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Variadas e baratas, comidas de ambulantes conquistam estudantes da UFBA
Maria Paula Marques e Renata Oliveira - 27/11/2017Quem frequenta as salas de aula da Universidade Federal da Bahia (UFBA) pode ter muitas coisas a reclamar acerca da penosa vida de estudante de instituição pública. Mas, certamente, a falta de opções gastronômicas para quando sente fome não é uma delas. Com a crise econômica que se instalou no país desde 2015, a venda de comidas nos campi da universidade tem sido uma rota de fuga bastante adotada por aqueles que perderam o emprego ou simplesmente almejam uma renda extra. E, de acordo com os próprios vendedores que transitam pela universidade, a estratégia tem se mostrado uma aposta certeira para esse tipo de negócio.
Quem passa diariamente, no horário do almoço, entre a Biblioteca Central e o Instituto de Letras se depara com o “Delícias da Lu”, mote atribuído ao negócio de Luciana Santos. Ela pondera que nunca havia antes trabalhado com culinária. No entanto, pôde vislumbrar na área a oportunidade de trabalhar para si mesma; ser a sua própria chefe. “Trabalhava em supermercado como fiscal de caixa. Saí da empresa e não queria mais trabalhar pra ninguém. Chega de botar escada para os outros subirem”, exclama.
Dado o sucesso, Luciana, tendo em vista aperfeiçoar-se, resolveu participar de um curso no Sebrae. A moça faz questão de realçar que foi aconselhada pelo seu filho Breno (não, não é o da empada), estudante da universidade, a vender almoço no campus. “Breno é boca nervosa, procurava o que comer e não tinha. Ele queria que eu fosse para São Lázaro, só que, pra mim, aqui [em Ondina] é melhor, mais movimentado. O acesso para São Lázaro é péssimo e perigoso”, detalha.
“Se não forem armazenados de forma correta, pode dar uma infecção. Isopor não é garantia de armazenagem, o uso dele é apenas para transportar”, alerta Orlando Siqueira, proprietário de um espaço no Instituto de Geociências.
A proprietária do “Delícias da Lu” relata ter começado vendendo salada de frutas e de vegetais, contudo percebeu que os alunos queriam algo “mais sólido”. Trouxe aipim em embalagens de 250g, e, ainda assim, a freguesia queria mais. A partir daí, começou a vender suas quentinhas e seus potes de meio quilo de escondidinho, carro-chefe do negócio. Quanto à seguridade dos alimentos, ela afirma ao mesmo tempo que os exibe orgulhosa. “Os potes são vedados, ficam aqui no isopor. É tudo feito pela manhã, tanto as quentinhas quanto os potinhos. Ninguém corre o risco de passar mal. Se já aconteceu, nunca passaram pra mim”, garante.
Ninguém deixa de perceber a fila que se forma diariamente, no vão da Biblioteca, em direção a uma caixa térmica vermelha com um senhor grisalho sentado detrás. Simpático, Carlos Henrique Freitas vende geladinhos; arma contra o calor do verão, como uma alternativa ao recente desemprego. Freitas ressalta que a escolha do suco ensacado e congelado se deu por já possuir um know-how de 17 anos, advindo por vendê-los previamente em sua residência, no bairro de São Caetano.
Simultaneamente, enquanto atendia aos fregueses, Freitas explicou ao ID126 a sua rotina. A esposa dele é quem produz; ele fica com a parte da compra da matéria-prima, de transportar as mercadorias prontas e comercializá-las. Para Freitas, o “toque feminino” de sua companheira é essencial. “Tem que ter o toque da minha abençoada”, declara-se. No entanto, ele garante: “Se for necessário – quem sabe é Deus -, um dia eu posso até fazê-los. Mas, com certeza, não ficaria iguais aos dela”, frisa.
Quanto ao retorno financeiro, o comerciante alega que a margem de lucro cai por oferecer preços mais baixos do que o usual para os estudantes, porém afirma ser “o homem mais rico do mundo” ao pagar as contas em dia no final do mês. Seu Carlos se define, ainda, como um bon vivant ao responder que os detentores das licitações das cantinas ou representantes da UFBA nunca lhe afrontaram em relação à sua falta de licenciamento. “Trago meu banquinho, fico no meu cantinho, não incomodo ninguém. Eu sei viver”, proclama.
No entanto, o comércio alimentício não se restringe às vítimas da crise. Até mesmo os discentes enxergaram neste meio uma solução para a falta de verba. Prova disso é o famoso Brenu da Empada, ou Breno Sodré, responsável pela venda de um dos lanches mais populares no campus de Ondina.
Ele conta que a venda dos quitutes se deu, inicialmente, como um mecanismo de divulgação de sua futura formação, a de gastrônomo. O arrojo deu tão certo que já são cinco anos comercializando as empadas. “Apesar de meus pais me ajudarem, eu ainda prefiro ter uma grana para pagar coisas que, no bolso deles, seria mais um gasto”, salienta.
UFBA vegana
Toda semana, o vegetarianismo ganha cerca de 2 mil novos adeptos no país, segundo dados da Sociedade Vegetariana Brasileira. Esse crescimento tem refletido de maneira positiva no mercado vegetariano, vegano e de serviços relacionados. Entretanto, para a discente do Bacharelado Interdisciplinar (chamado gentilmente de BI) de Ciência e Tecnologia, Lahara Carneiro avalia como “difícil” adotar o estilo de vida veganista, se for depender das cantinas dos institutos e do Restaurante Universitário, o R.U.
Por mais que o R.U. ofereça opções vegetarianas, ainda são utilizados no preparo das refeições ingredientes como ovo e leite, o que comprova que “os veganos não têm o que comer lá”, reclama Lahara. “Seria legal uma variação na proteína, para quem não come carne. Acho que, por o pessoal não saber muito das variedades na alimentação vegana-vegetariana, acabam indo para um caminho de mesmice, tipo a soja”, desabafa.
Engana-se quem pensa que o imbróglio se restringe ao R.U. A acadêmica reforça que as cantinas também oferecem pouquíssimas ou nenhuma opção para este grupo. “Eu acabo recorrendo às barraquinhas ali na Biblioteca, que têm várias opções, como a Amiga da Vaca”, conta. Vale dizer que o R.U. serve refeições à comunidade universitária sob o valor de R$ 2,50, com custos adicionais subsidiados pela Universidade. Parte dos alunos bolsistas pode fazer as refeições sem qualquer custo.
“Após o término da aula em Ondina, às 12:30, preciso estar no ICS às 13h. Não tenho tempo para esperar a fila do RU”, explica o estudante Pedro Martins, do BI de Saúde.
Mariana Martins é a responsável pela “Amiga da Vaca”, loja de comidas veganas que já está há dois anos na biblioteca de Ondina. Diariamente, pessoas como Lahara consomem ali, mas muitos curiosos também provam da culinária vegana: “gente que nem é vegetariana come direto conosco”. Sobre o início do negócio, Mariana explica que começou com a ajuda de duas amigas, mas que hoje assume sozinha toda a loja, que já se expandiu para o meio virtual: ela conta com um instagram (@amigadavaca) em que você pode fazer pedidos, além do próprio whatsapp da vendedora e página no Facebook com o mesmo nome.
A aluna de medicina veterinária Michele Lipphaus é uma frequentadora assídua do restaurante universitário. Ela afirma que, apesar das diversas reclamações feitas pelos alunos da instituição sobre a qualidade da refeição, gosta muito da qualidade da comida oferecida pelo restaurante, e principalmente, do preço. “Já cheguei a ficar quase uma hora na fila, mas acho que vale a pena porque eu saio bem satisfeita”, conta.
Já o aluno do BI de saúde, Pedro Martins, tem os vendedores ambulantes como sua melhor alternativa à demora da fila do restaurante universitário: “Após o término da aula em Ondina, às 12:30, preciso estar no ICS às 13h. Não tenho tempo para esperar a fila do RU, por isso, acabo comprando lanches oferecidos pelos vendedores ali da biblioteca, porque almoçar nas cantinas dos institutos também não dá pra mim: é muito caro.”
Enquanto no campus de Ondina sobram opções de lanches e refeições completas, no campus da Piedade, onde fica a Faculdade de Economia, os alunos reclamam da falta de um local para lanchar: “Dentro do campus não tem nada. Só aluno choroso ou deprimido, professor correndo nos corredores para fugir dos alunos. E a galera da portaria e limpeza que é resenha o dia todo.” conta um estudante do campus, que costuma ir para fora do ambiente se quiser se alimentar. “Na avenida, não faltam restaurantes ou lanchonetes, inclusive o Grão de Bico. Próximo ao São Raimundo tem uma padaria que sai café da manhã, lanches e a noite uma sopinha, com preço acessível”, diz.
Os vendedores autônomos entrevistados afirmam nunca terem tido nenhum tipo de problema com os donos de cantina e muito menos com a própria Universidade. De acordo com eles, a venda dos alimentos é feita de forma livre e sem fiscalização.
Preto no branco
Márcio Fontes, chefe do Núcleo de Contratos da Proad (Pró-Reitoria de Administração), explica que existem duas modalidades de licitações, no que se diz respeito a preparar as refeições no próprio estabelecimento.
Diferente do Instituto de Matemática, gerido por Antônio da Silva Barbosa, que possui uma licença de “simples comercialização” de quitutes, por exemplo, a cantina da Faculdade de Comunicação (Facom), chefiada por Edson Ribeiro, oferece a docentes e estudantes, almoço, de segunda a sexta-feira, preparado na cozinha do local.
Orlando Siqueira, administrador que gere a cantina “Espaço Gula”, presentes no Instituto de Letras e de Geociências, trabalha no ramo alimentício há mais de 20 anos e, por esse motivo, tem um olhar mais crítico e conhecimento de causa quando o assunto é comércio de comida. Para ele, “alimento não é brincadeira”, sentencia ao se referir à vendagem por autônomos na Universidade. “Se não forem armazenados de forma correta, pode dar uma infecção. Isopor não é garantia de armazenagem, o uso dele é apenas para transportar. Vocês [estudantes] correm risco consumindo esses alimentos. Eu observo que alguns deixam os alimentos o dia inteiro expostos, isso é um perigo”, completa.
O empreendedor já estava no fim do contrato com o Senai Cimatec, centro universitário localizado na Avenida Orlando Gomes, em Piatã, quando ficou sabendo da abertura de licitação das áreas que ocupa hoje. Ele esmiúça que as cantinas fixas, como as dele, pagam um valor referente ao aluguel do espaço para a Universidade. “Já conversei sobre os vendedores ambulantes com a diretora de Letras. Ela me explicou que, para poder trabalhar e explorar um espaço público federal, a pessoa tem que se submeter à licitação”, diz. “O Instituto de Letras ficou muito tempo sem cantina, o que fez com que o número de vendedores ambulantes se multiplicassem na área. Mas não somos nós da cantina que vamos tirar ninguém, o que importa é que estou dentro da lei”, garante.
A Proad dá o caminho das pedras para aqueles que pensam em abrir uma cantina nos campis universitários. “De uma maneira geral, a unidade encaminha para a Pró-Reitoria de Administração uma solicitação informando sobre a necessidade do serviço na unidade específica. Depois de recebida a solicitação, a Proad dá início ao processo de licitação para que as pessoas interessadas possam participar e concorrer a exploração do espaço”, diz.
Figurinha carimbada na UFBA desde meados de 1990, Chumbinho chegou a vender os lanches no Instituto de Química. Hoje, está abrigado no PAF IV há mais de oito anos. Os salgados são em parte produzidos em casa, por ele mesmo, que chega às cinco da manhã e sai às oito da noite. A venda dos lanches é a sua única fonte de renda.
A título de curiosidade, a respeito de seu apelido, Valter brinca que “não é nada demais”. “É só por causa daquelas balinhas de chumbinho mesmo, pequenas que nem eu”, esclarece em meio a risadas. Agora, Chumbinho passou a aceitar como forma de pagamento o cartão de débito, buscando aumentar ainda mais a sua clientela.
Chumbinho concorda com Orlando a respeito dos autônomos. “Eu sei que tem alguns vendedores ambulantes que não têm cadastro, mas a UFBA promete que vai tirá-los. Me incomoda, sim, pois eu pago [aluguel do espaço] e eles não, mas não sou eu quem vou falar [com eles]. Quem tem que ver isso é o pessoal da própria UFBA”, afirma.
A Pró-Reitoria, por sua vez, está fazendo um levantamento de tudo que se refere à comercialização dentro do campus universitário, para poder mapear e, assim, verificar as condições de quem já tem contrato e regularizar a situação de pessoas que, eventualmente, não têm. “A ideia é que todas as pessoas que comercializem sejam previamente autorizadas. Como o campus é grande, pode ocorrer, logicamente, de ter algum ambulante que não seja do nosso conhecimento, mas os que nós temos conhecimento, nós contactamos a pessoa para que isso seja regularizado”, assegura Fontes.
Sobre o aluguel do espaço, Márcio afirma que, para que o pagamento ocorra, o comércio precisa ser devidamente regularizado pela UFBA, através de um contrato precedido de um processo licitatório. Porém, o chefe do núcleo desconhece ambulantes que estejam dentro dos conformes: “O único exemplo que eu posso dar é do vendedor de castanha que fica situado em frente ao Banco do brasil, no campus de Ondina. Ele paga em torno de 60 reais por mês para utilizar o espaço, além de possuir autorização de funcionamento.”
Diferente dos outros donos de cantina, Alexandre Bispo, o “Xandinho de Ibio”, atesta não ter nenhum tipo de problema com os ambulantes da UFBA. Presente há mais de 30 anos no Instituto de Biologia, Xandinho tem seus clientes fiéis e nada a reclamar. “Eu comecei a vender geladinho aqui há cinco anos, e aí as pessoas começaram a vender também. Ou seja, eu abri caminho para os outros venderem. Acho isso ótimo, não tenho nenhum problema, nem nunca tive”, endossa.
Muito querido pelos estudantes, os quais considera como sobrinhos e netos, o vendedor de 85 anos é aposentado estadual. “Mas como vive com um salário mínimo? Por isso continuo com a cantina”, justifica. “Eu produzo os alimentos, todos feitos no mesmo dia em que coloco para vender. Nunca tive nenhuma reclamação”, orgulha-se. Xandinho fica no Instituto todos os dias até às 18h, quando uma outra vendedora, que contribui com parte do valor do aluguel do espaço, assume a frente.