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20 anos após cota, mulheres permanecem em desvantagem na política
Carlos Magno, Thídila Salim - 14/10/2019Projeto de lei ameaça reserva de 30% destinada a candidaturas femininas nos partidos
Por Carlos Magno e Thídila Salim, 14 de outubro de 2019
Desde a concessão do direito ao voto, em 1932, à primeira mulher eleita para presidente em 2010, Dilma Roussef, a participação feminina na política brasileira é tema de acirradas discussões. Apesar dos avanços, a ocupação de mulheres em cargos de poder ainda é escassa comparada a de homens. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de 98 a 2018 o número de candidaturas femininas para a Câmara dos Deputados totalizou um aumento de 21,8%. A inserção de mulheres na Câmara é ainda mais baixa. As mulheres representavam apenas 5,6% dos deputados em 1998, a ocupação subiu para 15% em 2018.
Mesmo diante deste cenário, o Projeto de Lei (PL) 2996/19, elaborado pela Deputada Federal Renata Abreu (PODE-SP), visa extinguir a determinação contida na Lei Eleitoral 9.504/97 de que cada partido ou coligação deve preencher os 30% de candidaturas femininas. Sujeito a apreciação do plenário, o projeto pretende desobrigar os partidos de apresentarem uma proporção mínima de candidatas, de modo que se 70% das vagas forem preenchidas por homens, o restante possa ficar vazia sem nenhuma sanção para o partido.
O projetos tem causado indignação em organizações da sociedade civil. Em parecer divulgado pela Associação Visibilidade Feminina, as advogadas Carolina Lobo e Nicole Gondim Porcaro alegam que o PL 2996/19 relega às cotas para mulheres um papel simbólico e não um meio efetivo de mudança da realidade.
A Deputada Estadual Olívia Santana (PCdoB – BA) também acredita que o projeto prejudica a entrada de mulheres na política. Segundo ela, a proposta é reflexo de “uma estrutura machista, patriarcal, difícil de mudar”.
“Uma mulher está sendo instrumentalizada, uma deputada. Um projeto que flexibiliza as candidaturas de mulheres nos partidos só favorece aos homens”, declara Olívia.
Já Renata Abreu argumenta que o projeto não acaba com as cotas femininas, apenas desobriga os partidos de preencherem os 30%. Não havendo candidatas, o partido deve deixar as vagas vazias.
Fonte: Site da Câmara dos Deputados
Histórico
Este não é o primeiro projeto a questionar a cota para mulheres. Em abril deste ano, esteve em pauta no Congresso Nacional o PL 1.256/2019, de autoria do Senador Angelo Coronel (PSD-BA), com objetivo de revogar a reserva de 30% de vagas para mulheres em candidaturas proporcionais. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) rejeitou a proposta do Senador.
A Lei Eleitoral 9.504/97, aprovada em 1998, garantiu a reserva de 30% para mulheres candidatas. Em 29 de setembro de 2009, a Lei nº 12.034, uma “minirreforma” eleitoral, substituiu a expressão “reserva” pela palavra “preencherá”, tornando obrigatório o preenchimento das cotas de gênero na definição das candidaturas a cargos proporcionais de cada partido político. É a partir deste ano que é possível visualizar um aumento mais significativo das candidaturas femininas.
Segundo dados do TSE, as candidaturas femininas ao cargo de deputado federal entre 1998 e 2006 tiveram um acréscimo de 2,4%. Depois da alteração na Lei eleitoral de 97, houve um aumento considerável de candidatas nas eleições de 2010. Comparado com as eleições de 2006, esse número cresceu 9,3%, passando de 725 candidaturas para 1.335 em 2010. No mesmo período, o número de candidaturas femininas ao cargo de Deputado Estadual também aumentou significativamente, passando de 1.858 para 3.274.
Na Bahia, a composição feminina na Assembleia Legislativa (Alba) nunca ultrapassou 17,4%. Atualmente a Alba conta com apenas 10 deputadas.
Mulheres laranjas
Depois da instauração da reserva de gênero, em 1998, os registros de candidaturas laranjas saltaram de 18% para quase 50% em 2015, como mostra a reportagem da BBC News publicada em março deste ano. O estudo foi realizado pelas pesquisadoras Malu Gatto, da University College London, e Kristin Wyllie, da James Madison University.
Este salto é uma das justificativas para os projetos que visam alterar a lei de cotas femininas. Segundo as pesquisadoras, o uso de candidatas laranjas pelos partidos tem o intuito de burlar a lei de cotas femininas e a exigência da distribuição de 30% do fundo de campanha para as candidatas.
Especialista em direito eleitoral, o advogado Rodrigo Rara conta que o termo “laranja” foi importado para o Direito Eleitoral como sinônimo de candidatura fictícia criada para alcançar os patamares exigidos pela legislação eleitoral.
“Por não possuir um conceito objetivo, comprova-se como laranjas as candidaturas que – isolada ou somadamente – tiveram seus registros adulterados sem a aprovação do suposto candidato, obtiveram votação desprezível (baixa competitividade), não fizeram campanha, não receberam recurso partidário ou receberam muitos recursos mas não obtiveram votos”, explica Rara.
Só a partir de 2013, o TSE absorveu a compreensão de candidatura laranja, enquadrando nos crimes de fraude à cota de gênero, falsidade ideológica eleitoral, abuso do poder político e corrupção.
Para a cientista política especialista em financiamento de campanha, gênero e política, Maria Cecília Eduardo, “as candidatas laranjas podem ser consideradas um efeito colateral da aplicação das cotas num ambiente partidário que persiste em posturas retrógradas e que pouco faz para estimular a participação feminina em seu interior”.
A pesquisadora também destaca a importância da punição de tais práticas com a cassação da chapa partidária. A decisão de cassar toda a chapa partidária foi definida pelo TSE em setembro de 2019, após o julgamento em torno das eleições municipais em Valença do Piauí (PI). O relator do caso, ministro Jorge Mussi, entendeu que sem as candidaturas laranjas os partidos não teriam conseguido atingir as exigências necessárias para participar do pleito e, portanto, todo o conjunto de candidatos foi beneficiado.
Impasses
São muitos os fatores que contribuem para a sub-representação feminina na política brasileira, passando por questões de ordem sociocultural e político-institucional. A pesquisadora Maria Cecília elenca alguns destes obstáculos, como o fato de a política ainda ser vista como uma atividade restrita a homens.
“Somado a isso, existe uma ‘natural’ divisão sexual do trabalho que coloca a mulher como a principal responsável pelo cuidado e pela manutenção da família”, complementa.
Outro ponto que contribui para a sub-representação é o gerenciamento dos recursos partidários. Maria Cecília afirma existir maior preferência das lideranças partidárias em investir nas campanhas com mais chance de eleição, em sua maioria masculinas.
Para ela, o financiamento de campanha tem um peso muito grande no sucesso eleitoral. “Na grande maioria dos casos, para se fazer conhecer e para a divulgação de propostas é necessária a injeção de dinheiro. Então essa configuração eleitoral acaba dificultando o sucesso de candidatos com menor arrecadação, como é o caso de grande parte das mulheres”, explica.
Na opinião do advogado Rodrigo Rara, o equilíbrio na distribuição dos recursos partidários é um dos passos a serem tomados para ampliação de mulheres em cargos de poder.
“Mais importante que as cotas de gênero para a participação das minorias é a ampliação do espaço de disputa dentro dos partidos para que estas minorias ocupem as candidaturas e tenha a elas garantidos recursos para que possam construir sua campanha com igualdade de condições”, destaca.
Afinal, as cotas são efetivas?
Há divergências quanto a real efetividade da lei de cotas para mulheres em candidaturas proporcionais. Por um lado, há quem relacione a lei de cotas com o aumento das candidaturas laranjas. Outros veem as cotas como uma tentativa de reparar a desigualdade entre homens e mulheres na política.
À exemplo, Rara aponta a obrigatoriedade da destinação de 30% às candidaturas femininas junto a ausência de lideranças de mulheres nos partidos como fatores que favorecem a utilização de candidaturas laranjas. “A solução das executivas partidárias foi a de utilizar empregadas, amigas, parentes e esposas sem o menor interesse de disputar eleições nestas listas. Essas mulheres se candidatam, mas sequer fazem campanha”, diz.
Em contrapartida, o advogado especialista em direitos fundamentais, cultura e relações sociais, Muriel Silva, considera a lei de cotas para mulheres como uma reparação histórica à discriminação que o Estado brasileiro infringiu às mulheres no processo político-eleitoral.
Em sua opinião, é necessário o Estado encontrar soluções para as candidaturas laranjas sem comprometer direitos legitimamente constituídos. “Candidaturas laranjas necessitam ser combatidas com maior investimento em monitoramento, polícia e nos órgãos de fiscalização. A solução não pode ser extirpar direitos legitimamente conquistados e que visam maior inclusão legal da participação feminina nos órgãos legislativos”, defende.
Consulte o número de homens e mulheres eleitas por estado para as Assembleias Legislativas, Câmara dos Deputados e Senado Federal