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Quanto custa a hora do adeus?
Matheus Souza - 06/07/2022Como funciona o mercado funerário da capital e como lidar financeira e psicologicamente com o momento do adeus
Morrer custa caro no Brasil. Segundo dados de 2021 da Associação Brasileira de Empresas Funerárias e Administradoras de Planos Funerários (Abredif ), os brasileiros trabalham em média 39 dias para ter renda suficiente para arcar com o preço de um funeral privado, cujo preço, em média, é de R$2.500. Mesmo em cemitérios públicos, existem taxas a serem pagas e o serviço, muitas vezes, é de baixa qualidade e a infraestrutura do espaço precária.
Além do óbvio sofrimento causado pela perda de um ente querido, é preciso lidar com toda a parte financeira do luto, que pode pesar não só no bolso, mas também acentuar a tensão do indivíduo que já passa por uma dor profunda.
De acordo com a psicóloga Clara Assis, especialista em tratamento de pacientes enlutados, as despesas de um funeral são mais uma fonte de estresse. “Se juntarmos as despesas do enterro com os impactos psicológicos e emocionais que já estão ocorrendo e ter que pensar como será resolvido todo esse processo em pouco tempo, juntamente com toda a burocracia, temos um enlutado ainda mais machucado, portanto essas despesas acabam sendo um impacto adicional, uma intensificação, agravando a crise já instaurada”, explica.”. (Ver entrevista com a Dra. Clara Assis).
A capital baiana possui atualmente cerca de 16 cemitérios, sendo dez deles públicos. Oscemitérios municipais são locais administrados pela prefeitura que oferecem um espaço simples e serviços acessíveis a parte da população que não pode pagar caro ou não procura por requinte na hora de se despedir de algum falecido. Em sua maioria, estão localizados em bairros periféricos da cidade e da região metropolitana, como no bairro de Brotas e na Ilha de Bom Jesus dos Passos. O cemitério Quinta dos Lázaros, localizado na Baixa de Quintas, apesar de público não é administrado pelo município, e sim pelo Governo do Estado.
A manutenção desses cemitérios depende das famílias dos sepultados, que são responsáveis por cuidar do jazigo onde o indivíduo está enterrado, porém, como muitos acabam não retornando ao cemitério após a cerimônia de enterro e abandonando o local, a maioria se encontra em estado precário de conservação, com jazigos sujos e quebrados, gavetas funerárias depredadas, e mato alto por todo lugar. Confira no mapa interativo abaixo a localização dos cemitérios municipais de Salvador e região metropolitana:
Mapa de fundo e imagens dos cemitérios foram retiradas da @google. Todos os direitos reservados.
Para enterrar um ente querido em um dos cemitérios públicos de Salvador é preciso entrar em contato previamente com a Central de Sepultamentos da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop) para agendamento do serviço e verificar se há vagas disponíveis. Abaixo é possível conferir o passo-a-passo de como solicitar o sepultamento, ou cremação, e os valores cobrados:
PÓS-PANDEMIA
Em Salvador, a média de sepultamentos diários nos cemitérios municipais da capital saltou de 12 para 17 por dia durante a pandemia, segundo o último relatório da Semop, publicado em 2021. Também no ano passado, o Ministério Público Estadual, através da promotora pública Hortênsia Pinho, moveu uma ação contra o município de Salvador solicitando a elaboração de um diagnóstico dos cemitérios municipais de Paripe, Periperi, Plataforma, Brotas, Pirajá, e Itapuã.
A ação inclui ainda a realização de estudos para identificar áreas adequadas para a construção de três novos cemitérios na cidade devido ao problema de sepultamentos na capital. A promotora de Justiça solicitou ainda que seja elaborado um Plano de Encerramento de atividades dos seis cemitérios municipais, coincidindo com o funcionamento dos três novos cemitérios.
Esse diagnóstico deveria esclarecer a relação de cemitérios públicos e privados e a ocorrência de enterros nos anos de 2019 e 2020, além de especificar a área de sepultamento disponível nos seis cemitérios municipais citados, bem como o total de enterros por região administrativa de Salvador. O objetivo seria esclarecer a demanda de sepultamentos antes e depois da pandemia da Covid e a capacidade de sepultamentos de cada um dos cemitérios individualmente e no seu conjunto.
Além disso, o Estado da Bahia também foi acionado para o fechamento de um convênio com o município de Salvador para a cessão, durante dois anos, do Cemitério Quinta dos Lázaros, planejando o encerramento das atividades do mesmo após o período, sendo então devolvido pelo município e requalificado como um parque urbano.
Apesar de possuir nota oficial no site do Ministério Público do Estado da Bahia, não é possível localizar documentos oficiais ou registros referentes à ação movida contra o município de Salvador. Entramos em contato com o Ministério Público para saber a respeito dos possíveis desdobramentos e das medidas adotadas pela prefeitura, e fomos orientados a tentar contato com a Secretaria Processual e Administrativa das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente e Habitação e Urbanismo da Capital, um órgão auxiliar da atividade do Ministério Público que atua na defesa do meio ambiente, dos valores urbanísticos, históricos, culturais e humanos na cidade de Salvador, que encaminhou nossa solicitação à assessoria jurídica da Dra. Hortênsia Pinho, promotora responsável pela ação. Porém até o momento não obtivemos retorno.
LUXO PRIVADO
Já se a opção for um dos cemitérios privados, é preciso colocar a mão no bolso. O mercado de cemitérios privados de Salvador oferece opções diversas para os mais variados gostos. O cemitério Bosque da Paz por exemplo, localizado na Estrada Velha do Aeroporto, Nova Brasília, funciona como um cemitério-jardim ou cemitério-parque, termos utilizados para designar os cemitérios desenhados para simular a ideia de paraíso pós-morte que as pessoas geralmente possuem. Entre os serviços oferecidos estão o aluguel do jazigo pelo período de um ano por R$2.305 ou por três anos e seis meses no valor de R$3.775, sendo que após o prazo do aluguel chegar ao fim é preciso decidir o que fazer com o corpo, ou, se for o caso, os restos mortais do sepultado.
As últimas três edições do ‘Manual do Diretor Funerário’ com os valores-base para cobrança de serviços em cemitérios podem ser encontradas neste nos seguintes links: 2019,, 2020, e 2021.
As opções vão desde a mais barata, que é a cremação e descarte coletivo das cinzas no valor de R$1.130, onde os restos mortais de várias pessoas são incinerados e recebem o descarte pelo próprio cemitério; a renovação do aluguel, pagando novamente as quantias anteriores; a perpetuação do jazigo, que é a compra definitiva da sepultura onde o ente querido está enterrado, por R$9.100; e também a possibilidade de guardar as cinzas ou ossada do falecido no próprio cemitério com a compra de columbários ou ossuários, que vão de R$3.200 no caso de um columbário duplo (para armazenamento de cinzas de duas pessoas) até R$4.200 para um Ossuário Triplo, possibilitando o armazenamento de até três ossadas. Todos os serviços requerem taxas de manutenção anuais adicionais.
O preço dos serviços e planos funerários, que já não eram baratos, aumentou exponencialmente após a pandemia, tanto pelo acréscimo da demanda pelo advento dos óbitos causados pela doença, quanto pela crise financeira acentuada pelo surto mundial de covid-19. É possível conferir a curva acentuada nos preços de alguns serviços funerários no gráfico abaixo:
Os valores presentes no gráfico foram retirados do ‘Manual do Diretor Funerário’, da Abredif. As últimas três edições do ‘Manual do Diretor Funerário’ com os valores-base para cobrança de serviços em cemitérios podem ser encontradas nos seguintes links: 2019,, 2020, e 2021.
O preço dos serviços e planos funerários, que já não eram baratos, aumentou exponencialmente após a pandemia, tanto pelo acréscimo da demanda pelo advento dos óbitos causados pela doença, quanto pela crise financeira acentuada pelo surto mundial de covid-19. Há alguma possibilidade de que com o fim da pandemia os preços voltem a baixar? Como saber se o valor cobrado está sendo abusivo? O economista, consultor financeiro, e professor da Unifacs, Alex Gama, acredita que exista a possibilidade dos preços voltarem a cair, porém, é preciso ficar atento a possíveis cobranças indevidas:
“Acredito que na pandemia, como houve um aumento na demanda, elevou-se bastante o preço dos serviços. No pós-pandemia os preços tendem a reduzir. A grande preocupação é com o envelhecimento da população brasileira que tende a aumentar a contratação desses planos funerários. O valor cobrado deve ser comparado com a média do mercado, o valor somente é abusivo se ficar acima de 50% do valor da média. Lembrando que o valor cobrado depende do serviço oferecido pela funerária. Por isso é importante ter todas as informações antes de contratar.” – Alex Gama, economista e professor na Unifacs.
PLANEJAMENTO
Além do impacto emocional causado pela perda de um ente querido, a dor de cabeça que acompanha as despesas pós-falecimento podem piorar o período do luto. Se preparar para o pior momento não faz parte do planejamento financeiro da maioria das famílias, porém é preciso desmistificar o tema, especialmente se a preocupação for economizar. Por conta do assunto da perda de um familiar, ente querido ou do próprio falecimento ainda ser um tabu, muitas famílias acabam deixando os gastos funerários para quando o pior acontece, muitas vezes pagando mais caro pelos serviços funerários e tendo pouca flexibilidade financeira, o que pode resultar em dívidas.
O economista Alex Gama explica que a preparação para um momento como esse deve vir junto com a precaução com a saúde. “O planejamento financeiro é importante não somente para o gasto funerário, mas como precaução de tratamentos médicos, uma vez que o custo de pagamento com planos de saúde está cada vez mais caro”, esclarece. O economista recomenda poupar 20% da renda para o planejamento financeiro com a finalidade de estar preparado caso eventos como doença, falecimento e outras urgências surjam”, recomenda.
Segundo Gama, o importante é estar preparado. “Quando se perde um ente querido, na maioria das vezes, somos pegos de surpresa, e acabamos por desembolsar um valor elevado para nossos padrões de consumo”. O professor ainda salienta que não é possível prever quando o plano funerário se fará necessário, mas que é importante estar preparado. “Plano funerário é igual a seguro, pode ser que você viva bastante e pague além do que o necessário para fazer o funeral ou pague poucas parcelas e seja contemplado com algo desagradável que é a morte”, adverte.
Cemitérios e funerárias oferecem diversos serviços e planos com preços variados e uma vasta gama de especificidades, que vão desde serviços pontuais, como aluguel de um jazigo e pacotes de funeral com coroas de flores e cerimônia, até planos mensais robustos que variam entre a quantidade de pessoas cobertas, a idade delas, e o número de jazigos, gavetas ou ossuários disponíveis. Saber qual escolher e no que se deve prestar atenção pode facilmente se tornar um desafio, por isso é importante pesquisar quais opções disponíveis e escolher a que mais se encaixa no orçamento, e nas necessidades da família.
Ainda de acordo com o economista Alex Gama, para fazer um plano funerário, o consumidor deve conhecer o serviço prestado, idoneidade da empresa contratada com o objetivo de não ser surpreendido negativamente. “Deve-se fazer uma pesquisa da qualidade e o tipo de serviço que está sendo cobrado, comparando preço entre as empresas concorrentes”, orienta. Ele recomenda desconfiar de preços muito abaixo da média de mercado ou muito elevados, “Eu sempre digo que se deve verificar o tempo que a empresa atua no mercado e obter informações de outros consumidores que utilizaram do serviço da empresa”, finaliza.
“Não há como se preparar para o luto”
Entrevista Ping-Pong – Psicóloga Clara Assis
Quando o falecimento de alguém querido chega, toda a vida e rotina dos parentes e pessoas próximas é afetada e, além do sofrimento causado pela perda, é preciso lidar com o estresse que as despesas podem gerar e com o julgamento e incompreensão alheias. A psicóloga Clara Assis, especializada no atendimento a pacientes em luto, tenta esclarecer algumas das dúvidas a respeito do tema.
Matheus Souza – Bom, doutora, você poderia comentar um pouco sobre o processo de luto? No que ele consiste?
Clara Assis – É muito importante entender o que de fato é o processo de luto para, quem sabe, a partir disso termos um olhar com mais compaixão, mais empatia. O processo de luto é uma resposta natural e esperada a partir do rompimento de um vínculo afetivo significativo, e é um processo inteiramente individual. É dinâmico, tem movimento. Cada indivíduo vivencia o processo de luto de uma forma, com reações diversas frente a uma perda. O luto afeta cinco dimensões na vida de um indivíduo: a dimensão comportamental, a psicológica, a social, a cognitiva, e a espiritual. O impacto é integral na vida de um enlutado. Costumo colocar que a perda é um marco na vida de alguém. Essa vida era uma antes, e será outra depois. A vida anterior deixa de existir. O luto é sobre o enlutado, e não sobre quem está ao redor, ou quem está apoiando. É só sobre ele, os vínculos dele, e as necessidades dele.
M.S. – Como as preocupações e despesas causadas pelas despesas com o funeral podem impactar nesse momento?
C.A. – O Luto vai trazer uma crise na vida do enlutado. A crise é uma necessidade desse enlutado ter respostas imediatas frente a todas essas adaptações e mudanças, porém ele não tem recursos de forma imediata como a situação pede, e então essa crise se instaura.
M.S. – É possível se preparar para o luto?
C.A. – Não há como “se preparar” para o luto. A grande questão do luto é essa resposta ao
vínculo perdido, e muitas vezes nós não temos a noção real e concreta da importância desse vínculo dentro da nossa vida. Muitos enlutados chegam ao consultório sabendo o que perderam socialmente: um pai, uma mãe, um parceiro, um amigo, mas não sabem dizer realmente que lugar na vida delas essa pessoa tinha. Muitos eram portos-seguros, por exemplo, e então procuramos trabalhar no luto sobre esse lugar de significado que essas pessoas e esse vínculo ocupavam. É muito difícil se preparar para o luto sem saber que lugar é esse que ficará vazio.
M.S. – Falar sobre o assunto é uma maneira de se preparar para esse momento?
C.A. – Sim, um caminho intenso para podermos trabalhar, desmistificar e se aproximar é, de fato, podermos abordar esse tema, trazê-lo para perto. Não se resolve nada no silêncio, ele traz espaço para a imaginação, para as dúvidas, para a fantasia, e o luto é o contrário disso. O enlutado precisa do concreto, da informação, precisa ter espaço para viver o seu momento e suas necessidades diante do luto. Grande parte das pessoas que chegam em consultório buscando ajuda relata a ausência de um lugar, de um espaço de fala. O luto precisa de fala, de espaço, que esse enlutado viva o que ele precisa viver.
M.S. – Por que a sociedade ainda enxerga o luto como tabu?
C.A. – Por muito tempo o luto não era um tabu, principalmente quando a gente volta atrás, lá no passado. Infelizmente, hoje, o luto evoca no enlutado sentimentos e emoções que a nossa sociedade atual classifica como negativas, o que é um risco muito grande, pois se esse sentimento, essa emoção, está acontecendo naquele momento, é porque tem lugar de ser e precisa acontecer. O luto evoca justamente o contrário do que a sociedade preza, que é a felicidade, a alegria, a diversão, o prazer, enquanto o luto vai por um caminho bem oposto a isso, que é a falta de vontade, a tristeza, o desânimo, entrando nesse lugar de tabu por ser empurrado para um lugar de silêncio, pois o comum é que as pessoas reajam ao assunto com coisas do tipo “Não quero nem falar sobre isso, é muito mórbido!”. A vida não é retomada ao que era, ela será uma nova vida depois do luto, e a sociedade não consegue compreender ou acolher isso, pois não consegue entender esse novo contexto de uma vida reconstruída.