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18º Fórum Social Mundial chega a Salvador em março
Maria Paula Marques e Renata Oliveira - 31/01/2018O objetivo é lutar contra o neoliberalismo através da mobilização popular, que se concentrará em espaços como a UFBA e o bairro de Itapuã
A Universidade Federal da Bahia (UFBA) se prepara para sediar, entre os dias 13 a 17 de março, um evento inédito em solo baiano: o Fórum Social Mundial (FSM). Mas não confunda: o FSM não se trata de uma organização, e, sim, um espaço democrático de debate de ideias e articulação de movimentos sociais, que se opunham ao neoliberalismo e ao domínio global pelo capital — ou qualquer tipo de imperialismo. O lema central deste ano, “Um outro mundo é possível”, por si só, deixa claro a que o FSM veio: arregaçar as mangas na luta por um planeta igualitário.
A iniciativa de trazer o Fórum para a Bahia partiu do próprio Coletivo Baiano, criado em 2013, contou ao ID126 Damien Hazard, representante estadual da Bahia na Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong). “A Bahia, representada pelo Coletivo Baiano, levou ao último Fórum das Resistências [um desdobramento do FSM, em Porto Alegre, ocorrido em 2016] a proposta da realização do FSM 2018”, relembra. Contudo, Hazard revela que ter o evento sediado em Salvador é uma ideia debatida na Bahia desde 2015 e estimulada por atores internacionais e nacionais, tais quais o próprio Governo do Estado e a UFBA.
A partir disso, Hazard detalha que o Conselho Internacional deu o aval para o Coletivo Baiano buscar as condições operacionais e políticas para viabilizar o evento. “Nós tomamos essa decisão quatro meses depois, após um processo intenso de diálogos, consultas a movimentos e organizações do país. Em maio, num seminário nacional organizado em Salvador, batemos o martelo sobre o local do FSM, tendo como palco principal a Universidade Federal da Bahia”, conta.
Em conversa com o ID126, o reitor da UFBA, João Carlos Salles, frisou que a cooperação e o acolhimento da instituição a uma conferência nestes moldes ilustra o sentido progressista e equitativo ao qual o FSM se debruça, bem como trava a cooperação da universidade na batalha pelo ensino superior gratuito e de excelência. “Se outro mundo é possível, nenhum vale a pena sem uma universidade pública de qualidade”, pontua. Por conta disso, Salles faz um convite às comunidades internas e externas para que compareçam. Assista abaixo:
O papel do Coletivo Baiano hoje, ainda conforme o representante da Abong, ultrapassa as fronteiras físicas e integra o Coletivo Brasileiro. Um dos seus princípios é a organização de plenárias, nas quais as decisões políticas são tomadas, bem como a existência de grupos facilitadores, compostos por organizações brasileiras, que facilitam o processo da construção coletiva, que vai além do Fórum. O grupo esteve presente nas três últimas edições do FSM, em 2013 e 2015, na Tunísia, berço da Primavera Árabe, e logo depois em agosto de 2016, no Canadá, em Montreal.
O representante da Abong elucida a importância da participação do corpo social na construção de um evento deste porte. “O protagonismo tem que ser da sociedade civil”, salienta. Rita Freire, membra da comissão organizadora, faz coro e explica que as atividades devem ser propostas por agremiações da sociedade, as quais podem convidar universidades, partidos e setores governamentais. “Toda atividade do FSM é autogestionada, ou seja, se a comunidade de Itapuã não tivesse se organizado para essa assembleia, ela não aconteceria”, diz Freire.
Pedra que ronca
Por falar em Itapuã, o bairro é presença garantida no FSM. De origem indígena, da tribo Tupinambá e, posteriormente, loteamento de um quilombo africano, Itapuã tem marcado em seu cerne, até hoje, a ancestralidade indígena e negra. Não à toa, apresenta-se para o Fórum como “Território da ancestralidade e do encontro de saberes”.
O núcleo local do FSM no bairro tem se reunido semanalmente na Casa da Música, às margens da Lagoa do Abaeté, para discutir suas demandas e articular as próximas ações e atividades. Numa “mesa nas configurações da mesa da santa ceia”, brincam os componentes, se reúnem integrantes da associação de moradores, os quais se repartem entre intelectuais, artistas, além de representantes de movimentos sociais e do Fórum. Por falta de quórum de discentes da UFBA, o ID126 foi convidado a compor a junta.
Em meio à conversa que bambeava ora em momentos de descontração, ora de seriedade, ficou definida a programação do bairro. A principal questão levantada pelos presentes girou em torno do desafio de incluir a comunidade, no sentido socio-econômico, no diálogo — o pessoal das Baixa da Soronha e do Dendê, por exemplo. Por fim, definiu-se que sair em protesto pelas ruas internas, ao invés da avenida principal, a Avenida Dorival Caymmi, em direção à Praça Caymmi, agregaria melhor esta parcela.
Outra preocupação levantada foi a segurança de quem virá ao Fórum e ficará parte hospedado no Parque de Exposições Agropecuárias, loteado em Itapuã, parte no Parque Metropolitano do Abaeté. São esperados visitantes do mundo inteiro, os quais ficarão acampados. Segundo contou Amadeu Alves, diretor da Casa da Música, Altamiro Gomes, gestor do parque do Abaeté, firmou o compromisso de fornecer banheiros químicos para os hóspedes, ainda que questionado pelos formantes do conselho de Itapuã quanto à insalubridade.
Em meio à multidão de hóspedes, o colorido de cerca de 800 cocares se destacarão: indígenas da tribo Kaimbé virão de Canudos, sertão baiano, e irão propor atividades culturais, como a tradicional zabumba Kaimbé, como destaque para a presença da primeira mulher zabumbeira do Nordeste. Representatividade não vai faltar.
Nesse sentido, a coordenadora do grupo cultural Raízes Dessa Terra, Rita Capotira, atenta-se para o intercâmbio de culturas por parte da população “itapuãzeira” e da estada da tribo e se respeitarem durante o período. “É uma via de mão dupla: tanto os indígenas precisam entender como é a dinâmica do bairro e, em contrapartida, as pessoas do bairro precisam saber quem são essas pessoas, de forma a evitar, porventura, uma situação de desconforto”. Capotira, mulher indígena e negra, frisa que atividades voltadas à comunidade serão realizadas de forma a garantir que “as pessoas fiquem sabendo quem estará aqui”.
Ives Quaglia, artista plástico responsável pela confecção da tradicional baleia, que desfila pela centenária Lavagem de Itapuã, e pelos festejos do bairro, classifica a Praça Caymmi como uma “barbárie contemporânea”. “Quem circula hoje naquela praça hoje?”, indaga. A proposta de surge justamente por conta disso: “Precisamos começar a repensar aquela praça”. “O espaço público tem que ser ocupado, a gente tem que ir pra praça pública mesmo”
A ação cultural atrelada a uma oficina de cartazes para a marcha do Fórum, acontecida no mês de fevereiro, foi a faísca para acender a ideia de instituir, na Lavagem de Itapuã, o bloco “Itapuã, território do Fórum Social Mundial”. Cadenciados pela percussão do grupo Afro CHABISC, sinalizarão em placas suas reivindicações.
Para os nativos presentes, a mudança de ares se deu do ruim para o pior, visto que antes, apenas contava com dois bares — os célebres finados “Língua de Prata” e o “Jangada” — e, agora, são contabilizados catorze. Não se imaginava que ficaria pior do que era porque, inicialmente, segundo Amadeu Alves, existia uma perspectiva de controle sobre esses estabelecimentos, mas, ainda de acordo com o diretor da Casa da Música, não se vê nem uma guarda municipal. “Temos hoje uma política pública que joga para destruir o que nós temos de identidade”, denuncia.
Obstáculos
Há certo conflito de interesses cujo principal opositor dos manifestantes do FSM é a Prefeitura de Salvador e suas repartições. “O poder público municipal [Prefeitura de Salvador] tem criado muito obstáculo frente a qualquer manifestação de rua sem autorização. É capaz deles, se a gente for descer aqui a rua principal, criar algum tipo de problema nesse sentido”, diz Clélia Côrtes, professora adjunta do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC) e tutora do PET Comunidades Indígenas, na Universidade.
A docente acrescenta: “A gente não pode mais se manifestar? Quer dizer, pode, né? Mas tem que pagar pra ele [ACM Neto]. Porque, hoje, até para protestar, ele criou um tal de um CLE [Central de Licenciamento de Eventos]. Esse tipo de coisa precisa da autorização deles”.
O ID126 entrou em contato com a Secretaria do Turismo do Estado da Bahia (Setur), que informou que ainda não há informações a respeito de como será o apoio do orgão ao Fórum Social Mundial, pois a negociação ainda não foi finalizada. Porém, a Setur afirma que outros orgãos também deverão apoiar o evento.
Legado
O assessor da Secretaria de Promoção da Igualdade do Estado da Bahia (Sepromi) e participante da Associação de Moradores de Itapuã (AMI), Raimundo Bujão, esteve presente em todas as edições ocorridas no país, fora a Tunísia. Para ele, o maior ganho obtido por meio do FSM foi “a vitória da esquerda no Brasil”.
Ambos, Rita Freire e Bujão, convergem neste ponto. “O que ele [o FSM] conseguiu de mais importante foi trocar as pessoas, os projetos políticos, que estavam no poder. Por exemplo, a eleição do Lula, em 2002, e do Evo Morales. Na primeira edição, esse pessoal estava todo dentro do Fórum e foram eleitos: o Evo era cocalero, o Lula, sindicalista, que reunia multidões”, recorda Freire.
A socióloga, ativista do movimento de Mulheres Negras e também Ouvidora Geral da Defensoria Pública da Bahia, Vilma Reis, ressalta a importância do movimento para as mulheres negras baianas. “Contra o racismo e sexismo, as mulheres negras vão chegar com toda força neste Fórum Social Mundial”, prometeu. O preconceito e a questão racial são discussões fortemente abordadas durante todo o evento.
Vilma considera o FSM uma forma de enfrentamento ao contexto político atual do país. “Em tempos tão difíceis de ataque e criminalização aos movimentos sociais, a resistência crítica e constitucional, assim como o enfrentamento à violência do capital, são eixos que nos movem para a realização do Fórum Social Mundial no Brasil”, completa.
Não é exagero dizer que a conferência já nasceu histórica. Há 18 edições atrás, o FSM emergiu sob influência do grito zapatista de 1994, cuja influência culminou em um editorial do Le Monde Diplomatique, no qual Ignacio Ramonet convocava à batalha contra o “pensamento único”.
À época do surgimento do Fórum, em Porto Alegre, existia um enfrentamento ao chamado “pensamento único”, relembra Freire. “A imprensa do mundo todo não abria a boca pra dizer o que estava errado. Teve um editorial, do Washington Post, que dizia: ‘alguém tinha que mandar no mundo, sorte do mundo que somos nós’”. Freire se refere ao consenso de Washington, capital do Estados Unidos, no qual se estipulava uma governança centralizada no Norte. “O Fórum surge contra tudo isso”, enseja.
Em contraponto, segundo se recorda Rita Freire, àquele momento, os trabalhadores tinham os seus direitos assegurados pela Constituição, advindos da gestão Vargas. Hoje, estes servidores têm visto suas benesses serem abolidas com a PEC da Previdência, o que ilustra outra diligência para o FSM. “Há um jogo muito feio de quem está no poder que é de nos fazer acreditar que a nossa voz não tem importância. Quando o povo vai para a rua, grita, grita, chega lá e eles votam contra nós, isso dá atalho para o povo acreditar que sua voz não vale nada. É muito perigoso”, denuncia Freire.
Inscrições
De olho nisso, o Fórum retorna para a sua 13ª edição, pela primeira vez no Nordeste e na Bahia, com uma expectativa de mais de 50 mil pessoas vindas de mais de 120 países. As inscrições para as mais de 1200 atividades já podem ser feitas através do link.