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Prática religiosa muda o guarda-roupa
- 04/10/2016Angelina Miranda e Val Benvindo revelam o cotidiano das pessoas que trazem a fé em suas vestimentas
Renato Cerqueira | Fotos: Arquivos pessoais
É bastante comum, pra quem anda pelo Centro da cidade, encontrar homens com os tradicionais hábitos de monges ou devotas do candomblé com suas saias compridas e batas apoiando na cabeça balaios com imagens de santo para cumprir obrigações de fé. Salvador é uma cidade religiosamente plural, mas, pela grande influência do catolicismo e do candomblé encontrar pessoas com roupas características destas práticas religiosas é mais comum, mas vez por outra praticantes de outros credos também chamam a atenção.
Angelina Miranda, também conhecida como Gandharvika Devi Dasi, por exemplo, é membro do Templo Hare Krishna em Salvador. Jornalista formada pela Unibahia, exerce a função de assessora de comunicação da Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna da Bahia, ISKCON-Bahia. Para ela, “o conhecimento sobre Krisnha é a verdadeira felicidade”.
Quem a encontra pela rua ou em sua lojinha, localizada no bairro de Itapuã e especializada em moda para os que seguem a sua religião, pode até achar que ela saiu de um evento performático. O visual colorido desperta a curiosidade e atenção das pessoas. As roupas, inspiradas nas deusas Krishna, possuem detalhes que as deixam especiais e destacam sua beleza. Sobre os olhares nas ruas, Angelina afirma não se incomodar. “Estou bem comigo e essa energia me basta”, afirma.
Intolerância
A voz, que já é uma marca pessoal e o sorriso acolhedor fazem Val Benvindo, 26 anos, tornar-se uma atração por onde passa. Durante a nossa entrevista, uma amiga com quem ela conversava minutos antes, avisou que seria necessário levá-la para um lugar isolado. Só assim seria possível concluir a nossa conversa porque seríamos interrompidos muitas vezes pelas pessoas que cumprimentavam Val.
Recentemente, ela passou pelo processo de iniciação no candomblé e, por conta disso, ficou um ano vestindo roupas brancas. A cor representa purificação e está ligada a Oxalá, orixá que é considerado “os olhos que tudo vêem” e criador.
Ela conta que teve sorte durante o processo final da sua iniciação. Além do seu acervo pessoal e ter ganhado roupas nessa cor em forma de presentes dos amigos próximos, contou com a ajuda do calendário, pois a data da sua liberação, após a iniciação, coincidiu com os festejos do Ano Novo, período em que as lojas estão com um grande estoque de roupas brancas. Além disso, teve a ajuda da mãe, que é costureira.
Consagrada a Xangô e Oxum, Val conta que, no cotidiano, tem muito presente duas características dos orixás que a regem : gula e vaidade. “Dizem que Xangô é o dono da gula e eu como muito e que os filhos de Oxum são vaidosos. Engraçado, eu já era vaidosa antes de fazer a iniciação, mas hoje eu percebo que fiquei muito mais”.
Apesar de ser a religião matriz da nossa cultura, Val diz que sentiu o preconceito religioso nas ruas. “Eu estava no ponto de ônibus, aí passou uma menina e se benzeu, como se eu estivesse representando uma coisa do mal. Do meu lado tinha um cara que me defendeu. Ele esculhambou a menina e tal. Eu fiquei sem reação e olhe que eu sou desbocada, mas nesse dia eu não sei o que me deu”, relata.
Depois de agradecer ao senhor que a ajudou, ela descobriu durante a conversa dos dois, que ele era pai de santo. Para Val, os olhares “atravessados” representam o pior nos comportamentos preconceituosos. “Você sente que a pessoa está te olhando e te julgando, mas não estão te dizendo nada”.
Sobre como a iniciação mudou sua visão de mundo, Val pontua que o rito completou um espaço que nem ela sabia que estava vago. “Hoje eu me sinto mais forte, determinada e segura para o mundo e para a vida. Se eu já sabia que eu não estava sozinha antes, agora tenho essa sensação em um patamar muito maior”.