca de cogumelos e tofu, a variedade ainda é pouca:
A fim de melhorar a prestação dos seus serviços e levar cada vez mais qualidade para o seu público, no instagram da feira (@feiraagroecologicaufba) é possível encontrar algumas orientações que buscam promover uma melhor experiência de compra ao seu consumidor. São informações sobre formas de pagamento, para as quais indica-se levar notas de baixo valor para facilitar o troco, além de recomendações sobre o uso de uma ecobag para redução da poluição, sendo possível também deixar críticas construtivas ao projeto como o que você deseja ver na feira e quais pontos positivos e negativos você tem a destacar sobre ela no destaque “Sua opinião”.
Além de todos os produtos agroecológicos e orgânicos, a Feirinha promove também alguns eventos como palestras, oficinas, exposições e rodas de conversa, apresentações artísticas, espaço para Yoga e muitos outros serviços. Para isso, todo o projeto é muito cuidadoso sobre o objetivo de oferecer “produtos que sejam ecologicamente corretos, que sejam produzidos por pessoas que saibam lidar com a natureza, que respeitem o solo e respeitem os recursos naturais” como expõe Giovanna Lima.
Dificuldades e perspectivas para o futuro
Estrutura física da feira é ponto a ser melhorado (Foto: Melanye Leal)
Para garantir o bom funcionamento da feira, os organizadores reconhecem uma questão a ser melhorada: a estrutura física. As barracas são todas provisórias, montadas em armações metálicas cobertas por lonas coloridas. Josanidia conta que a última manutenção foi feita por ela, pintando as estruturas de metal das barracas e colocando novas lonas. A construção de uma estrutura permanente está prevista para 2024, mas esbarra em questões burocráticas, como a autorização da universidade para a realização de obras no local por meio da Superintendência de Meio Ambiente e Infraestrutura (SUMAI). A existência de um sistema agroflorestal (SAF) situado ao lado do Instituto de Biologia da UFBA também contribui para os atrasos, tendo em vista que a meta é fazer um recuo do passeio, de 1,5 metros para cada lado, abrindo mais espaço para as barracas e o trânsito de pessoas.
Do ponto de vista financeiro, no entanto, as condições são favoráveis para a realização da reforma do espaço físico da feira. De acordo com a professora Josanidia, já foi conquistada, com a colaboração da deputada federal Alice Portugal (PCdoB), a liberação da verba necessária por meio de uma emenda parlamentar. Resta apenas a resolução dos processos burocráticos para que a obra seja iniciada. “Sair do espaço acadêmico e ir à luta, buscando esses recursos, não é difícil. Por incrível que pareça, as dificuldades estão na burocracia e na parte administrativa da nossa própria universidade” explica.
Serviço
Feira Agroecológica da UFBA
Dia e horário: todas as sextas-feiras, das 7h às 12h
Local: Praça das Artes, Universidade Federal da Bahia – Campus Ondina
Endereço: Avenida Milton Santos, s/n, Ondina – CEP: 40170-115 | Salvador
Contato: (71) 3283-7072 | feiraagroecologica5.wixsite.com/biod08