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“Importante é ter a profissão de jornalista reconhecida, o diploma respeitado e o ensino qualificado”.
- 08/06/2011Nesta entrevista exclusiva ao Impressão Digital 126, Sérgio Mattos fala de formação, diploma, tecnologia e outros aspectos da profissão do jornalista na atualidade.
Por Edna Matos
Em meio às discussões sobre o fim da obrigatoriedade do diploma de Jornalismo e até sobre o fim da profissão de jornalista, o Ministério da Educação (MEC) constituiu, em 2009, uma Comissão de Especialistas para discutir o ensino do Jornalismo no país e se ele deve continuar como habilitação da área de Comunicação Social. Um dos participantes desta comissão, professor baiano Sérgio Mattos, fala ao Impressão Digital 126 sobre a nova proposta de organização curricular e os indicativos para elaboração de projetos pedagógicos para o curso de graduação em Jornalismo, no Brasil. Aborda, também, as condições atuais do mercado de trabalho e o que, apesar de tudo, atrai tantos jovens para a profissão. Sérgio Matos é jornalista formado pela Universidade Federal da Bahia (1971), mestre em Comunicação pela Universidade do Texas, em Austin, Estados Unidos (1980), doutor em Comunicação pela Universidade do Texas, em Austin, Estados Unidos (1982). É poeta, cronista, compositor e pesquisador universitário com 25 livros publicados, no Brasil e no exterior. Atualmente, é professor de Jornalismo da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB).
Impressão Digital 126 – O que motivou o Ministério da Educação (MEC) a criar uma Comissão de Especialistas para propor mudanças curriculares nos cursos de Jornalismo: atualização acadêmica ou adequação ao mercado?
Sergio Mattos – A Comissão de Especialistas foi nomeada com a missão de repensar o ensino de Jornalismo no contexto de uma sociedade em processo de transformação e também com o objetivo de fortalecer a democracia, pois o Jornalismo, bem como outros campos do conhecimento, desempenha um papel fundamental na valorização da cidadania, informando e formando opinião pública.
Impressão Digital 126 – Quais os principais aspectos dos currículos atuais que precisam ser mudados e que benefício isso trará para a formação dos novos jornalistas?
SM – As diretrizes propostas pela comissão visam, essencialmente, aperfeiçoar o ensino do Jornalismo, valorizando a profissão e qualificando ainda mais os futuros jornalistas. Para tanto, a restauração do estágio supervisionado (uma antiga reivindicação dos estudantes) poderá trazer uma melhor interação e aproximação entre a universidade e o mercado. Outra proposta, também um pleito antigo, é a possibilidade de instauração de cursos de mestrado profissional em Jornalismo. A autonomia curricular proposta também se constitui num imperativo para a reciclagem dos projetos pedagógicos dos cursos de Jornalismo. Considerando que do jornalismo que hoje se pratica exige-se tanto o domínio das técnicas e artes da narração quanto o domínio da lógica e das teorias da argumentação, além do manejo competente das habilidades pedagógicas, as propostas incluídas pela comissão atendem à nova fisionomia que o mundo globalizado e informacional atribui ao jornalismo. Acredito que esta pergunta pode ser respondida com a própria Proposta de Diretrizes Curriculares no que diz respeito à organização do curso. Mas, em linhas gerais, a comissão entende que a estrutura do curso de graduação em Jornalismo deve ter como eixo do desenvolvimento curricular as necessidades de informação e de expressão dialógica dos indivíduos e da sociedade e utilizar metodologias que privilegiem a participação ativa do aluno na construção do conhecimento estimulando a interação entre o ensino, a pesquisa e a extensão. É fundamental promover a integração teoria/prática e propiciar a interação permanente do aluno com fontes, profissionais e públicos do jornalismo desde o início de sua formação, estimulando-o a lidar com problemas reais.
Impressão Digital 126 – O que a comissão considera como componentes mínimos para elaboração do Projeto Pedagógico do curso de Jornalismo?
SM – A comissão entende que o projeto pedagógico deve ter por objetivo a formação de profissionais dotados de competência teórica, técnica, tecnológica, ética e estética para que o profissional possa atuar de maneira crítica. Por isso deve dar ênfase ao espírito empreendedor e ao domínio científico, além de estar focado na especificidade do jornalismo, destacando a prática profissional dentro de padrões internacionalmente reconhecidos. Deve ainda aprofundar o compromisso com a profissão e os seus valores, por meio da elevação da auto-estima profissional. O projeto pedagógico deve estar atento para cuidar da preparação de profissionais para atuarem num contexto de mutação tecnológica constante e ter como horizonte o ambiente regido pela convergência tecnológica onde o impresso não seja a espinha dorsal. Deve ainda incluir na formação as rotinas de trabalho do jornalista em assessorias de comunicação e pensar a graduação como uma etapa da formação profissional continuada e permanente.
Impressão Digital 126 – O que se tem ouvido dizer é que o jornalismo multimídia precariza o trabalho do jornalista, pois cria o “profissional faz tudo” que trabalha demais sem que haja correspondência com os salários e com a qualidade da produção. O que tem de verdade nessa afirmação?
SM – O jornalista de hoje atua num contexto tecnológico de mutação constante e por isso ele tem que estar preparado para trabalhar com ferramentas e plataformas distintas. O jornalista tem que se adaptar à nova realidade. Com referência à precarização do trabalho do jornalista com baixos salários só posso dizer, a partir de observações pessoais, que esta situação tem relação direta com as transformações que também estão atingindo as empresas que se encontram em fase de transformação e de atualização tecnológica, procurando se adaptar às novas tendências. A expectativa é de que tudo venha a se adaptar, tanto o profissional com melhor qualidade e atualizado tecnologicamente como as empresas também modernizadas e pagando salários justos.
Impressão Digital 126 – Dá para viver de jornalismo na Bahia?
SM – Quem escolhe o Jornalismo como profissão sabe que nunca ficará rico, mas que poderá viver com dignidade, desde que se imponha como profissional ético, competente e de qualidade. A credibilidade profissional é fundamental para que o jornalista seja reconhecido como profissional de destaque. Sim, acredito que dá para viver de jornalismo na Bahia.
Impressão Digital 126 – Porque a maioria dos profissionais defende a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo? Não seria mais sensato brigar por uma formação de qualidade por parte das faculdades e deixar que o mercado decida pelo seu reconhecimento? Afinal, a simples posse do diploma não garante a qualidade do profissional em nenhuma área.
SM – A defesa do jornalismo de nível universitário deve ser feita por todos, pois o Jornalismo é uma profissão importante na defesa das liberdades individuais, exercendo papel fundamental no fortalecimento da democracia e contribuindo para a formação da opinião pública e na construção de uma sociedade consciente e responsável. Sou a favor do diploma de Jornalismo. Quanto à obrigatoriedade do diploma para o exercicio profissional, como tratada por muitos, está relacionada diretamente à reserva de mercado. Se considerarmos que nenhuma empresa de comunicação vai investir quatro anos na formação de profissionais e que elas vão continuar buscando seus profissionais junto às universidades, o emprego já está garantido àqueles que forem portadores de diplomas de nível superior provenientes de cursos de qualidade. As questões que devem ser defendidas por todos, na minha opinião pessoal como profissional da área, é que a profissão seja reconhecida, o diploma de jornalista respeitado e o ensino do Jornalismo no país seja qualificado. Concordo com você, devemos lutar por uma formação de qualidade.
Impressão Digital 126 – O que atrai muitos jovens para a profissão de jornalista é a sua imagem de “mocinho”. O jornalista ainda é o último romântico?
SM – Vivemos na era da informação, na era da tecnologia digital… Se antigamente o jornalismo atraía pelo romantismo, pelo dinamismo, pela aventura e muitas outras coisas, hoje além dessas milhares de razões, continua atraindo os jovens pelo dinamismo, pela novidade, pelos desafios tecnológicos e principalmente pelo encantamento de múltiplas formas de comunicação e transmissão de idéias. De posse, por exemplo, de um celular, o jovem pode ao mesmo tempo ser emissor, editor, transmissor e receptor de notícias, pois ele pode gravar a voz, imagem, fotografar, filmar, editar e transmitir informações individualmente. No Jornalismo, ele poderá ampliar esta perspectiva e utilizar ferramentas e plataformas muito mais poderosas, dando sua contribuição à cidadania, à construção de um mundo melhor. Acredito que seja isso que tanto atrai a juventude para o jornalismo.
Aqui, você pode ler a Proposta para as novas Diretrizes Curriculares de Jornalismo
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