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O pior ano da minha vida

Luana Minho Rabelo - 06/07/2022

Independente de você gostar ou não de séries ou de livros adolescentes, você já deve ter imaginado como seria o seu ensino médio. Mas, com certeza, você não imaginaria que, na sua vez, uma pandemia global faria com que a maior parte dos chamados “melhores anos das nossas vidas” fosse reduzida às telas. 

Foi o que aconteceu com Alice*, 17 anos, estudante da 3ª série do ensino médio do Colégio Oficina, em Salvador. Ela conta que, em 2020, pela primeira vez, trocou de colégio, o que por si só, já é um impacto na vida de um jovem. No entanto, não contava que uma pandemia atravessaria seus caminhos e experiências no ambiente escolar. “No início, a possibilidade de voltar às aulas presenciais me tranquilizou. Mas, com o passar dos meses, a ficha foi caindo”, lamentou. 

Luisa*, 17 anos, atualmente colega de sala de Alice*, mudou de escola durante a pandemia, da 1ª para a 2ª série do ensino médio. Ouça-a contando como foi.

Duas semanas de ensino à distância transfomaram-se em quase dois anos. Sabia que, de acordo com um monitoramento global realizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Brasil foi um dos países nos quais a suspensão das atividades presenciais por causa da pandemia durou mais tempo? Pouco mais de 1 ano e meio. 

A interrupção fez com que os estudantes tivessem de se adaptar rapidamente a uma modalidade que, para muitos, era inédita. Não é surpresa que vários sequer conseguiram montar uma rotina de estudo eficiente; como revela uma pesquisa feita pela Associação Brasileira do Ensino à Distância (ABED). 

“Com o passar dos meses, a produtividade em aula foi diminuindo,” disse Alice*. “Estava lá apenas para ‘marcar presença.’ A dispersão era grande. Tudo era mais interessante do que prestar atenção na aula”, relata.

“EAD: Estresse à Distância”

Mas, se estudantes de escolas particulares mal sobreviveram ao ensino à distância, imagine quem teve de conciliar a escola com o trabalho. Ou quem não tinha sequer acesso à internet. Ou até mesmo teve de pegar emprestado um computador ou um celular para poder continuar estudando. 

De acordo com Vanessa Lemos, coordenadora pedagógica do Colégio Estadual Professor Nelson Barros, em Salvador, a baixa adesão dos estudantes às aulas durante a pandemia está relacionada às dificuldades sócio-econômicas. “Apesar de a escola ter ofertado o ensino remoto a todo o seu público nas modalidades síncrona e assíncrona, só conseguimos atender 30% dos estudantes na modalidade síncrona,” conta.

Não apenas os estudantes, bem como os educadores, tiveram de se adaptar rapidamente à modalidade remota de ensino. Muitos, sem experiência prévia, em ministrar aulas à distância. Por isso, dificuldades técnicas ou no acesso à internet eram apenas parte do problema. De acordo com o ranking The Inclusive Internet 2021, publicado pela revista britânica The Economist, o Brasil está em 80° lugar, dentre 120 países no que se refere à alfabetização digital da população. 

A escola sem fim
Muita gente que ficou em home office se perguntou se estava trabalhando em casa ou morando no trabalho. Você já se fez uma pergunta semelhante sobre a escola?

Para David Lopes, mestre em Educação e professor de biologia formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), a ressignificação dos limites, dos direitos e dos deveres nos espaços formativos será desafiadora no pós-EAD. “Durante dois anos, os estudantes alternavam, no mesmo espaço, as demandas de ensino-aprendizagem juntamente com momentos de ludicidade e entretenimento,” explica. 

Josimar Rocha foi professora de crianças de 5 anos no Colégio Atlântico, em Salvador, e conta que o ensino remoto não deu conta de prepará-las para as próximas fases da vida escolar.

Por isso, ele considera que o cuidado com o desenvolvimento identitário desses jovens se tornou essencial para a readequação. “Não só em relação ao ensino presencial, mas a toda a conjuntura acerca de um espaço escolar”.  

Isso porque a modalidade remota permite aos seus alunos mais liberdade do que o ensino presencial. Nem todos os estudantes aproveitam-na da melhor maneira. O professor Jorge Lúcio, do Colégio Militar de Salvador, aponta a realização de avaliações presenciais como o principal desafio enfrentado pelos seus alunos na volta às aulas.

Jorge chama atenção para o fato de que, à distância, os professores não conseguem impedir, por exemplo, consultas não-autorizadas por parte dos estudantes durante as avaliações. “Infelizmente, muitos acostumaram-se a compensar seus problemas de aprendizagem dessa maneira”, disse. 

Porém, não é apenas por causa disso que a Unesco considera “desafios para mensurar e validar a aprendizagem” uma consequência negativa do fechamento das escolas. “Avaliações agendadas, principalmente os exames que determinam a admissão em instituições de ensino ou o avanço para novos níveis educacionais são comprometidos,” alerta a organização em artigo. “As interrupções das avaliações resultam em estresse para os estudantes e para suas famílias e, da mesma forma, podem desencadear o abandono dos estudos”.

A dificuldade para mensurar a aprendizagem dos estudantes no ensino à distância está diretamente relacionada ao fato de que muitas instituições mantiveram os mesmos métodos avaliativos do ensino presencial.

“Onde está meu sonho adolescente?”

Para além de todos os problemas causados pela má adaptação ao ensino à distância, os estudantes ainda foram privados de vivências que poderiam ter se tornado parte de quem eles são, especialmente para os mais novos. 

Para David Lopes, a redução das trocas simbólicas que normalmente acontecem em uma interação presencial impactou a construção das identidades dos estudantes; tanto positiva quanto negativamente. 

Mas também não foi fácil para os mais velhos. A pandemia não poupou nenhum sonho adolescente.

Dizer que Alice* se sentiu frustrada por não ter podido aproveitar ao máximo seu Ensino Médio é pouco. “Era difícil pensar que eu não poderia levar essas experiências guardadas comigo,” conta.

Esse não foi o único problema. A Unesco também alerta que “quando as escolas são fechadas, aumenta a exploração sexual de meninas e mulheres jovens, a gravidez na adolescência se torna mais comum e o trabalho infantil igualmente cresce”.

Isso porque vários alunos perderam seu único refúgio de situações domésticas tóxicas. “Os estudantes retornaram com problemas graves de convivência, de saúde mental e, por consequência, de saúde física,” relata a coordenadora pedagógica Vanessa Lemos. 

“Uma das nossas estudantes tem sintomas físicos de ansiedade. Acionamos o SAMU e a família dela três vezes apenas no primeiro semestre. Antigamente, havia cerca de 10 casos durante todo o ano letivo”. De acordo com a coordenadora, somente no primeiro semestre de 2022, a quantidade de casos ultrapassou esse número. “Faltam investimentos na dimensão sócio-emocional do estudante. Se tínhamos problemas antes mesmo da pandemia, imagine agora”, alerta.

“Um país sem educação é um país sem futuro” 

O que você faz se não tiver aprendido “nada” na modalidade remota mas a modalidade presencial tiver seguido em frente como se isso tivesse acontecido?

De sua experiência com os alunos do Colégio Estadual Professor Nelson Barros, Vanessa Lemos, chama a atenção para o fato de que ocorreram muitas brechas na aprendizagem e fixação dos conteúdos ministrados durante o ensino remoto. “O governo do estado aprovou todos os estudantes tanto em 2020 quanto em 2021 para que pudéssemos atuar na recuperação da aprendizagem por pelo menos 3 anos à frente”, explica. Recuperação essa que durará mais tempo do que a própria pandemia. 

Sabia que, de acordo com relatório The State of Global Education Crisis: A Path to Recovery, feito pelo Banco Mundial em parceria com a Unesco e Unicef, o estrago na aprendizagem dos estudantes pode empobrecer uma geração inteira? 

O estudo mostra que em países de rendas baixa e média, a proporção de crianças que vivem em Pobreza de Aprendizagem (learning poverty), que já era de 53% antes da pandemia, pode chegar a 70%, dado os longos períodos de fechamento de escolas e a ineficácia do ensino à distância para garantir a continuidade total da aprendizagem durante esse período de fechamento.

Fonte: https://www.worldbank.org/en/topic/education/brief/what-is-learning-poverty#:~:text=To%20spotlight%20this%20crisis%2C%20we,simple%20text%20by%20age%2010

Flexibilidade e acolhimento

O que você acha que pode ser feito para facilitar a readaptação dos estudantes ao ensino presencial? E o que você acha que poderia ter sido feito para facilitar a adaptação ao ensino remoto ou híbrido? Conte para a gente nos comentários 😉

Fonte:  https://pt.unesco.org/fieldoffice/brasilia/covid-19-education-Brasil

Durante a pandemia, as instituições e seus profissionais tiveram de se reinventar para que o máximo possível de estudantes conseguissem aproveitar o ensino à distância. A Prefeitura de Salvador, em parceria com a TV Aratu, até mesmo ofereceu aulas pela televisão

Agora, com a volta das aulas presenciais, os educadores tiveram de se reinventar novamente para facilitar a readaptação dos estudantes. “Há duas vertentes: flexibilidade e acolhimento,” comenta Vanessa Lemos.

A escola onde a coordenadora pedagógica trabalha flexibilizou o fardamento. “De acordo com o regulamento, os estudantes devem usar sapatos fechados. Mas, dada a situação econômica pós-pandemia, permitimos o acesso à escola de sandálias e, através de campanhas, buscamos sapatos para o estudante, mantendo em sigilo a situação econômica da família.”

O governo da Bahia também disponibilizou a chamada Bolsa Presença para assegurar que mais de 340 mil estudantes da rede estadual permaneçam na escola mesmo estando em vulnerabilidade socioeconômica. Além disso, a Lei Nº 14.396, sancionada em 16 de dezembro de 2021, tornou o Bolsa Presença uma política pública permanente.

Para além do auxílio financeiro, os educadores também têm tentado tornar as experiências dos estudantes as mais prazerosas possível. Vanessa conta que o colégio decidiu mudar o som do alarme — de sirene para música — e que os estudantes participam de momentos lúdicos com jogos de tabuleiro durante os intervalos. “Há docentes que aplicam metodologias ativas,” disse, “e ofertamos práticas educativas envolvendo atividades externas à escola.”

Mesmo diante de tantos obstáculos, o retorno ao presencial não deixa de ser um alívio para muitos estudantes. Eles, finalmente, podem reencontrar seus amigos e conhecer novas pessoas. Para estudantes como Alice*, que, em suas próprias palavras, “passou do 9º ano do ensino fundamental direto para a 3ª série do ensino médio”, agora é a hora de aproveitar o pouco tempo que lhe resta na escola.

“A sensação de que preciso viver tudo que não vivi nesse último ano é constante,” relata Alice*. “Mas, atualmente, apenas busco aproveitar tudo o que posso com as pessoas que amo. Espero que consiga fazê-lo sem todos os problemas que tive em 2020 e em 2021”. 

*Identidades das fontes foram preservada por se tratar de pessoas menores de idade

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