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Carlos Magno, Thídila Salim - 13/11/2019Em tempos de relações on-line, jovens baianos andam na contramão e defendem que a boa conexão está fora da tela
Por Carlos Magno e Thídila Salim
Com um misto de funcionalidades, os smartphones se tornaram peças indispensáveis na vida de muita gente por todo o mundo, seja para auxiliar no trabalho ou para puro lazer. No Brasil, dados da Fundação Getúlio Vargas revelam que há mais smartphones que habitantes. São 220 milhões de celulares inteligentes ativos contra 210 milhões de pessoas, de acordo com a 29ª Pesquisa Anual do Uso de TI, de 2018.
Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2018, 127 milhões de brasileiros estão conectados à internet, o que representa um aumento de 37% nos últimos cinco anos. Do total, 97% utiliza o celular para navegar na internet, 43% o computador, 30% a TV e 9% o videogame.
Dados do relatório anterior, de 2017, mostram a banda larga como o modo de acesso à internet mais utilizado nos domicílios brasileiros. Apesar da estabilidade da banda larga, a pesquisa apontou um crescimento no uso de modem ou chip 3G ou 4G. A utilização de internet móvel dobrou entre 2012 e 2017.
Mas há quem não se encaixe nas estatísticas e não seja lá tão adepto do uso destas tecnologias. É o caso do estudante de ciências sociais e baterista da banda Flerte Flamingo, Igor Quadros, 23. O soteropolitano ganhou o primeiro smartphone de um amigo, mas foi roubado e daí em diante não quis mais saber do aparelho. Até que a mãe precisou fazer uma viagem internacional e, para facilitar a comunicação, decidiu lhe dar um de presente.
Desde então mantém o aparelho, mas o deixa a maior parte do tempo em casa. Na rua, prefere um antigo, sem acesso a internet, daqueles que só fazem ligação e enviam SMS. “Tiro o chip e coloco no meu celular antigo para usar no dia a dia. Só saio com o smartphone em situações emergenciais”, conta.
Ele não é avesso a tecnologia. Para Quadros, a ansiedade e perda da concentração são alguns dos principais motivos que o fazem deixar o smartphone de lado. Antes de adquirir um celular inteligente, usava um iPod e conta que, na hora de estudar, tinha dificuldade em manter o foco.
“Sou a pessoa menos ansiosa que conheço, mas quando estou usando [o smartphone] sinto a necessidade de olhar o tempo todo”, revela.
Para driblar esse problema, mantém uma rotina. Antes de dormir, sempre desliga todos os celulares e só volta a ligá-los às 12h do outro dia, quando termina de estudar.
Mestrando em Ciências Sociais, Rafael Augusto Serra, 32, também é do time de baianos que adotaram uma relação mais distante com os smartphones. Assim como Quadros, o estudante diz se sentir sobrecarregado com as notificações dos aplicativos de mensagem.
“Sempre fui reticente em relação a celular. Para mim, a utilidade do celular é substituir o telefone fixo, é ser um telefone portátil. As pessoas esqueceram a função de ligar e substituíram tudo por mensagem”, lamenta.
Equilíbrio
Serra está há pouco mais de um mês sem celular, se comunicando exclusivamente por e-mail. Para ele, o smartphone não faz falta, mas pensa em comprar outro por exigência das relações sociais, tanto profissionais como afetivas. “Não tem muito como fugir”, reconhece.
Tanto Igor quanto Rafael veem vantagens e desvantagens no uso da tecnologia e acreditam que é preciso lidar bem com a internet para não se tornarem dependentes. “A tecnologia não é a vilã, o prejudicial é a maneira como você lida com ela”, defende Serra.
A facilidade para acessar informações, possibilidade de conhecer pessoas novas e a troca de experiências são alguns dos pontos positivos. “Já falei com pessoas dos Estados Unidos, Filipinas, Finlândia e Rússia. Tenho amigos que, se não fosse a internet, não teria como conversar”, complementa.
Apesar das vantagens, os dois defendem que o bom contato é o cara a cara. Quadros se prepara para fazer intercâmbio de um ano na França e, mesmo com a surpresa da notícia, preferiu contar para os amigos pessoalmente, dispensando o celular. Até para os integrantes da Flerte Flamingo teve que organizar um encontro para dar a notícia.
Dependência digital
O primeiro envio de e-mail, em 1969, aconteceu nos Estados Unidos (EUA), entre a Universidade da Califórnia e o Instituto de Pesquisa de Stanford. Nesse momento, surgiu o protótipo da primeira rede de internet.
Nada de correntes, newsletter ou convites corporativos. Em meio à Guerra Fria, as motivações da época eram bem diferentes. Cinco décadas depois, navegar pela internet é tão comum que o desafio de hoje é se desconectar dela.
Segundo o psicólogo e especialista em Terapia Cognitiva Vitor Mascarenhas, a dependência digital é um transtorno que faz as pessoas sentirem medo irracional de ficar sem acesso à internet ou qualquer produto eletrônico, o que pode acarretar problemas no dia a dia do dependente. “Quando o uso da tecnologia atrapalha nos relacionamentos interpessoais, no trabalho, na vida escolar, isso deixa de ser saudável”, alerta.
Mascarenhas diz que o uso em excesso, além de envolver problemas de saúde mental, como transtornos de humor, ansiedade, insônia e estresse, também está relacionado a problemas de saúde física. “Envolve problema de coluna, dores no pescoço, a condição de sobrepeso, sobretudo em pessoas com problemas cardíacos”, explica.
O psicólogo afirma que, nos consultórios, há uma grande procura de pessoas com transtorno de habilidade social e de ansiedade social. Explica ainda que as pessoas dependentes da internet ou de dispositivos eletrônicos acabam não tendo repertório social para enfrentar as demandas do cotidiano.
Advogada e mãe de um adolescente de 14 anos, Luciana Viana relata que o filho troca diversas atividades pelo jogo de computador. “Acho que já é vício. Ele faz as refeições sentado na frente da tela e seus amigos são virtuais. Não sei como agir”, desabafa.
Uma análise de 45 países feita pela empresa GlobalWebIndex, entre 2012 e 2019, estimou o tempo médio diário dedicado por uma pessoa à internet e às redes sociais. No ranking, o Brasil ocupa o segundo lugar, com tempo médio de 225 minutos, ficando atrás apenas das Filipinas, onde o tempo de uso médio é de 241 minutos diários.
A pesquisa ainda mostra que o aumento do tempo gasto na internet é sustentado por uma faixa etária específica, de 16 a 24 anos. No Brasil, o relatório TIC Kids Online, de 2017, apontou que o número de crianças e adolescentes que acessam a internet todos os dias ou quase todos os dias aumentou de 47%, em 2012, para 88%, em 2017.
Para Mascarenhas, os pais devem ficar atentos ao comportamento da criança, se sobra tempo para ficar junto da família e amigos. Segundo ele, o impacto do uso intensivo difere a depender da idade, e as crianças costumam ser mais afetadas.“Os adolescentes vão crescendo no computador, não querem sair de casa, não querem ir para a escola e os pais acabam não conseguindo lidar”, diz o psicólogo.