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A crítica por trás dos traços
- 06/04/2013Chargistas comentam sobre o processo criativo de uma charge e como eles lidam com as alfinetadas mais polêmicas
Maria Garcia
Quando um leitor abre o jornal ou acessa um site de notícias para se informar, difícil não se encantar pela sacada satírica que envolve o cotidiano. Assim como um texto jornalístico, charges revelam as incongruências e dissabores da política e da sociedade. Nada mais simples do que parodiar a frase atrelada às obras literárias de Machado de Assis, criada por José Lins do Rego: as charges usam luvas de pelica para esbofetear a sua humanidade. Também, nada melhor do que chargistas para comentarem sobre o seu trabalho.
O processo criativo para fazer uma charge não é outro a não ser pesquisar. Estar atualizado é essencial para a produção do produto. O chargista Sidney Falcão, que atualmente atua no grupo de comunicação Metrópole, conta que inicia o dia pesquisando. Falcão acessa os mais diversos sites noticiosos e, no final, desenha de 6 a 10 esboços por dia. Todas as ideias são mostradas à coordenadora de arte, na redação, que seleciona os melhores trabalhos.
“É um ritual comum para todos os chargistas. Tanto para a publicação do blog, que é diário, quanto para o Jornal da Metrópole, semanal”, comentou Sidney. Por dez anos, Sidney fez parte da equipe de ilustração da “Turma do Xaxado”, tirinhas desenvolvidas pelo artista Antônio Cedraz. Após o fechamento do estúdio, em 2009, o chargista começou a trabalhar para o Grupo Metrópole, onde exerce a profissão. “Um grupo de comunicação dá mais segurança, proteção e visibilidade. Trabalhar na Metrópole divulga mais o meu trabalho. Meu nome e meu traço ficaram mais conhecidos, então, tenho mais liberdade”, comenta Sidney. Em 2012, o cartunista foi laureado com Menção Honrosa no Concurso Internacional del Cartón de Sinaloa, no México, com a gravura Libertad para la diversidad, baseada na diversidade sexual.
Para Cau Gomez, chargista mineiro que trabalha no Grupo A Tarde, o processo criativo passa pela “experiência e disciplina gráfica, aliados ao domínio da conjuntura histórica e política do noticiário, com uma mistura de humor, sagacidade, nanquim e Photoshop”. Da técnica nanquim, de onde advém a delineação do esboço, o trabalho é finalizado no programa de edição. Prova de que não basta ter apenas um bom traço para a criação de uma charge. É preciso, também, conhecer as técnicas do programa de edição. Um ano depois de começar a morar no Brasil, em 1996, o artista cubano Osmani Simanca passou um ano no Canadá, a fim de aprender técnicas de tratamento digital e imagens. “Antes era apenas na caneta. Agora não tem como fazer o trabalho sem o Photoshop”, comenta o chargista, que alimenta o site O Ferrão do Humor.
Jornalismo e arte – Na tentativa de definir o que seria charge, os profissionais alegam que a proximidade do produto com o jornalismo é inegável. Chargistas defendem que o processo criativo da charge não deixa de ser a simbiose entre ambas as áreas. Para Simanca, graduado na Academia de Belas Artes San Alejandro e no Instituto Superior de Arte de Havana, o produto precisa de habilidades tanto artísticas quanto jornalísticas. “É um desenho que deve estar relacionado a um tema de atualidade política ou social”, comenta. Cau afirma que o habitat natural das charges são as redações dos veículos de comunicação. Porém, existem artistas que impressionam pela desenvoltura e técnica gráfica. “Alguns originais dos chargistas não devem em nada aos trabalhos expostos em uma galeria de arte”, comenta Cau.
Existe limite no tom satírico das charges? – Em janeiro deste ano, o trágico acidente da Boate Kiss em Santa Maria foi tema da charge de Marco Aurélio, no jornal Zero Hora. Um incêndio tomou conta da boate lotada durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, acarretando em 241 mortes, em sua maioria universitários. O caso comoveu o país. A charge de Marco Aurélio abordou o assunto mostrando uma fila de estudantes entrando no portão do céu, fazendo uma analogia ao primeiro dia no ensino superior.
A charge causou polêmica, forçando a saída do artista do veículo de comunicação. Este, no entanto, não foi o único caso polêmico relacionado às charges. Tal assunto foi o que mais rendeu comentários dos chargistas entrevistados. “A sátira provoca, às vezes, essas atitudes. O desenho para alguns escandaliza mais do que a realidade. É mais fácil atacar um desenhista ou um jornal que solucionar um problema”, afirma Simanca. De acordo com Gomez, as críticas fazem parte de todo trabalho que é submetido à exposição pública. “Eu admiro quem dá a cara à tapa. O universo criativo e produtivo das charges é livre”, diz.
Sidney conta que já foi alvo de críticas após a publicação de uma charge que retratava futebol. “Já xingaram minha mãe porque, um dia, peguei pesado com o (time) Bahia”, conta o chargista. “Na Bahia, as pessoas se sensibilizam mais com o tema esporte do que com outras questões, como política”, conclui.
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