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Menina de Ouro: A pugilista que pôs o preconceito na lona
- 02/03/2017Sérgio Loureiro e Daniel Oliveira | Fotos: Acervo Pessoal de Adriana Araújo
Aos 17 anos, Adriana Araújo recebeu o convite inusitado para treinar em uma academia de boxe. De início, rejeitou.“Eu dizia: ‘você é maluca, fica aí fazendo boxe. É muito agressivo’”. Cinco meses depois, foi fazer um teste. O objetivo – que a fez reconsiderar a proposta inicial – era apenas perder peso. Em pouco tempo havia ganho oito quilos. Nem pensava em se profissionalizar ou sequer tornar a experiência duradoura.
“Em sete meses o professor Rangel Almeida perguntou se eu queria lutar. Ele percebeu o meu envolvimento, coragem e talento. Não era o meu interesse, mas disse que se ele me colocasse eu iria”, conta a pugilista, medalhista de bronze na Olimpíada de Londres, em 2012. A condecoração foi a centésima do Brasil na história dos Jogos.
Após três anos na escola de Rangel, mudou para a renomada Academia Champion, de Luiz Dorea, localizada na Cidade Nova e conhecida como celeiro de talentos do boxe brasileiro. “Eu fui aprendendo a gostar. E ali eu poderia ganhar mais conhecimento tanto com o treinador quanto com os novos colegas, que já participavam de torneios”, explica.
Moradora de Brotas, a pugilista queria seguir na nobre arte (forma elegante como o boxe é chamado entre seus adeptos). Mas, para isso, teve que vencer a resistência de familiares e amigos. Para completar, a mãe era incisiva ao demonstrar a contrariedade com a escolha da filha. “Ela falava muito que não era esporte para mulher, que eu deveria sair”.
Na infância, Adriana jogava bola nas ruas do bairro. “Eu era moleca! Desaforada. Sempre brinquei fazendo esportes que eu considerava masculinos. Era amante de futebol, os meninos me chamavam para armar o time deles. Quando tinha uns 15 anos cheguei a jogar no Vitória”, diz Adriana.
O seu motivo do abandono do futebol é o mesmo de muitos jovens promissores no esporte, que logo precisam trabalhar para ajudar financeiramente em casa. No caso das modalidades femininas, o retorno financeiro é ainda mais difícil. “Não tinha ninguém que pudesse me ajudar, tive que correr atrás. Estudava e trabalhava”.
Adriana fala que, mesmo no futebol, sempre tratou com naturalidade sua presença em um esporte “considerado masculino”. “Além disso, era uma modalidade marginalizada”, completa. O foco continuava preciso: chegar à seleção — o que, de fato, viria a acontecer.
Disputar uma edição dos Jogos Olímpicos parecia um sonho próximo, em 2008, acalentado pela possibilidade inédita da inclusão do boxe feminino no quadro geral de competições. No entanto, para seu azar (ou sorte), o anseio não se confirmou em Pequim. Só quatro anos anos depois, quando a modalidade finalmente estreou em Londres.
Experiência
Esse intervalo de tempo fez Adriana, aos 31, mais experiente. “Quando eu cheguei em Londres, já estava com o cartel recheado de experiências e representava o país desde 2005 com várias conquistas, como nos Jogos Pan Americanos”.
Ainda assim, nos instantes iniciais da competição, vestir o uniforme da delegação brasileira pesou. “No começo eu não tinha nem noção de que estava em uma Olimpíada”. Forjada em treinamentos que costumam ser mais árduos do que as lutas propriamente ditas, Adriana permanecia confiante nas conquistas.
Ela avançou até as semifinais na categoria leve (até 66 kg), quando foi derrotada pela russa Sofya Ochigava, vice-campeã do mundo, por 17 a 11. Caso vencesse poderia disputar a cobiçada medalha de ouro. Como por regra o boxe não prevê disputa de terceiro lugar, Adriana ficou automaticamente com o bronze e garantiu seu lugar no pódio.
Após o triunfo bronzeado, a baiana conta, surpresa, do tamanho da repercussão do feito — catapultada pelo fato de ser a centésima medalha brasileira, em contagem que começou em 1920, nos Jogos da Antuérpia (Bélgica).
“Recebi muitas mensagens de mulheres, muitos elogios de ex-atletas, outras relataram que passaram a se interessar pelo esporte, que pretendiam iniciar no boxe”.
Por trás do ringue
Infelizmente, no entanto, o atleta profissional vive de altos e baixos. Para Adriana a fase de declínio começou em 2013, um ano após sua maior conquista. “Briguei com a Confederação, fui afastada e fiquei dois anos longe dos ringues. Isso prejudicou cerca de 90% da minha carreira”.
Sua divergência foi com o presidente da Confederação Brasileira de Boxe, Mauro Silva, que sucedeu Luiz Carlos Boselli, dirigente ligado a Dórea e à Confederação Baiana de Boxe. Adriana queria continuar treinado na Bahia com seu tutor, mas o novo mandatário achou por bem todos os pugilistas se prepararem em São Paulo.
Quando chegaram os Jogos do Rio, ela estava impedida de treinar na Bahia. O que, avalia, foi um desfalque em sua preparação. “A Bahia é o principal centro de especialização do boxe, claro que faz falta”.
Segundo ela, havia uma espécie de descrédito com a Confederação, pois “os técnicos nunca foram a favor de baianos na seleção, por eles todos os baianos ficariam de fora”. Era uma briga dentro e fora dos ringues. Adriana foi punida por ter tomado a briga para si. “Quando baiano faz sucesso, incomoda”, dispara.
O que não começou da forma ideal, terminou de maneira triste. Decepcionante, talvez. A derrota na estreia, lutando em casa, para a finlandesa Mira Potkonen custou seu ‘adeus’ prematuro no boxe olímpico.
Adriana saiu de cabeça erguida e com críticas pertinentes aos critérios usados na avaliação do combate. “Para mim, com toda minha experiência, ou até um leigo, é claro que minha pontuação foi muito nítida em relação a minha oponente. Sei que ela é uma atleta muito boa, mas eu fui melhor na luta. Bati muito nela. Mas eu perdi, não para ela, mas para a arbitragem”.
Foram afastados mais de 17 árbitros na Rio-2016 por conta de resultados duvidosos. A maioria dos árbitros é europeu ou asiático e a queixa de Adriana é que “eles puxam muito para os atletas deles”.
Volta por cima
Agora, aos 35, aposentada do boxe olímpico, Adriana segue na ativa. Logo após sua precoce eliminação, ela recebeu convite para ingressar no MMA, mas optou por seguir carreira no seu esporte, mas agora no pelotão profissional.
“Continuo treinando para fazer a estreia no boxe profissional, estou em recuperação de uma cirurgia articular no ombro esquerdo, por isso ainda sem previsão de data de estreia. Vou ficar muito feliz em representar a Bahia e o Brasil no boxe profissional”.
Quando olha para trás, Adriana não hesita: seu maior legado não é a medalha de bronze nas Olimpíadas, mas sim o papel que representou na evolução do esporte e na afirmação das mulheres no boxe. “Comecei custeando minhas passagens até conseguir grandes patrocínios. Hoje, graças às nossas conquistas, quem começa já tem um suporte melhor”. No entanto, ela ressalta que os homens prevalecem tendo mais vantagens ante às mulheres.
Mas não se resigna e avisa: “aos poucos as mulheres vão conquistar seu espaço que é de direito”.