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Como vão saber tratar pessoas autistas se ainda mal sabem o que é o autismo?
Ana Carolina e Jamile - 13/12/2022Para aprofundar no tema e dar visibilidade aos baianos e baianas que se encontram no espectro, entrevistamos a designer Marcela Cristina Miranda de Almeida (29), via WhatsApp. Ela foi diagnosticada durante a pandemia, aos 28 anos de idade, com TEA grau 1 e superdotação em criação linguística e artística.

Impressão Digital 126: Qual o melhor termo para se referir a uma pessoa com TEA, pessoa com autismo ou pessoa autista ou nenhum dos dois?
Marcela Almeida: O melhor termo a ser dito é pessoa autista ou TEA. Quando se coloca o “com” é como se estivesse sinalizando um fator de doença, algo que o autismo não é.
ID 126: Quais atividades cotidianas você encontra maior dificuldade em executar? O que te ajuda a realizá-las?
MA: Socializar com várias pessoas ao mesmo tempo. Normalmente, a solução é dosar e tentar falar por ordem com cada pessoa. Tenho dificuldade, também, em organizar etapas para executar tarefas diárias, lidar com lugares em que pessoas conversam alto ou todas ao mesmo tempo, locais que estão passando por obras e locais com excesso de iluminação.
Escrever num bloco de notas o processo de como posso prosseguir ou organizar etapas mentalmente antes de executá-las me ajuda quando se trata de uma tarefa que precisa ser feita rapidamente. Quanto aos barulhos, eu uso protetor auditivo externo para evitar crises e quando ocorre iluminação extrema na sala eu peço ao meu chefe para diminuir a luminância. Mas sempre levo óculos de sol na minha bolsa.
“Então é uma questão muito mais profunda do que aparenta ser. Não é apenas a falta de conhecimento, mas a falta de investimento na saúde mental pública brasileira.”
Marcela Cristina Miranda de Almeida
ID 126: O que você acredita que as pessoas neurotípicas não entendem sobre ser neurodivergente na sociedade atual?
MA: Muitas vezes acreditam que só porque olhamos nos olhos, gostamos de abraços e podemos conversar, não podemos ser autistas. Chega a ser doloroso. Muitas pessoas vieram para mim e disseram que eu ‘nem pareço autista’. Obviamente, falta conhecimento na sociedade brasileira, até porque só agora é que as pessoas estão conseguindo receber mais diagnósticos. Até o acesso ao atendimento, à neuropsiquiatria, é caro. Então é uma questão muito mais profunda do que aparenta ser. Não é apenas a falta de conhecimento, mas a falta de investimento na saúde mental como pública brasileira.
ID 126: Você tem alguma experiência com camuflagem social ou masking?
MA: Quando eu era criança, eu sofria muito bullying porque sempre fui isolada e nerd. Eu tentava fingir ser alguém que não era, mas não conseguia. Eu sempre me rendia a ser eu mesma. Fui uma criança superdotada para algumas áreas. Em meu próprio silêncio, aos 10 anos de idade, lia romances, Dom Casmurro, Senhora, Freud… Não tinha amigos que pudessem me compreender. Eu usei mais o masking quando entrei na faculdade e tentei ser mais ‘despojada’. Mas ainda assim foi um fiasco. Era muito cansativo, então desisti e voltei a me isolar.
“Acreditam que só porque olhamos nos olhos, gostamos de abraços e podemos conversar, não podemos ser autistas. Chega a ser doloroso.”
Marcela Cristina Miranda de Almeida
ID 126: Você sentiu alguma dificuldade (pessoal ou estrutural) para se inserir nos ambientes profissionais e acadêmicos por conta do autismo?
MA: Bastante. Eu me sentia mentalmente avançada demais para estar conversando com meus colegas. Aos nove anos, comecei a ler os primeiros livros de Freud e queria compartilhar sobre os pensamentos e teorias dele, mas eu não tinha com quem conversar. Imagina eu falar para uma colega sobre Freud? Que ele medicava seus pacientes com cocaína? Ou eu iria ser expulsa do colégio ou teriam medo de mim. Eu sempre me senti uma pessoa muito estranha. Nunca fui muito de conversar. Conversava apenas com os professores.
ID 126: De que forma podemos contribuir para ambientes profissionais e acadêmicos mais acolhedores às pessoas com TEA?
MA: Estudar mais sobre o assunto. A base de tudo está no conhecimento e no respeito. Dizer que o grau 1 é um grau leve e que nem parece ser autista é uma grande mentira. O autismo está dentro de um espectro: ele oscila! Eu mesma já ouvi antes de um psiquiatra que, porque eu olhava nos olhos dele, eu não era autista. Então falta o conhecimento básico para que haja respeito e cuidado. Como as pessoas vão saber como tratar pessoas autistas se elas ainda mal sabem direito o que é o autismo?
