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Alto número de presos provisórios dificulta fiscalização e funcionamento do sistema penal baiano

Nalbert Antonino e Marcio Rocha - 14/12/2022

Presos provisórios representam 44,64% da população carcerária do estado

A atual situação do sistema prisional baiano pode ser apontada como um ator ativo e passivo da sensação de insegura no estado, que é, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgados neste ano, a segunda Unidade Federativa (UF) com o maior número de mortes violentas do país. Segundo o relatório de novembro da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (SEAP), a Bahia registra uma população carcerária excedente ao número de vagas ofertadas pelo sistema, superando em 998 pessoas a capacidade do sistema de correção penal baiano.

O relatório da SEAP, divulgado em 20 de novembro deste ano, revelou que a Bahia conta com uma população carcerária de 12.334 pessoas. Deste total, 5.507 presos (somando homens e mulheres) são presos provisórios, o que representa 44,64% da ocupação do sistema penitenciário estadual. Os dados da Central de Informação e Inteligência da secretaria  revelam ainda que: 50,49% da população carcerária feminina é composta por presas temporárias, ou seja, das 301 mulheres detidas no sistema prisional baiano, 152 ainda não foram julgadas pelo sistema judiciário; e dentre os homens, dos 11.857 detidos, 5.355 ainda aguardam julgamento, ou seja, este número representa 45,16% da população carcerária masculina.

A avaliação realizada por órgaõs de observação internacional, como a Organização Não Governamental (ONG) Humans Rights Watch ou pela Organização das Nações Unidas (ONU), é de que a atual situação do sistema carcerário brasileiro, com superlotação, condições precárias de higiene e casos de tortura, como um desrespeito a Constituição Federal brasileira e a preservação da dignidade da pessoa humana. A Lei Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984, conhecida como a Lei de Execução Penal, versa sobre as condições constituintes e necessárias para o sistema penitenciário. 

De acordo com a Lei de Execução Penal, o estado brasileiro deve ofertar e garantir que todos os detidos tenham acesso à assistência: material; à saúde; jurídica; educacional; social; e religiosa. Além disso, é determinado pelo dispositivo da lei que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”.

Foto: Divulgação

“Por estar privado de liberdade, o preso encontra-se em uma situação especial que condiciona uma limitação dos direitos previstos na Constituição Federal e nas leis, mas isso não quer dizer que perde, além da liberdade, sua condição de pessoa humana e a titularidade dos direitos não atingidos pelo ordenamento jurídico […] De tudo se conclui que a execução da pena deve estar em consonância com os fins a ela atribuídos pelo ordenamento jurídico. Como qualquer dos direitos humanos, os direitos dos presos são invioláveis, imprescritíveis e irrenunciáveis”, destaca a advogada Isabela Britto Feitosa.

O promotor Edmundo Reis, do Ministério Público da Bahia (MP-BA) e coordenador da Unidade de Monitoramento de Pena (Umep), revelou que os índices de presos temporários, apesar de ainda altos, em sua avaliação, eram maiores antes da implementação da prática de audiências de custódia. Reis avaliou ainda que outro problema existente no sistema prisional baiano que afeta toda a sociedade e não apenas os detidos é o não respeito ao sistema de progressão penal, dentre outros motivos, por falta de estrutura.

“Eu vejo como fator determinante para este número (de presos provisórios) a ausência de uma prestação jurisdicional rápida. Infelizmente, na Bahia, nós temos um estado com proporções continentais, povoação, e um estado pobre. Isso impacta negativamente na adequação do quadro de juízes,  promotores e defensores públicos em todo estado. Isso faz com que os processos se delonguem mais que o desejado e acarreta, também, a sobrecarga do sistema.  Este déficit impacta no desenvolvimento do processo”, afirmou Reis.

“Veja só, a lei 7.210/1984, que é a Lei de Execuções Penais. Ela foi inspirada na Inglaterra e prevê o retorno gradativo do preso ao meio de vida. Assim, existem três regimes estabelecidos nesta lei: o fechado, o semiaberto e o aberto. Isso não quer dizer que o preso tenha que iniciar no regime fechado, vai depender do código penal.  As eventuais progressões vão ser condicionadas a critérios objetivos e subjetivos, tempo de cumprimento de pena, tipo de crime, etc […] Eu diria assim, o que gera essa falta de vagas é a falta de estrutura, no sentido de falta de previsibilidade da governança do sistema prisional. A lei também fala que as unidades de regime semiaberto têm características diferentes do regime fechado. No regime semiaberto, você substituiria a cela por alojamentos, você teria diversos galpões ou a condição de uma colônia agrícola, para que o preso pudesse exercer uma atividade de trabalho. A gente não tem essa tipologia, não houve essa previsibilidade e essa preocupação”, avaliou o coordenador do Umep.

Edmundo Reis – Ministério Público da Bahia (MP-BA). Foto: Divulgação

O presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado da Bahia (SINSPPEB), Reivon Pimentel, avaliou que o trabalho com presos provisórios é marcado por uma tensão maior do que a com os já condenados. “Os presos provisórios são mais difíceis de trabalhar. Eles estão na incerteza sobre sua vida futura, não sabem se serão condenados, por quanto tempo, para onde irão. Então, fica aquela apreensão. As unidades de presos provisórios são mais tensas e demandam mais atenção. Uma população que geralmente é jovem, sem grande instrução e que podem ser facilmente cooptados pelas facções criminosas”, afirmou.

Pimental questionou ainda a distribuição de verbas realizada pela SEAP para as Unidades Prisionais baianas e afirmou que há um favorecimento na concentração de verbas para as nove unidades que são geridas pelo modelo de cogestão. A avaliação feita pelo presidente do SINSPPEB é que a gestão estadual atua ativamente pelo sucateamento do setor ao não realizar reformas, investimentos em tecnologia, equipamentos e ao não criar uma Polícia Penal.

“Não houve investimento em aparelhamento, tecnologia, segurança e manutenção nas unidades de gestão plena. Hoje nós temos as unidades que estão em cogestão como novas (Valença; Itabuna; Eunápolis; conjunto penal de Vitória da Conquista; Brumado; Juazeiro; Barreiras; Irecê; Conjunto Penal masculino de Salvador; e Serrinha). Aqui na Bahia não existe PPP para unidades prisionais. A cogestão ocorre com o estado construindo o equipamento com o que há de melhor, toda tecnologia de ponta e entrega o equipamento pronto ao terceiro, o particular, a empresa para administrar [..;]  O investimento, quando se fala em PPP, supõe que o privado faça o investimento e alugue para o Estado, aqui funciona ao contrário. Os PPP, preto, pobre e periférico, são colocados lá dentro e o privado entra lá só para lucrar. Isto é prejudicial para o preso, para o trabalhador, para a sociedade”, garantiu Pimentel. 

Procurado, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) não respondeu os questionamentos em tempo hábil para o fechamento desta matéria. A SEAP informou, por meio de nota, que os critérios de divisão orçamentária são tomados embasados em decisões técnicas e visando o melhor funcionamento do sistema prisional baiano e afirmou que não atua para promover um sucateamento da pasta.

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