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“A nossa intenção é fazer uma química verde”
- 11/09/2013O Prof. Dr. Emerson Andrade Sales é coordenador do Labec, um dos projetos pioneiros na Bahia que objetiva, entre outras coisas, produzir biocombustíveis a partir do cultivo de microalgas de forma totalmente sustentável
Luana Oliveira, Tayse Argôlo, Wendell Wanger
O professor Emerson Andrade Sales, coordenador do Programa UFBA Ecológica e do Laboratório de Bioenergia e Catálise (Labec), integrante da Rede de Tecnologias Limpas – Teclim da UFBA acredita que as microalgas são a melhor alternativa energética para a nossa sociedade, uma vez que são extremamente ricas em diversos tipos de moléculas, servindo para produção de biocombustíveis e bioprodutos.
Além disso, ele explica, em entrevista ao Impressão Digital 126, como o projeto de extração de biodiesel através de microalgas realizado pela Escola Politécnica da UFBA é desenvolvido, ao visar à produção em larga escala. O projeto objetiva, para um futuro não muito distante, que a energia gerada pelas microalgas seja uma alternativa viável e limpa na sociedade.
Impressão Digital 126 – Por que estudar produção de energia através de microalgas e como isso começou?
Emerson Andrade Sales – Acreditamos que a biomassa de microalgas contém uma quantidade tão variada de moléculas que pode suprir nossas necessidades e de muitas indústrias que são alimentadas pelo petróleo. Cada espécie tem uma quantidade maior de moléculas: em algumas, mais proteína, e de outras, você pode retirar uma quantidade enorme de óleos. No laboratório, começamos procurando as que tinham mais óleo, porque eu já estava num projeto anterior trabalhando com biodiesel. Então começamos um estudo para tirar biodiesel da microalga e juntamos pessoas de diversas áreas no projeto: biólogos, engenheiros de produção, químicos e engenheiros químicos, formando uma equipe multidisciplinar, o que faz com que consigamos abordar diversas facetas do mesmo tema. Nosso diferencial é que temos uma visão de tecnologia limpa. Desenvolvemos projetos sem resíduos, projetamos um reator para fazer biodiesel, que é muito eficiente em termos de energia limpa, mas produzimos tudo em escala laboratorial ainda.
ID 126 – Quais as principais vantagens e desvantagens na produção de biodiesel por microalgas?
EA – As microalgas têm uma vantagem muito grande que é o rendimento na produção de óleo. Essa produção chega a ser centenas de vezes maior por hectare do que o de uma planta como soja ou outra oleaginosa. Além disso, nossa matriz primária de energia é o sol, ou seja, não precisamos usar terra de agricultura. O biodiesel feito com soja usa área de alimentação humana. As microalgas, ao contrário, podem ser cultivadas em qualquer lugar, como nos mares e rios, mas também, se quisermos fazer numa escala industrial, podemos cultivá-las em lagoas controladas, em tanques abertos ou fotobioreatores.
Quanto às desvantagens, não considero nenhuma, mas temos um grande desafio, pois a tecnologia ainda está no início, e tudo no início é pouco explorado. Além disso, existe o perigo de contaminação. Se uma espécie vazar, pode ter um desequilíbrio ambiental no ecossistema, e isso é um perigo. O processo é feito em locais isolados, como em lagos artificiais que há pouquíssima possibilidade de contaminação. Mas até hoje não aconteceu.
ID 126 – Como se dá o investimento nessa área aqui na UFBA?
EA – Nós trabalhamos, pesquisamos, escrevemos bons projetos e em quatro anos conseguimos trazer mais de R$ 2 milhões em investimentos e materiais. Temos conseguido bons resultados, tanto é que continuamos aprovando projetos por meio dos governos federal e estadual. Ainda é muito pouco quando comparado com os países desenvolvidos, mas tem crescido muito. Quanto ao apoio da Universidade, temos alguns entraves. Estamos tentando montar uma planta piloto na Politécnica para a produção em maior escala do cultivo de microalgas, mas não conseguimos o devido apoio da instituição. Eu quero instalar um poste de iluminação e água no local em que a planta piloto está sendo montada, tento isso há meses e não consigo. Se tivéssemos um apoio mais efetivo, conseguiríamos produzir energia em larga escala mais rapidamente.
ID 126 – Qual o tempo estimado para que o projeto consiga produzir biodiesel de forma significativa?
EA – A intenção do projeto é inserir uma ideia sustentável como fonte de energia, não apenas para carro, mas para termos um consumo decente e sustentável para a maior parte da população Se continuarmos no ritmo normal e lento, vai demorar pelo menos mais dez anos até conseguirmos produzir em grande escala alguma coisa prática e significativa. Mas se dependesse de nós, em dois anos isso já seria viável.
ID 126 – Mesmo possuindo tantas desvantagens, ainda há uma predileção pelo petróleo do que por fontes de bioenergia mais proveitosas, como as microalgas. Como o senhor avalia isso?
EA – Energia, meio ambiente e sociedade são relações dinâmicas que devem ser observadas do ponto de vista histórico, desde quando o homem optou por esse tipo de energia e toda uma lógica montada em cima das questões dos combustíveis fósseis. Já temos cálculos que comprovam que o balanço energético da retirada de petróleo é negativo, ou seja, se gasta muito mais com o processo do que com o que é obtido. E por que não parar de tirar petróleo? Porque temos uma sociedade inteira baseada no consumo dele. E é por isso que é duro reverter, porque existe o capital, as grandes corporações, que são quem detém o poder no mundo. Mas isso é irracional do ponto de vista energético. Já a matriz primária de energia do biodiesel de microalgas é o sol. Toda a energia que a comunidade consome a partir de combustíveis fósseis em um ano, o sol fornece pra gente na superfície da terra em uma hora. A energia solar que estamos utilizando é extremamente abundante. Se no início do século XX tivéssemos pensado nisso, não estaríamos passando por essa crise energética que enfrentamos hoje.
ID 126 – E sobre outros tipos de biocombustíveis, o que tem a dizer?
EA – Biocombustivel é uma coisa boa, mas não é sustentável do jeito que é feito hoje. Em janeiro de 2010, o Brasil implantou uma lei que permite misturar 5% de biodiesel no diesel comum [antecipando em três anos a meta estabelecida pela Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005], porém essa lei foi apressada. Com isso, a agricultura familiar não pôde acompanhar toda essa demanda, perdendo rapidamente áreas de cultivo de alimentação humana para o agronegócio. E o agronegócio quebra a biodiversidade com a plantação de soja, colocando fertilizantes químicos, insumos agrícolas, contaminando o solo, a água, aumentando o desmatamento, gerando mais efeito estufa. Então isso foi bom? Quando fazemos o cálculo, percebemos que era melhor não ter plantado aquela soja, pois aquele biodiesel é um “agrodiesel”.
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