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“O problema é que não existe leitor”, diz José Inácio Vieira de Melo
- 21/11/2011Em entrevista, o poeta faz um panorama da poesia baiana
Por Carol Gomes e Vitor Villar
José Inácio Viera de Melo se intitula como alagoano da Bahia. É jornalista formado na Faculdade de Comunicação da UFBA, produtor cultural, editor da Iararana, revista de arte, crítica e literatura. Também coordena e é curador de vários projetos literários, especificamente de poesia, como o projeto Uma Prosa Sobre Versos, no município de Maracás, e Poesia na Boca da Noite (de 2004 a 2008), no restaurante Grande Sertão, em Salvador. Algumas das suas obras são Roseiral (Escrituras Editora, 2010) e A terceira Romaria (Aboio Livre Edições, 2005). Neste bate-papo, conversamos sobre poesia e sobre a Flica, claro.
Impressão Digital 126 – Quais são as maiores dificuldades para produzir um evento literário?
José Inácio Viera de Melo – Todas as dificuldades que você imaginar. Em primeiro lugar, a cultura nunca é prioridade nem nos municípios, nem no estado. Sempre quando você fala em cultura, tem mil e uma coisas na frente. Você tem que correr muito atrás, tem que ter muito jogo de cintura e fazer parcerias. Eu só faço evento quando eu posso pagar o escritor com dignidade: passagem, hospedagem, alimentação e um cachê. No meu caso, eu não busco apenas parcerias com o estado, eu também busco parceria com os comerciantes pra poder realizar.
Impressão Digital 126 – Vocês contam com alguma parceria para realizar o projeto Uma Prosa sobre Versos em Maracás?
JIVM – Claro, contamos com a parceria da prefeitura de Maracás. O projeto é realizado todo mês em Maracás e em outra cidade do Vale do Jiquiriçá. E aí acontece em Maracás e Planaltino, ou Maracás e Jequié, sempre Maracás e outra cidade. Nós vamos às cidades, mostramos ao prefeito, alguns nem nos recebem, não dão a mínima, mas alguns se sensibilizam e querem saber do que se trata e assim fazemos essa parceria. Somente com esses apoios, conseguimos um valor que dê pra cobrir as despesas do nosso convidado.
Impressão Digital 126 – Você acha que é caro sustentar a cultura?
JIVM – Não, não acho. Eu acho que a vontade de investir é que é escassa. Em um projeto desse (Uma Prosa sobre Versos), que acontece mensalmente, eu não acho que seja caro gastar R$ 3mil. Ainda mais com o retorno que tem. Nós reunimos uma plateia de 400 a 600 pessoas em cada município. Você sabe a repercussão que um projeto desses tem dentro da comunidade? A cidade de Maracás tem um grupo de recital, chamado Grupo Concriz, que é referência dentro do estado como um todo. E é fantástico. Todos os autores que passam por lá ficam emocionados. Tem que ter vontade, ir atrás, buscar e acreditar que vai acontecer. Eu nunca me coloco no lugar de coitadinho, com o discurso de que é difícil publicar um livro. Não é nada difícil, a coisa mais fácil que tem é publicar um livro, com R$ 4 mil a R$ 5 mil você publica um livro. É fácil demais. E o problema não é distribuição, o problema é que não existe leitor.
Impressão Digital 126 – E essa singularidade do leitor e público de Maracás, como foi descoberta?
JIVM – Não teve nenhuma descoberta. Um grupo de pessoas trabalhou na formação de público. São 30 jovens recitando, entre crianças e adolescentes. Esses jovens têm pai e mãe, tem irmão, só a família desse pessoal já reúne quase cem pessoas, um vai falando para o outro. Chegou um momento que o Grupo Concriz teve que fechar porque já tinha 60 pessoas querendo participar e eu não tinha demanda para treinar esse pessoal. E ver uma criança de 6 anos recitando um poema difícil, cada sílaba na sua devida extensão, pra chegar ao seu ouvido e entrar no seu sentimento, isso é um trabalho de formação. O problema da poesia no Brasil – não pense que é diferente no Rio de Janeiro, São Paulo ou em qualquer outra cidade – está na educação. Tem que pegar a criança e ler com ela, tem que dar condição ao professor para que ele tenha tempo de ler poesia e passar aquele gosto ao aluno. A questão é melhorar essa situação dos professores e fazer um trabalho de base em crianças. Não adianta eu te dizer que, a partir de hoje, você vai ler poesia. Você não vai ler. Mas se os seus pais e a escola tivessem lhe educado para isso, poderia ser que nós tivéssemos um leitor de literatura e, sobretudo de poesia, que é a arte mais sofisticada e colocada de lado completamente.
Impressão Digital 126 – Você já é um poeta consagrado, mas certamente houve um momento em que teve que buscar seu espaço. Como as festas literárias podem ajudar para o surgimento de novos poetas e no amadurecimento de outros?
JIVM – Dificilmente uma festa como a Flica, uma festa literária, dá espaço para um jovem como Darlon Silva na sua programação oficial. Para poder estar lá na programação oficial, tem que ter estrada. Eu já participei de várias festas e de vários outros eventos literários e nunca vi isso. Um sujeito normalmente quando é convidado para um evento como esse é porque já tem certo reconhecimento. Mas as festas querem mostrar para a plateia autores que o público quer ver, que eles já conheçam.
Impressão Digital 126 – Como é o processo de um poeta na divulgação do seu trabalho?
JIVM – Tenho um trânsito muito grande entre os poetas do Brasil, de todas as gerações e que estão vivos. São poetas de 90, de 50 e de 30 anos. Quando algum poeta quer fazer um lançamento aqui na Bahia, eles procuram a mim. Eu sou jornalista, sou um cara que trabalha bem essa coisa de divulgação, muitos até me chamam de marqueteiro, dizem “ah, ele faz carreira!”. Faço mesmo. Eu divulgando assiduamente meu trabalho já é uma luta de louco, imagine se eu ficar me achando gênio e esperando que venham dizer que sou iluminado? Não existe isso. Tem que acreditar e ir atrás. Exibo mesmo o meu trabalho e se possível me exibo junto com ele. Quem vai dizer se presta ou não é a plateia, sem a qual minha poesia não tem sentido enquanto livro, porque eu não faço poesia pensando em ninguém, faço poesia por uma necessidade minha. Mas a partir do momento que eu publico um livro, eu já estou querendo outra coisa, eu estou querendo que alguém leia.
Impressão Digital 126- E no sentido da exibição, você acha que uma festa como a Flica pode criar novos leitores? Qual é a força da festa para criar novos leitores?
JIVM – Claro, a força da festa é aproximar o autor do público.
Impressão Digital 126 – E no caso de quem nunca entrou em contato com a obra do autor?
JIVM – A partir do momento que você lê um poema e uma pessoa na plateia pega o microfone e diz o que aquela mulher disse [durante a mesa em quem José Inácio Viera de Melo participou, uma moça na plateia pegou o microfone e fez muitos elogios ao poeta], você conquistou um leitor. Foi a força da minha poesia e da minha apresentação. Essa minha presença enquanto autor, e o meu livro que está ali ao lado, vão fazer com que a pessoa na plateia, ao me ouvir ou ler algo do meu trabalho, compre o livro. Quem veio tem consciência de que veio para um evento literário, onde o que há são escritores e livros. De alguma maneira, são pessoas que têm interesse.
Impressão Digital 126 – Algumas pessoas podem ir para uma festa literária porque gostam de prosa e não se interessam tanto pela poesia. No caso, uma festa como a Flica pode influenciar leitores a gostarem de poesia?
JIVM – Influencia. Essa foi a única mesa de poesia de toda a Flica, a única. Eu já tinha conversado com Aurélio (Schommer, curador da Flica), e ele percebeu. Eu disse a ele que acho que há um desequilíbrio muito grande aí. A poesia baiana tem muitos nomes que estão bem mais adiante do que eu, enquanto trajetória. Eu não estou me valorando aqui, mas existem poetas da geração 60 que estão aí e são nomes consagrados nacionalmente. Mas de qualquer maneira esta Festa é tudo de bom. Qual foi a outra festa literária que teve na Bahia até hoje? É a primeira. Tem a bienal que é um formato completamente desgastado, é um evento para promover grandes editoras, os autores fazem palestra no Café Literário, de espaço nobre e, na maioria das vezes, não tem os livros desses autores. Aqui não, passamos 40 minutos autografando livros.
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