Investigação participativa: reportagens que colocam o leitor no centro da história
Profa. Lívia Vieira - 02/12/2021Profa. Lívia Vieira
As 13 reportagens multimídia feitas pela turma de Oficina de Jornalismo Digital em 2021.2 tiveram como base o conceito de investigação participativa. O termo, que em inglês é conhecido como engagement reporting, foi discutido em uma aula especial que tivemos com Giulia Afiune, editora de Audiências da Agência Pública.
Na ocasião, Giulia mostrou exemplos de reportagens que colocam no centro as experiências vividas pelos leitores. Na ProPublica, organização de notícias sem fins lucrativos dos EUA, leitoras contaram seus problemas durante o parto e ajudaram a iluminar dados pouco transparentes sobre mortes relacionadas à gravidez no país. Aqui no Brasil, a editora nos contou a experiência da própria Agência Pública, que recebeu relatos de leitores sobre mortes em decorrência da Covid-19.
A mecânica da investigação participativa funciona assim:
- A redação cria um questionário, normalmente com perguntas abertas e fechadas, pedindo para que as pessoas contem suas experiências sobre determinado assunto.
- O questionário é divulgado para o público-alvo.
- Com base nas respostas obtidas, os repórteres analisam as histórias, selecionam as mais adequadas, entram em contato com os leitores e checam as informações.
- Os relatos não só complementam, mas são o coração da reportagem. As demais fontes (especialistas, fontes oficiais) são acionadas a partir dos depoimentos coletados.
- Quando o número de respostas é representativo, é possível elucidar contextos e problemas sistêmicos. Mas mesmo que haja poucos relatos, pode-se fazer um mergulho profundo nas histórias de vida.
São muitos os desafios da investigação participativa. A partir de uma auto-avaliação dos estudantes após a conclusão das reportagens, identificamos alguns: dificuldade de chegar ao público-alvo, ou seja, de “furar as bolhas”; quanto mais específica é a pauta, menos pessoas vão se identificar com ela e menos histórias serão contadas.
Mas há muitos ganhos. De acordo com Rafaela Dultra, as respostas obtidas pelo questionário foram o pontapé inicial, pois foi necessária uma conversa posterior para entender melhor as histórias e aproveitá-las. Josivan Vieira gostou da experiência de criar o questionário, que faz com que o repórter se coloque no lugar do leitor e faça as perguntas certas. Para Inara Almeida, o questionário foi determinante para o enquadramento da reportagem e ajudou a definir os bairros em que a apuração iria se concentrar.
“Direito à cidade” é o tema que liga as 13 reportagens. Há investigações sobre direito à religião, cultura, saúde, mobilidade, meio ambiente, moradia e emprego, todas focadas na cidade de Salvador. Houve questionários respondidos por mais de 80 pessoas, cujos dados quantitativos foram utilizados na própria reportagem.
Sob o ponto de vista pedagógico, considero muito boa a experiência da investigação participativa, pois ela fornece diferentes visões de mundo e vai além do jornalismo declaratório, muito centrado nas fontes oficiais. Há histórias por trás de números e documentos e elas precisam ser contadas com técnica, ética e compromisso social.
Leia as reportagens:
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