Tags:, , , ,

A formação do cineasta baiano

Sérgio Loureiro - 23/12/2017

Novos cineastas contam com cursos que ajudam a qualificar a produção cinematográfica baiana

Chico Liberato, Tuna Espinheira, Luiz Paulino dos Santos, Olney São Paulo, Geraldo Sarno e, obviamente, Glauber Rocha. Você certamente conhece ou ao menos já ouviu falar desses nomes. Praticamente autodidatas na arte cinematográfica, estes cineastas baianos foram alguns dos responsáveis por levar a Bahia ao patamar de destaque no cinema nacional – entre as décadas de 50 e 70. Neste contexto se insere o Cinema Novo, um dos movimentos cinematográficos brasileiro de maior expressão,  que surgiu como oposição  ao cinema tradicional brasileiro da época, de estilo hollywoodiano, e que trouxe a temática brasileira (e principalmente nordestina) para as telas.

Resultado de imagem

“Deus e o Diabo na Terra do Sol” é o filme mais conhecido de Glauber Rocha

Assim, é inegável a influência na criação de um DNA do cinema baiano, “independente e ousado quanto à sua perspectiva de inserção social sempre comprometido com a tomada de consciência do homem brasileiro e revelador das facetas originais e inesperadas do Nordeste”, como diz o professor José Marinho em seu livro Um discreto olhar – Seis cineastas baianos (2014). Esta marca, formada em seu próprio nascimento, nunca fora perdida e até hoje, mesmo longe dos holofotes, resiste – juntamente com o próprio cinema baiano.

Os tempos passaram, o fazer cinematográfico se reinventou com as novas tecnologias e durante todo esse tempo, a Bahia não brilha mais como antes. Vimos Recife ocupar o posto de cinema alternativo e emergente, à margem do grande eixo Rio-São Paulo, com nomes como Hilton Lacerda (Baixio das Bestas, 2006), Cláudio Assis (Big Jato, 2015), Lírio Ferreira (Baile Perfumado, 1996) e, principalmente, Kleber Mendonça Filho (Aquarius, 2016).

Mas nem tudo é lástima. Se há algo a se comemorar é que, cada vez mais, o cinema é estudado em sala de aula. Além do conhecimento prático, a revisão ética da profissão, os elementos teóricos e o ensino histórico do cinema são aprendidos antes da mão na massa. E o que isso significa e quais suas implicações é o que vamos descobrir.

O cinema que se estuda

O cinema é uma arte originada de um artefato tecnológico. Seu nascimento e sua consolidação passam por profissionais que aprenderam na prática, no olho e no tato, a mexer com a câmera. Um século depois, nos deparamos novamente com esta realidade: assim como os irmãos Lumière tinham o cinematógrafo e, a partir dele, gravavam os registros de seu cotidiano, hoje, qualquer um dotado de um aparelho com câmera é capaz de gravar seu vídeo e postar na internet. Ainda é possível fazer cinema com “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, como dizia Glauber Rocha. A questão é que cinema é esse?

Os celulares e as plataformas digitais democratizaram, de certa forma, o fazer cinematográfico. Porém, não só o cinema, mas a sociedade também evoluiu e requer um pensamento crítico de toda e qualquer atividade. Logo, renovar o cinema é pensar, refletir, criticar, estudar o cinema. Algo que o próprio Glauber fez e que a nova geração de cineastas está fazendo.

Criado em 2001, o curso de cinema e vídeo da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), sediado em Salvador, surgiu como pioneiro no Norte-Nordeste. “É um curso bem generalista”, como explica Júlia Centurião, coordenadora do curso. “Foi algo muito comentado na época, porque as produtoras buscavam profissionais com qualificação, não só da experiência do dia-a-dia. No curso, nós também nos preocupamos em demonstrar a vivência da prática, do cotidiano”, completa. Segundo a professora, o diferencial da academia é aliar prática com a parte teórica.

A oferta de cursos de nível superior ainda é escassa em Salvador, e na Bahia, como um todo. Além da FTC, apenas três instituições oferecem a formação acadêmica: a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), sediada em Cachoeira, é vista como destaque pela forma como a região lida com a arte; a Universidade Federal da Bahia (UFBA), que possui uma área de concentração em cinema, dentro do seu Bacharelado Interdisciplinar de Artes; e a Unijorge, que, de acordo com a coordenadora do curso Patrícia Moraes, ainda não abriu a matéria pois não teve turmas fechadas.

O outro caminho

Para suprir essa carência, cursos particulares ou de extensão são promovidos, regularmente durante o ano. “Hoje, além das faculdades, tem uma diversidade de cursos. Pessoas que dão cursos específicos, como de roteiro, aulas de fotografia, aulas de câmera. Usam do artifício do audiovisual para a educação do cinema”, explica Júlia. Dentre estes, se destaca o CLIC (Curso Livre de Cinema). Criado em junho de 2016, o projeto já teve três edições, todas com recordes de inscrições – que contam sempre com 30 vagas, sendo dez destas ofertadas como bolsa integral para alunos e funcionário da UFBA.

“Transição”, “#SigaVioleta” e “Frutos da Lua” foram os filmes produzidos e exibidos na terceira edição do CLIC

Uri Menezes, professor e coordenador do CLIC, conta que “o curso surgiu de um encontro na Área de Concentração em Cinema e Audiovisual do BI de Artes da UFBA entre alunos do curso e alguns artistas de diversas áreas que se encontraram no espaço do cinema e do audiovisual”. Para Uri, foi o sentimento da necessidade de atividades práticas que possibilitem uma experiência maior, complementar à graduação ou preparatório para quem desejasse entrar nesse meio, que levou à criação do CLIC. Ele conta que o curso tanto serve como uma introdução, como uma conclusão destes profissionais. “Mas, de fato, é uma extensão”, diz.

Se de um lado há quem defenda esses cursos de extensão, por conta da curta duração e de ser mais acessível financeiramente, por outro lado, há quem tenha certa preocupação com a crescente aparição deles no mercado de educação. “Estes cursos são voltados apenas para a prática. E a parte acadêmica, a parte teórica, a história, a ética da profissão? São elementos importantes para você desenvolver as técnicas de forma diferenciada. A faculdade te dá essa base. Você passa por uma série de disciplinas que deixam conteúdos que serão aplicados na prática. Você adquire o conceito, aprende a diferenciar os estilos”, afirma Júlia Centurião.

Cinema para quem?

Seja acadêmico ou de extensão, longa ou curta duração, público ou particular, quem faz a aula continua sendo o aluno. E muitos reclamam, inclusive, disto. Alunos e ex-alunos, como Ícaro Ximenes, estudante da terceira turma do CLIC, chamam a atenção para os altos custos de quem almeja estudar cinema, tornando-o, assim, inacessível. “É meio complicado, a começar pelos os valores dos equipamentos. Ou seja, uma pessoa pobre não tem condições de viver apenas disso”, protesta.

Segundo Júlia Centurião, esta questão vem melhorando. “Até porque fazer cinema não é só fazer um filme. Hoje o audiovisual te permite um alcance maior. Antigamente quem fazia cinema eram operadores de câmera, profissionais do mercado de televisão que buscavam a qualificação. Hoje você já tem amantes do cinema, pessoas que querem seguir carreira no cinema”, conta. É o caso de Ícaro, que diz ter entrado no curso pelo seu interesse em fotografia. A propósito, ele diz querer seguir esse caminho “alternativo” do audiovisual. “Existem muitos editais, dá para abrir uma produtora, trabalhar com vídeo e ganhar um dinheiro bom”, revela”. Porém ele alerta, “é um mercado pouco aberto e requer um investimento alto que nem sempre traz retorno”.

Rafael Rauedys também partiu de um gosto particular: a música. Formado pela UFRB, ele diz que aprendeu mais nos círculos e nos meios alternativos à academia do que dentro dela. “A formação acadêmica me trouxe um diferencial, porque neste processo de estar inserido no curso, junto com a técnica e na perspectiva de abordagem, transformei minha percepção artística”, diz.

O discurso se repete com Márcio Liolly. “Foi em uma seleção de elenco para um curta que acabei conhecendo o curso de Cinema e Vídeo da FTC, onde me formei e hoje leciono algumas disciplinas”, conta. Ele acredita que a academia possibilita um conhecimento técnico e teórico sobre cinema. “No curso tive a oportunidade de conhecer áreas de atuação onde acabei me identificando Como a direção de arte e o terror”. Ele produz filmes do gênero (como o exibido acima) no canal Caixa do Medo, no Youtube. 

O que se verá

Pôster do filme Café com canela

O longa “Café com Canela”, produção baiana de alunos formados na UFRB, foi premiado nacionalmente

No final das contas, o retorno e o impacto dessa nova forma de fazer cinema (ou fazer pessoas que o fazem) é o ponto a ser analisado. O discurso uníssono entre todos os entrevistados foi o de que o cinema baiano é feito, hoje em dia, de forma independente, ousada, autoral – o dito “cinema de guerrilha” – e por uma safra de novos e jovens produtores, roteiristas e cineastas. Destes, quase sua totalidade é egressa de cursos ou faculdades de cinema.

E é nesse mercado tomado de novas figuras que reside a insegurança e as perspectivas de mudança. Por mais fechado que seja, quem escolhe fazer cinema – ou, em geral, viver de qualquer outra arte -, escolhe viver as incertezas e os desafios de deixar seu rastro na história. “O que há é uma tentativa de estar atuando, para marcar território, apresentar um conteúdo novo, uma nova história”, conta Rafael Rauedys.

É nesse contexto que, aos poucos, os frutos vão sendo colhidos e o mercado vai sendo agitado. Produções autorais e de baixo orçamento começam a ganhar visibilidade e passam a estar na vitrine, junto com grandes obras nacionais e internacionais. “O que vemos hoje é um grande crescimento de produtores independentes. Hoje a internet vem possibilitando uma plataforma de divulgação onde vem sendo destacadas algumas obras de produtores baianos”, relata Márcio. Nesta nova safra, alguns nomes já possuem destaque, como Ceci Alves (premiada com seu curta-metragem”Da Alegria, Do Mar e de Outras Coisas”), Igor Pena, Marília Hughes, Maria Carolina da Silva e Igor Souza (os dois últimos premiados com o longa “Diário de Classe”).

No Festival de Brasília, ocorrido em setembro deste ano, na capital federal, a Bahia voltou a se destacar. Os diretores Ary Rosa e Glenda Nicácio, formados no curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo (UFRB), na qual fundaram a produtora Rosza Filmes há seis anos, venceram três prêmios com o longa Café com Canela. O curta-metragem Mamata, de Marcus Curvelo, que conquistou os prêmios de Melhor Ator e Mehor Montagem no Troféu Candango – Curtas e também o Prêmio Abraccine de Melhor Filme de Curta-Metragem, também foi um representante do estado.

EDIÇÃO 2022.2

A invisibilidade que nos cerca

De que perspectiva você enxerga o que está ao seu redor? A segunda edição de 2022 do Impressão Digital 126, produto laboratorial da disciplina Oficina de Jornalismo Digital (COM 126) da FACOM | UFBA, traz diferentes ângulos jornalísticos sobre o que nos marca enquanto sociedade, especialmente àquilo que fazemos questão de fingir que não existe. […]

Turma 2022.2 - 07/12/2022

De R$ 4,90 para R$ 5,20

Aumento da tarifa de ônibus em Salvador afeta rotina de estudantes universitários

Estudantes relatam dificuldades criadas pelo aumento do valor da passagem de ônibus em Salvador O aumento de trinta centavos no valor da passagem de ônibus em Salvador (R$4,90 para R$5,20), anunciado de maneira repentina pela Prefeitura, entrou em vigor no dia 13 de novembro. Tal medida vem prejudicando o cotidiano dos estudantes, especialmente aqueles que […]

Jessica Santana, Laura Rosa, Lucas Dias, Lucas Mat - 07/12/2023

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Bahia é terceiro estado com maior número de partos em menores de idade

Estado registrou 6.625 partos em mulheres de até 17 anos; especialistas apontam falta de acesso à educação sexual como um dos principais motivadores Defendida por parte da sociedade e rechaçada por outra parcela, a educação sexual nas escolas é um tema que costuma causar polêmica quando debatido. Ainda assim, seu caráter contraditório não anula o […]

Larissa A, Lila S., Luísa X., Patrick S - 07/12/2023

catadores da cooperativa Canore reunidos

Desenvolvimento sustentável

Racismo Ambiental em Salvador e Economia Circular

Entenda como esse modelo de produção une sustentabilidade, cooperativas de reciclagem e a luta contra as desigualdades sociais Em meio à crise das mudanças climáticas, a cidade de Salvador tem registrado temperaturas maiores do que a média histórica, chegando a sensações térmicas acima dos 34ºC. Para combater os efeitos do aquecimento global, organizações e iniciativas […]

Anna Luiza S., Jackson S., Luiza G. e Pedro B. - 06/12/2023

Na imagem, uma mulher de blusa verde segura uma cesta com plantas medicinais em frente a uma barraca laranja que tem outras plantas e bananas

Desenvolvimento Sustentável

Feira une produção e consumo sustentáveis na UFBA

Realizada às sextas-feiras, Feira Agroecológica da UFBA se torna elo de ligação entre pequenos produtores e consumidores em busca de alimentação saudável A Feira Agroecológica da Universidade Federal da Bahia – apelidada carinhosamente de “Feirinha” – é um projeto de extensão do componente curricular “BIOD08 – Comercializando a Produção Agroecológica”, ministrado no Instituto de Biologia […]

Celso Lopez;Daniel Farias;Jade Araújo;Melanye Leal - 06/12/2023