Ultraprocessados: Quem pode se alimentar bem em Salvador?
Elis Freire, Grazy Oliveira, Kaio Alves e Sofia O. - 06/12/2023Rotina corrida. Trabalho exaustivo. Preços mais acessíveis. Esses são alguns dos motivos que levam as pessoas a colocarem os alimentos ultraprocessados no seu dia a dia. Em Salvador, 241 mil pessoas de 18 anos ou mais têm um alto consumo de ultraprocessados, segundo Pesquisa Nacional de Saúde, divulgada em 2020.
Marilza dos Santos, de 50 anos, moradora do Nordeste de Amaralina, trabalha como diarista. Na correria entre uma casa e outra, o transporte se tornou um dos únicos momentos que a trabalhadora tem para se alimentar.
A situação tem sido parecida para Joanice dos Santos, também diarista de 50 anos. Apesar de ainda conseguir manter uma alimentação balanceada em casa e evitar refrigerante, quando está na rua ou no trabalho é bem diferente.
Se alimentar de acordo com o guia alimentar brasileiro – documento lançado em 2014 pelo Ministério da Saúde – tem sido cada vez mais difícil, com a desigualdade e inflação no Estado. A população pobre e negra são as que mais abusam de alimentos ultraprocessados que estão relacionados com doenças como pressão alta, diabetes, estresse e até câncer.
Você sabe o que são os alimentos ultraprocessados?
Sabe aquela coxinha que você consome como lanche da tarde, com aquela coca gelada? aquele salgadinho para passar o tempo? Esses e diversos outros alimentos passam por diversos processos industriais antes de chegar na mão do consumidor, por isso, são considerados ultraprocessados.
Segundo pesquisa da Nupens USP, os ultraprocessados mais comuns são refrigerantes, biscoito, macarrão instantâneo, chocolate e embutidos. Quatro dos seis entrevistados pela reportagem relataram ter pressão alta. Confira o gráfico abaixo das doenças relacionadas a esses alimentos:
Yuri Aguiar, de 24 anos, indígena do povo Pataxó, saiu da aldeia em Coroa Vermelha, município de Santa Cruz Cabrália, para cursar Direito na Universidade Federal da Bahia, em Salvador. A rotina agitada do estudante está ligada às atividades da faculdade e estágio. “Eu emendo com as minhas atividades convencionais de ensino e aprendizagem, as aulas vão até às 22 horas. Isso, querendo ou não, impacta de forma muito negativa na minha alimentação”, afirmou o estudante.
Em entrevista, o jovem relatou uma situação inusitada ao fazer compras no mercado.
As consequências do aumento do consumo desses alimentos já têm deixado rastros na saúde dos soteropolitanos. O avanço da industrialização no país é um dos fatores que contribuem para a difusão desses alimentos que passam por diversos processos até chegarem na mão dos brasileiros.
Jean Márcia Mascarenhas, professora da UNEB e doutora em Saúde Coletiva pela UFBA, relembra que o Brasil saiu de uma condição histórica em que a população era considerada desnutrida, mas fez uma transição pautada no consumo de alimentos industrializados. “Entramos numa outra realidade ruim, que é a do sobrepeso e da obesidade. Esses comprometimentos da saúde são a porta aberta para um conjunto de doenças, como diabetes e as doenças cardiovasculares, a que mais mata no mundo”, explica.
Corpo sã, mente sã
Já Jéssica Souza, lojista de 41 anos, está em processo de reeducação alimentar, evitando todo tipo de alimento ultraprocessado. O resultado tem sido leveza no corpo e na mente.
“Faz um ano que estou na reeducação alimentar, mudando os hábitos antigos para novos. Procurei reduzir por conta do aumento de peso e preferi optar por alimentação mais saudável. Me sinto mais saudável, com a mente mais leve”, afirmou Jéssica.
Essa tal leveza não é atoa. Na verdade, a explicação está em uma dieta mais balanceada. Jean Márcia ressaltou a transformação que uma alimentação saudável pode fazer no bem estar, já que a mente e o intestino estão intimamente relacionados.
A nutricionista Jean destaca que o consumo se dá em todas as classes e que muitas questões são relativas. Porém, explica a questão dos dados apontarem para a população mais pobre como a mais consumista desse tipo de alimento. “As pessoas vivem com menos dinheiro e sem condição de ter acesso a um conjunto de informações. Por isso, não podem ter o saudável na quantidade recomendada”.
Ela lembra o fato da maioria dos mercados pequenos que se localizam em bairros populares estarem com as prateleiras cheias de alimentos ultraprocessados. “A pessoa consome o que está mais barato e mais acessível”, afirma.
Existem muitas barreiras na busca por uma alimentação nutricionalmente saudável. O caminho defendido por especialistas tem sido buscar a conscientização sobre a importância de se alimentar bem, para então, criar estratégias de acordo com a sua realidade. Procurar frutas e legumes de cada estação pode ser uma alternativa para encontrar preços mais acessíveis.
No entanto, além da conscientização individual, para a pesquisadora, é necessária a implementação de políticas públicas na cidade, na busca por um acesso mais democrático aos alimentos, como propõe o objetivo 2 da ONU: Fome Zero e Agricultura Sustentável.
Sem o investimento em nutricionistas nos locais públicos, o consumo de ultraprocessados continua a aumentar. “Uma das formas da gente atuar é através das Unidades Básicas de Saúde. Mas, contratam uma nutricionista para atender cinco ou seis unidades. Ela não vai conseguir fazer esse trabalho”, afirma Jean Márcia.