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Literatura além do papel
- 14/08/2013Recantos da palavra em prosa e poesia, saraus formam pequeno circuito no cenário cultural de Salvador
Joana Oliveira e Thuanne Silva
Congestionamentos, rotinas de trabalho, dispositivos eletrônicos conectados 24h. As horas são gastas com compromissos. Falta tempo, a vida é corrida na cidade grande. Em meio às atribulações, um momento de pausa, um espaço de respiro: os barulhos de celulares são substituídos por conversas ou cochichos em rodas de amigos, os ruídos urbanos dão lugar à poesia, prosa e música. A palavra, em todas as suas formas, torna-se a protagonista da noite.
O sarau literário é um evento no qual a poesia sai do papel e toma forma através de recitais. Também é onde o público entra em contato com escritores que desejam um feedback instantâneo ou até mesmo um lugar em que amigos se encontram para apreciar literatura e jogar conversa fora. Ilustrado em livros de História e descrito nos romances clássicos da literatura brasileira, o evento cultural chegou ao Brasil com a corte portuguesa, no século XIX, e logo se tornou um dos principais eventos sociais da época.
Apesar de, em seu surgimento, estarem associados à elite, os saraus tornaram-se populares. Hoje, eles ainda mantêm o papel de incentivar encontros e socializações e marcam presença no calendário cultural soteropolitano. Com o propósito de reunir amigos e desconhecidos para uma atividade de fruição e especulação artística, o jornalista e poeta James Martins criou, em março do ano passado, o Pós-Lida, recital de poesia e alguma prosa, que acontece quinzenalmente no sebo Porto dos Livros, na Barra. Em meio às prateleiras com preciosidades da literatura e estantes com vinis raros, em cada edição, o anfitrião James recebe um convidado presencialmente e outro virtual (via Skype, com projeção em telão).
“O uso da internet é um diferencial. Mas o recital também é especial por explorar os mais diversos usos da palavra: da poesia ao ensaio, passando pela prosa literária e até mesmo o depoimento puro e simples. Para não mencionar outras ocorrências, como a coluna ‘radiouvideo-sp’, que explora as virtualidades entre som e imagem”, conta James.
Também com o objetivo de movimentar a cena literária soteropolitana, a escritora e jornalista Mariana Paiva reuniu os amigos Kátia Borges e Nílson Galvão para criar o Sarau Prosa e Poesia, evento que faz parte da programação mensal do Rio Vermelho, e que comemorou um ano em julho, com edição especial no Palacete das Artes. Para Mariana, a receptividade do público foi uma surpresa. “Nos demos conta de que fizemos um evento literário em uma cidade como Salvador, em que sempre há a queixa de que o público não compra esse tipo de ideia, e vimos que, como nós, as pessoas também sentiam falta disso”.
Sarau, lugar de afeto – E a possibilidade de declamar, ouvir e sobretudo apreciar literatura atrai os mais diferentes participantes a esses eventos, desde o típico público “alternativo” da cidade a escritores já consagrados e mesmo poetas até então anônimos, como o estudante de Psicologia Antônio Alberto Almeida.
Frequentador de saraus, ele teve a oportunidade de dar voz nos eventos a alguns dos textos que mantinha no blog Um Anônimo Qualquer. “Eu recitei e foi uma experiência esplêndida estar em um ambiente com pessoas que se interessam por poesia e poder ter voz para recitar algo da minha autoria. É importante que existam esses espaços na cidade”, afirma.
A interação do público com a poesia nesses eventos se dá, principalmente, através dos microfones abertos, que permitem que qualquer participante, que não sejam os anfitriões e convidados especiais, também recite ou declame textos próprios ou de outros autores. “Um sarau tem que ser um espaço aberto e quem chegar tem que sempre ser bem-vindo”, opina Mariana Paiva.
“Sempre fico meio nervoso antes de recitar, mas sinto que algo está saindo de mim e sendo passado para os outros. É uma experiência muito interessante”, relata Patrício Freitas, estudante de Ciências Sociais, autor de poemas e outros textos que guarda no O tal Ninguém.
Para os organizadores, além de estreitar laços entre os amantes da prosa e da poesia, parte do encantamento dos saraus está também na possibilidade de construção de uma ponte entre a literatura e aqueles que não têm tanta intimidade com ela. “Tem gente que não se aproxima da literatura apenas pela escrita. Há quem se aproxime a partir de eventos como esse. Atraímos essas pessoas pela música, depois elas chegam aos livros”, explica Nelson Maca, professor de Literatura e fundador do Sarau Bem Black, um dos pioneiros no circuito literário de Salvador.
Mariana Paiva concorda: “Quando a poesia vira palavra falada, tem muito mais poder. E um sarau é uma oportunidade de levar poesia para as pessoas, em vez de esperar que elas cheguem até ela. Isso faz com que a gente volte a ter aquilo que amava tanto na infância, que é alguém para ler para nós. Nesse sentido, um sarau é um lugar de afeto”.
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