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“A mídia cidadã tirou arrogância de jornalistas”, diz co-editora do Global Voices
- 14/08/2013Débora Medeiros, co-editora de tradução do Global Voices em português, fala sobre o trabalho da mídia cidadã na rede
Paula Morais
Foi em 2007, quando ainda cursava jornalismo, que Débora Medeiros conheceu o trabalho do Global Voices. Hoje, a mestranda em Mídia e Comunicação Política pela Universidade Livre de Berlim, é co-editora de tradução do site em português. Criado em 2004, por Ethan Zuckerman e Rebecca MachKinnon, o Global Voices é um site sem fins lucrativos que trabalha com a participação dos “bridge-bloggers”. Em entrevista ao Impressão Digital 126, Débora fala sobre a experiência de participar de uma mídia cidadã e sobre a nova forma de circular informações.
Impressão Digital 126 – O termo “mídia cidadã” vem sendo utilizado para denominar coletivos como o Global Voices e Mídia Ninja. O que se pode entender sobre esse conceito?
Débora Medeiros – Existem muitas definições para mídia cidadã, mas a que me parece mais precisa é a da Clemencia Rodriguez, segundo a qual mídia cidadã équalquer mídia que permite que indivíduos exerçam sua cidadania através da participação direta na produção de conteúdos. Pode ser um blog, uma página no Facebook, mas também uma rádio comunitária ou um jornal de bairro. O importante é que a mídia desperte nas pessoas a sensação de fazer a diferença na própria comunidade e ter uma voz.
ID126 – E de que maneira o Global Voices funciona para que atenda essa definição?
DM – O Global Voices é uma plataforma de curadoria de mídia cidadã. Reportamos sobre determinados eventos e países da perspectiva de blogueiros e usuários das redes sociais daquele lugar. Muitas vezes com testemunhos de pessoas que estavam lá quando o evento aconteceu ou com opiniões de indivíduos que pesquisam ou militam em determinadas áreas, como direitos humanos, relações internacionais, gênero, cultura. Nossos artigos contextualizam questões muitas vezes locais ou regionais para uma audiência global, explicando o pano de fundo sócio-político, no qual a discussão nos posts citados está acontecendo.
ID126 – Qualquer pessoa pode colaborar com o site ou há equipes já formadas para isso?
DM – Qualquer um pode colaborar, basta nos escrever e dizer de que idioma gostaria de traduzir para o português e sua disponibilidade. Atualmente, somos três co-editores para a área de tradução: eu, Davi Bonela e Thiana Biondo. E também temos uma editora para artigos originais produzidos sobre os países lusófonos, Sara Moreira. Nós ajudamos os voluntários, revisando seus textos e, no caso da Sara, discutindo o foco e a formatação dos artigos inéditos, para que se adequem ao estilo do Global Voices.
ID126 – O Mídia Ninja, por exemplo, traz informações sobre as manifestações que vêm acontecendo nas ruas do Brasil. O que exatamente o Global Voices aborda? Quais assuntos que predominam?
DM – O Global Voices surgiu com o objetivo de cobrir países que geralmente não recebem cobertura da grande mídia, a não ser que aconteça uma catástrofe ou conflitos lá e, aí, o país fica conhecido só por aquele breve momento e depois desaparece das páginas dos jornais. Nossos fundadores queriam que os habitantes desses países pudessem levar suas discussões e seu cotidiano para uma audiência internacional. Assim, temos a figura dos bridge-bloggers, (atividade de blogar de modo a construir uma ponte entre dois grupos ou espaços distintos. Os conteúdos produzidos pelo primeiro grupo são agregados a outros materiais do segundo para que seja permitida maior compreensão aos leitores pertencentes deste último). Muitos dos autores do Global Voices, que são blogueiros e conhecem a cena do seu país de origem, sabem quem são os outros blogueiros que têm credibilidade, as filiações de cada um… Esses bridge-bloggers compilam e traduzem para a audiência internacional essas diversas perspectivas. Os temas são variados, desde questões políticas até direitos humanos, direitos das minorias, cultura livre, liberdade de expressão. O importante é trazer uma perspectiva nova, para além dos clichês que muitas vezes existem na mídia tradicional.
ID126 – Por falar em mídia tradicional… Há uma divisão de opiniões entre os profissionais da área de comunicação acerca da mídia cidadã. Enquanto alguns consideram a mídia cidadã uma nova maneira de se fazer jornalismo, uma vez que também informam fatos, outros acreditam que é o trabalho, na verdade, é ativismo digital. O que você pensa sobre?
DM – Como toda atividade voluntária – já que a maioria não faz isso por dinheiro -, a mídia cidadã envolve paixões, ninguém cobre um assunto que não lhe interesse. Alguns autores já mostraram que jornalistas cidadãos não trabalham com os critérios tradicionais que pautam o jornalismo profissional (news values, agenda-setting e afins), mas com outros: interesse intelectual, envolvimento direto, diversão em cobrir aquilo, insatisfação com a cobertura tradicional. Nesse sentido, acho que ambas as mídias se complementam: não se pode ter só a mídia cidadã, nem só a mídia tradicional. Ambas trabalham com critérios e linguagens diferentes e uma cooperação entre as duas é o ideal.
ID126 – Mas como você enxerga a relação entre as duas mídias? Essa nova forma de circular a comunicação através dos coletivos vêm sendo uma contribuição para a grande imprensa?
DM – Para mim, a mídia cidadã tirou a arrogância de jornalistas, de serem os únicos a conhecer um assunto e a poder divulgar uma perspectiva sobre ele para um grande público. Agora, o público tem a opção de ir além daquela meia dúzia de especialistas que muitos jornalistas entrevistam pra tudo e ver o que outras pessoas estão falando sobre isso. Quanto mais fontes disponíveis, mais informação se tem para formar uma opinião própria, o que é, no fim das contas, a função primordial do jornalismo para com seu público: disponibilizar informações diversas para que o público decida como se posicionar. Muitos veículos já estão percebendo isso e criando mecanismos para trabalhar em conjunto com a mídia cidadã: a BBC tem uma divisão inteira para conteúdo cidadão (o User-Generated-Content Hub), bem como a emissora alemã ARD. Mas ainda existem muitos preconceitos. No Brasil, ainda não vejo essa tendência tão forte, porém o público já está questionando muito mais a cobertura tradicional, agora que tem acesso a outras fontes e perspectivas. Basta comparar a cobertura da Mídia Ninja e a da Globo para os protestos que vêm acontecendo. Quem acompanha ambas tem muitas críticas para com a parcialidade da Globo e de outros veículos.
ID126 – Hoje, uma câmera na mão e a internet fazem com que qualquer jovem saia às ruas e faça sua própria apuração. Por que ainda é difícil os grandes jornais darem espaços para esses jovens?
DM – Tradicionalmente, a grande mídia demora em adotar novas tendências. É só ver como até hoje os jornais ainda insistem em paywalls e outros modelos atrasados para conteúdo online. Mas a mídia cidadã já encontra bem mais abertura que há alguns anos e acho que uma cooperação entre ambas as mídias será em breve a regra. Mas aí provavelmente já vai ter surgido outra tendência que os jornais vão demorar outros dez anos para adotar (risos).
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