A Economia Circular como ferramenta de combate ao Racismo Ambiental em Salvador

Anna Luiza S., Jackson S., Luiza G. e Pedro B. - 06/12/2023

Entenda como esse modelo de produção une sustentabilidade, cooperativas de reciclagem e a luta contra as desigualdades sociais

Em meio à crise das mudanças climáticas, a cidade de Salvador tem registrado temperaturas maiores do que a média histórica, chegando a sensações térmicas acima dos 34ºC. Para combater os efeitos do aquecimento global, organizações e iniciativas estatais vêm discutindo propostas de sustentabilidade, colocando no centro a economia circular.

Economia circular é um modelo de produção e de consumo que envolve a renovação, a reutilização e a reciclagem de materiais e produtos, implicando na redução do desperdício e dos resíduos ao mínimo. Oriundo do inglês, o conceito para economia circular é conhecido por Cradle to Cradle (em tradução livre como “do berço ao berço”), que significa ter insumos que constantemente fundam um novo ciclo. Assim, quando um produto chega ao fim do seu ciclo de vida, os seus materiais são mantidos dentro da economia, sendo reciclados voltando para o início do processo produtivo e evitando o descarte poluente no meio ambiente.

Ouça abaixo o nosso episódio de Podcast explicando mais sobre as origens da Economia Circular e do termo Cradle to Cradle:

Na abertura do 1º Fórum Nordeste de Economia Circular, evento realizado pelo Governo da Bahia e com apoio institucional da Unesco, a designer em sustentabilidade e inovação Carla Tennenbaum ressaltou as consequências da implementação desse modelo econômico. “A economia circular se mostra viável para a manutenção do meio ambiente e do equilíbrio entre produção e natureza, prezando sempre pela sustentabilidade, reduzindo a poluição e a alteração das paisagens naturais, por evitar a extração de recursos naturais e, inclusive, colaborando na conservação da biodiversidade”, afirma a especialista.

  • Carla Tennenbaum no 1º Fórum Nordeste de Economia Circular
  • 1º Fórum Nordeste de Economia Circular
  • 1º Fórum Nordeste de Economia Circular

Segundo pesquisa recente realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), 76% das empresas brasileiras já desenvolvem algumas iniciativas voltadas para a economia circular na indústria do país. Contudo, ainda é necessário a implementação de uma logística reversa, planejamento de reciclagem  e valorização de cooperativas locais mais frequente para combater os efeitos drásticos das mudanças climáticas.

Comunidades vulneráveis já sentem o impacto dessa crise na comida, água, terra e outros ecossistemas necessários para a subsistência e sobrevivência. De acordo com uma análise conduzida pelo jornal The New York Times e pelo Climate Impact Lab, os dias iguais ou superiores aos 34ºC de temperatura podem ser mais frequentes em Salvador até o final do século. As altas temperaturas aumentam o risco de doenças e morte, especialmente entre idosos, bebês e pessoas com condições médicas crônicas. As consequências aumentam ainda mais quando se trata da população que já se encontra em vulnerabilidade socioeconômica, o que significa majoritariamente pessoas negras, se tratando da capital baiana, ampliando ainda mais o racismo ambiental.

Racismo ambiental 

Diante da retórica global de sustentabilidade, surge uma questão muitas vezes negligenciada: o racismo ambiental. Termo cunhado nos anos 80, pelo Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr., liderança do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, é utilizado para descrever o processo de discriminação e injustiças que afeta comunidades racialmente marginalizadas com a degradação ambiental e em decorrencia das mudanças climaticas. O termo revela que os problemas socioambientais não afetam todas as populações de maneira igualitária, fazendo com que minorias como negros, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, bem como pessoas nas periferias, em situação de vulnerabilidade social e mulheres, enfrentam impactos mais severos.

Carolina Borges, bióloga, ativista social e co-fundadora do Fórum Clima Salvador, explica que essas comunidades são mais impactadas não só pelas consequências das mudanças climáticas, mas por questões de disputa territorial, como na exploração de terras de povos originários e tradicionais, poluição, descarte de resíduos, riscos à saúde, entre outras problemáticas. Cita o exemplo da Ilha de Maré: “A Ilha de Maré, vem sofrendo há muitos anos com um porto que é construído ali e que vários estudos que já mostram os impactos, como o desmatamento que é feito nos mangues, o processo de violência que agravado naquela comunidade nessa questão ambiental, mas também da opressão que sofrem as pessoas que estão a protegendo. Além disso, também existem questões de saúde pública a partir dos materiais que são usados no porto e que estão afetando a saúde das pessoas da ilha.”

A ativista indica que em Salvador o racismo ambiental se manifesta principalmente nas periferias e subúrbios, locais que já tem um contexto de desigualdade social, que são atenuados com as mudanças climáticas e sofrem com a falta de políticas públicas de mitigação e adaptação a elas.  Apesar da cidade possuir algumas iniciativas, como o Plano de Ação Climática 2020-2049, as ações que pensam mudanças climáticas e racismo ambiental ainda são poucas, “Salvador ainda está longe de ser uma cidade que colocar essa questão em pauta nas suas políticas públicas, orçamentárias, nos programas e projetos, é algo que ainda não está no centro do debate e deveria estar, dada a sua importância” declara Carolina. 

Um outro ponto necessário é na inclusão de lideranças das comunidades que vivenciam a realidade do racismo ambiental nos cargos de tomada de decisão, governança, coordenação de projetos e formação educacional. “Quando a gente fala de racismo ambiental a gente tá falando sobre como não se pode desvincular a questão social da questão ambiental e da questão econômica, essa tríade está muito interligada. Não dá para falar sobre meio ambiente sem falar sobre a questão social” arremata Carolina. 

Catadores

Em meio a discussão sobre economia circular e direitos das populações afetadas pelo racismo ambiental, no campo de trabalho, a figura do catador é muito invisibilizada. Tendo sua presença relacionada a falta de higiene e a pobreza, a profissão ainda se é marginalizada e o movimento para garantia dos direitos da profissão se mescla com o cenário urbano e social de Salvador.

A trajetória de Ana Carine Nascimento foi marcada pelo excesso de material despejado e sua ocupação no espaço. Nascida na península de Itapagipe, conheceu a profissão de catadora quando estes tentavam aliviar sua vizinhança do excesso de garrafas pet que eram deixados tanto pela população local quanto por turistas. “A necessidade de criar trabalho e renda para aquele território foi um alerta para formas de ampliar a participação e quantidade de catadores, isso culmina num projeto chamado coleta porta a porta”, relembra a bióloga.

De acordo com um estudo realizado pela Universidade católica para traçar um perfil dos catadores de Salvador , em 2021, 66,4% dos entrevistados se consideram negros. A pesquisa também conclui que apesar de semelhantes, os catadores são indivíduos que se originam de situações e de carências diversas.

Jeronimo Santos, presidente do Centro de Arte e Meio Ambiente – CAMA, trabalhou como catador e liderou o movimento de direitos dos catadores, influenciando a criação de cooperativas. Apesar das dificuldades e esperanças das profissões, ele reforça: “é necessário ter perfil… o catador precisa ter conhecimento que aquele pedaço de papel que está sendo jogado fora é antes de tudo, um empreendimento, é o sustento de várias famílias que caso não seja tratado, vai demorar no processo de decomposição.” 

Cooperativas 

Você sabe o que são cooperativas e qual o papel delas nisso tudo?

As cooperativas são empreendimentos responsáveis por receber, triar e dar o devido destino aos materiais recicláveis recebidos, como por exemplo, retornar materiais às indústrias, e para isso, essas empresas contam com o apoio de diversos colaboradores, muitas vezes moradores dos bairros em que se instalam, gerando renda e criando oportunidades para àqueles locais. Instalada atrás do Parque da Cidade, no bairro Itaigara, em Salvador, a Cooperativa Canore é um bom exemplo, onde os cooperados recebem oportunidades, muitas vezes negadas, e valorização do trabalho desempenhado.

Mas e aí, como o lixo chega até as cooperativas? Nesta etapa, essencialmente, para que os materiais cheguem até o local adequado, demanda investimento, principalmente do poder público, e boa vontade e respeito ao meio ambiente por cada cidadão. Por meio do Programa de Coleta Seletiva, lançado em 2015, a prefeitura de Salvador distribuiu, inicialmente, 50 contêineres, os chamados PEVs ( Pontos de Entrega Voluntária), por diversos bairros da capital baiana, para auxiliar no descarte consciente, que auxiliava as cooperativas. Em 2021 o número de PEVs pela cidade chegou a 150, porém hoje, não há mais nenhum, isso porque a prefeitura afirmou ao Jornal Correio no mesmo ano, que desativaria os 60 objetos restantes por conta da COVID-19 à época, afirmou também que  muitos contêineres já haviam sido vandalizados ou roubados.

  • catadores da cooperativa Canore reunidos
    catadores da cooperativa de reciclagem Canore

Uma das principais reclamações ouvidas na roda de conversa voltada para o assunto, durante o Fórum Nordeste de Economia Circular, que ocorreu entre os dias 23 e 25 de novembro, foi a falta de infraestrutura nas cooperativas e a dificuldade para adesão das pessoas, empresas e eventos, como afirmou Ana Carine Nascimento, que é Coordenadora Executiva do CAMA:

“Ao longo de 18, 19 anos, a gente tem feito uma ação, que é propor aos grandes eventos a gestão de resíduos […] Só que  pra gente, na Bahia, ainda é muito complicado essa questão da produtora reconhecer que há a necessidade de gestão de resíduos dentro dos eventos. Agora tá menos, né? Os eventos agora são sustentáveis, são eventos verdes, né? Lixo zero […] Esse diálogo começou há uns três anos pra cá a abrir mais para um diálogo com as cooperativas, mas ainda é [um diálogo] muito tímido ”, enfatizou.

Afroempreendedorismo 

Uma das formas de pensar a circularidade no combate ao Racismo Ambiental vem justamente no trabalho educacional que busca viabilização, formação, oportunidades de inserção no mercado de trabalho e distribuição de renda. Em Salvador, essa atuação se dá principalmente através de iniciativas que fomentam o afroempreendedorismo na profissionalização de pessoas pretas trazendo como princípios sustentabilidade e comunidade. 

Karine Oliveira, 31 anos, é a CEO da Wakanda Educação Empreendedora, uma startup de educação fundada em 2018 que tem como objetivo democratizar o acesso de a conteúdos sobre negócios e impulsionar o trabalho de empreendedores periféricos. Nascida no Engenho Velho de Brotas, Karine começou a trabalhar ajudando sua mãe com economia solidária de cooperativa, associações marisqueiras e pescadores a fazer geração de renda. 

Foi a partir de seus estudos sobre empreendedorismo em 2016, que percebeu que uma das maiores dificuldades que ela e outras pessoas tinham, era a compreensão de termos técnicos e termos em inglês. Com a ideia de traduzir os conteúdos e ensinar empreendedorismo de um jeito simples e compatível com diferentes realidades, surgiu a Wakanda  Educação Empreendedora em 2018.

Durante sua participação no Fórum Nordeste de Economia Circular, Karine explica que existe uma estrutura racial que dificulta o acesso de pessoas negras aos meios necessários para crescimento, como informações, contatos e capital para investimento. Além disso, defende uma mudança metodológica ao ensinar essas pessoas, para que ela seja mais acolhedora, representativa e que pense num modelo de negócios em que as etapas tenham seu aproveitamento máximo e retorno às comunidades. 

“As pessoas negras, por serem a maior parte quantitativa na população mas estarem na base da pirâmide são as primeiras a sentir as mudanças climáticas, são as primeiras a sentir desigualdade e são as últimas a ganhar oportunidade. Então a ideia de falar de economia circular é para que essas pessoas, que já fazem na prática, tenham consciência técnica do que é isso e a partir daí possam implementar melhores estratégias. Então quanto mais a gente conversa sobre Economia Circular, para população negra e periférica, faz com que essa grana circule em mais mãos e a partir daí gere mais redistribuição de renda, do que acúmulo de riqueza” afirma a CEO do “Sebrae da Quebrada”. 

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