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Oficinas e ateliês coletivos evidenciam um novo modelo de artista
- 14/05/2012Troca de informações, estilos e técnicas marcam a produção contemporânea
Eron Rezende
Em um pátio com entrada para o sol das duas da tarde, um artista e professor da Escola de Belas Artes da Ufba dispõe suas aquarelas em uma das cinco mesas de madeira do espaço – há grupos de sete a dez pessoas em volta de cada uma e música eletrônica ao fundo. “Opinem!”, convoca Luiz Ribeiro, entre goles de água, seguidos pela enxurrada de comentários e dissertações.
O processo, que acontece desde novembro de 2011, nas sessões mensais do projeto Visio, realizadas no Instituto Goethe, no Corredor da Vitória, demonstra a proposta: promover um ponto de encontro para troca de informações entre artistas, com exibição de técnicas, estilos e inspirações. “É aquela velha história da união faz a força”, diz Andrea May, idealizadora da iniciativa. “Cada um traz sua visão e compartilha”.
O projeto retoma um conceito exposto nas oficinas do renascimento, que há 500 anos inauguraram uma produção artística feita a muitas mãos, discutida e confeccionada em grandes espaços de convivência.
No mesmo modelo do Visio, o Networked Hack Lab, projeto que também acontece em Salvador, promove troca de experiências em oficinas e workshops para artistas e público, que quase sempre resultam na confecção conjunta de objetos artísticos.
Para o pesquisador em arte contemporânea e artista que se diz “nutrido pela troca” Luiz Ribeiro, o sucesso e o número crescente de iniciativas desse tipo indica uma mudança no modelo de artista, marcada pela “crise do romântico, solitário e isolado na montanha”.
“O artista contemporâneo solicita a presença do outro, embora termine por criar um trabalho que é absolutamente individual e autoral”, diz Ribeiro.
Autor – A questão da autoria é o tema eminente no caso de uma arte pensada e discutida coletivamente. Em fevereiro deste ano, o tema foi alvo de um debate que envolveu dois nomes grandes: David Hockney e Damien Hirst. Hockney mandou escrever no cartaz de sua mostra retrospectiva, em Londres: “Todas as obras aqui foram feitas pelo próprio artista”. E assumiu: estava alfinetando Hirst e sua produção feita em grandes espaços e dependente de colaboradores.
Embora tenha mencionado apenas Hirst, Hockney poderia referir-se também a Olafur Eliasson, outro importante nome da arte contemporânea. Eliasson mantém um imenso ateliê em Berlim, instalado em uma fábrica de cervejas desativada, onde realiza encontros interdisciplinares e jornadas de confraternização batizadas de “life is space” – tudo em um clima de feira de ciências no qual ele retira munição para suas obras.
“Hockney toca num ponto tolo (o da obra feita à mão). Depois de (Marcel) Duchamp, ficou claro que aquilo que faz uma obra é uma ideia”, diz a artista carioca radicada em Salvador Vânia Medeiros.
Vânia, que se dedica a ilustrações (“muitas delas surgidas no Visio”), aponta que a discussão sobre a autoria acontece devido ao “compartilhamento de ideias, característica central desses projetos de ateliês coletivos”. “Isso dá uma ideia falsa de que existe uma apropriação do que é do outro, quando o que há é contribuição e encontros que inspiram algo novo”.
Mercado – A feição gregária e sociável que nutre o artista de hoje, acredita Luiz Ribeiro, indica uma consciência do mercado que movimenta sua arte.
Ele cita como exemplo o California Institute of the Arts, em Valência, na Califórnia, em que os estudantes são preparados para discorrer sobre suas criações (e também sobre a dos colegas) diante de uma grande plateia.
“Os artistas são impelidos a saber se comunicar, seja para atingir outros artistas, curadores ou o próprio público”, diz Ribeiro. “O cara trancado em seu ateliê, esperando ser revelado ao mundo, definitivamente não existe mais”.
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