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“A juventude é um gueto”
- 13/08/2013Saiba como funciona o trabalho de um pastor da juventude e o que pensa sobre aborto e relação homoafetiva
Adriele Sousa
Formado em Teologia e Filosofia, o pastor Marcelino, como é popularmente conhecido, recebeu a equipe do Impressão Digital 126 em seu escritório na sede da igreja, em Salvador. Trabalhando em tempo integral como pastor da juventude, ele se dedica a aconselhar e a desenvolver estratégias para alcançar os jovens.
Impressão Digital 126- Como é o trabalho de um Pastor da Juventude?
Nilton Marcelino-É muito diversificado: aconselhamento, convívio com os jovens em vários eixos, acompanhamento nas atividades de lazer, nas atividades de natureza religiosa, a gente sempre procura estar perto, porquevocê nunca sabe quando a pessoa vai pedir ajuda e não existe isso de pedir ajuda somente com hora marcada. Uma característica pastoral é estar ao lado das pessoas no momento de suas demandas. Nesta semana, por exemplo, uma mãe veio me procurar para eu conversar com o filho que está quase sendo expulso do Colégio da Polícia Militar- CPM.
ID 126- Para o senhor, que trabalha diariamente com jovens, o que há de interessante em ser um jovem cristão?
NM-O que atrai a juventude não é a forma, mas o conteúdo, o conteúdo que você dá para as coisas. É uma escolha. Por que eu tenho que ir com a maioria, por que eu tenho que fazer o que todo mundo faz? É uma relação educativa, eu não acho que seja uma relação pesada, não acho que tenha que ser obrigatória. Vou te dar um exemplo recente, quando houve as mobilizações do Movimento Passe Livre e um grupo de jovens da igreja queria participar da passeata, eu fui com eles. Foram quarenta jovens. Em grandes movimentos sociais, os jovens cristãos também estão envolvidos. Também é natural que a linguagem com a juventude seja diferente, é uma linguagem mais descontraída, mais próxima. A juventude é um gueto; é, de certa maneira, um cenário customizado,que tem suas nuances, que tem suas marcas.
ID 126-E qual o perfil dos jovens que mais buscam ajuda espiritual nesta igreja?
NM-Isso é relativo porque nossa igreja é muito heterogênea. Temos um segmento classe média alta e o segmento comunitário, como nós denominamos, que são os jovens que moram no entorno da igreja. As questões são as mais variadas: relacionamentos familiares, afetivos, experiências de sofrimento, de dor, de perda, dentre outras. É um desafio ter sensibilidade para identificar o cenário familiar que cada um dos jovens vive, porque você tem que ser eficaz e isso leva tempo. As pessoas não se abrem, se não têm confiança. Hoje as pessoas têm tudo, a tecnologia ao seu alcance, um sistema social trabalhando a seu favor, o que gera muitas possibilidades, por isso quanto mais cedo um jovem tiver habilidade para escolher, fica mais fácil entender seu caminho. Mas reconheço que, neste cenário de multiplicidade de oportunidades, isso se torna um grande desafio, que envolve competência dos pais, da escola e da Igreja, se for chamada.
ID 126-E quando a Igreja é chamada, que tipo de orientação é dada ao jovemsobreo uso do preservativo em relações sexuais praticadas antes ou fora do casamento?
NM-Eu estou na igreja há 33 anos e, na década de80, a igreja tinha um poder institucionalde vida e morte. Por exemplo, havia questões de moralismo para penalizar automaticamente uma mulher que engravidasse. Sempre o preconceito em relação à mulher. A mulher ficou grávida, ela era discriminada. O pecado pela vida sexual, isso não existe, eu acho extremamente equivocado. Eu gostaria que as pessoas entendessem que a experiência sexual mais rica acontece no ambiente da família, no ambiente do casamento, é como eu creio, mas há uma diferença entre o que você crê e o que as pessoas fazem, há uma diferença entre o que você tem como ideal e o que as pessoas fazem. Então, se eu estou dentro de um cenário real, eu tenho que sugerir procedimentos reais. Nós não somos contrários ao uso do preservativo, se há a escolha do envolvimento antes do casamento. Essa não é a escolha ideal, tudo tem que acontecer na hora certa. Quando acontece fora da hora certa, é transtorno, é revisão de caminhada, que pode gerar crescimento para outras pessoas, mas para outras não.
ID 126-Em relação ao aborto, qual a postura defendida pelo senhor?
NM-Em tese, eu sou contra, porque eu sou a favor da Vida, mas eu reconheço que o aborto pode acontecer em vários outros cenários. Por exemplo, quando uma jovem sofre violência sexual, eu acho que ela tem que ter o poder da escolha. A mulher sempre tem que ter o poder da escolha, a verdade é essa, mas a grande pergunta é em que cenários essas escolhas se dão. E a minha dúvida quanto à legalização não é de natureza teológica, mas de natureza institucional: será que nós temos um governo neste país que garantirá uma condição de saúde para a mulher para que ela possa praticar ou fazer o aborto em instituição de saúde pública? A minha dúvida hoje é se, por exemplo, legalizar o aborto em um país que não sabe cuidar da saúde, você vai expor a mulher a um cuidado ou a um risco? Acho que a institucionalização, no padrão do Estado, deve acontecer, porque a escolha precede o Estado. Ninguém vai ao serviço de saúde porque alguém mandou. Eu, como pastor, posso interferir até o momento da escolha. A Igreja trabalha não no plano da instituição do Estado, a igreja trabalha no plano da consciência.
ID 126- Como as relaçõeshomoafetivas são percebidas por esta igreja?
NM-Pessoalmente, eu acredito que família se estrutura como marido e mulher, são papéis complementares na Criação, é o que vejo na Bíblia. A escolha por um comportamento homossexual, seja ele qual for, é uma questão de foro íntimo. Na maior parte dos casos que eu acompanhei, foi uma escolha. Do que eu tenho visto, são opções, que podem ser feitas até precocemente, mas quando você conversa com uma pessoa que está vivendo isso, a conversa nunca é fácil. Sobre a união homoafetiva, eu vou até onde a legislação permite, que é a questão do Estado. Eu aplico o seguinte raciocínio: é justo que duas pessoas que moram juntas, que fizeram patrimônio juntas, na perda de um dos cônjuges, uma delas perca o direito de usufruir do patrimônio construído em parceria? Não. Claro que não! Eu acho que a garantia do Estado tem que chegar indistintamente a todas as pessoas. Isso é um contrato civil. Pessoalmente, não vejo problema nenhum quanto a isso, do ponto de vista do Estado. Agora se você me perguntar, se como ministro eu faria uma solenidade? Não faria, porque os meus valores não permitem, aí é uma questão de valor. A questão de valor é inegociável, o Estado não pode me obrigar a realizar um casamento nessas condições. Eu respeito a escolha homossexual, mas a nossa igreja não estimula.Na nossa igreja essas pessoas são muito bem recebidas, porque são seres humanos, são pessoas iguais a nós, que têm a marca da imperfeição, que têm a marca da ambiguidade.