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Anunciantes tentam silenciar questões ambientais em Salvador
- 08/06/2011Por Joseanne Guedes
Aprovado na seleção para o curso de treinamento da Folha de S. Paulo, o ex-aluno da Facom, Aguirre Peixoto, foi demitido do jornal A Tarde após uma série de matérias publicadas em agosto de 2010 sobre ilegalidades nas licenças ambientais em Salvador. No entanto, o jornalista afirma que o bom profissional deve se preocupar apenas com a apuração dos fatos. Aguirre revela que o jornal não admitiu que seu desligamento tivesse relação com as matérias, embora ele reconheça que a reação da sociedade levou a direção a readmiti-lo. Leia trechos a seguir.
Impressão Digital 126 – Como o jornalista pode dar vazão às questões polêmicas ou que contrariam interesses políticos e, em tempo, preservar seu emprego? Quais as implicações disso?
Aguirre Peixoto – Tudo que posso dizer é com base no único lugar onde de fato trabalhei, que é o jornal A Tarde. Embora eu esteja em outro jornal agora, ainda não tenho contato com o dia a dia daqui. O jornalista não tem que se preocupar (e de fato, lá no jornal, ninguém se preocupava) se uma matéria é polêmica ou mexe com determinado interesse. O papel dele é trazer pautas e fazer matérias, independente dos impactos que possam trazer. Claro que questões mais polêmicas exigem um cuidado maior. Mas, em sendo notícia, o papel dele é ir atrás. Se houver algum problema que vá de encontro aos interesses da empresa jornalística, ou se os editores acharem por bem segurar a matéria por fragilidades no material jornalístico, são coisas que fogem à alçada do repórter.
ID126 – Sua série sobre supostas irregularidades no uso da TRANSCON em Salvador, principalmente na orla marítima, foi responsável por seu desligamento do jornal A Tarde? Existiu restrição a temáticas que contrariassem o empresariado?
AP – Não tenho como dizer se foi, porque a direção nunca admitiu isso. O que eu sei é, basicamente, o que diz a carta. Mas não existiu restrição anterior porque senão as matérias não teriam sido publicadas. O que teve foi essa confusão toda depois… Essa restrição a determinados temas não ameaça o emprego do jornalista. Isso é muito raro. O máximo que acontece é engavetarem matérias.
ID126 – Mas, a pressão exercida pelos setores que criticaram a postura do jornal levou a sua recontratação…
AP – Claro, foi um desgaste muito grande para o jornal.
ID126 – Apesar de não ser da editoria de Meio Ambiente de jornal, algumas de suas matérias tocavam na questão ambiental, como a denúncia de ilegalidade na licença ambiental no Parque Tecnovia, situado numa considerável reserva de Mata Atlântica. Você tem ligação com o movimento ambientalista?
AP – Não, nenhuma.
ID126 – Observando a atuação dos empresários do ramo imobiliária na orla de Salvador, de que forma suas matérias sobre a TRANSCON se relaciona com episódio da derrubada das barracas de praia?
AP – Ah, tudo está ligado a uma ‘modernização’, como a prefeitura diz, da orla da cidade. Tudo bem que as barracas não podiam mesmo ficar, segundo os órgãos ambientais, mas o que me parece é que a prefeitura não fez muito para tentar atrasar a retirada das barracas. Enquanto a TRANSCON (Transferência do Direito de Construir) mostra que parece haver uma maior flexibilidade quando se trata do mercado imobiliário, já que o PDDU (Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano) diz que não pode ser usado para construções na orla. No entanto, uma interpretação da PGM (Procuradoria Geral do Município) permitiu essa utilização.
ID126 – Após sua readmissão, a decisão por sair do A Tarde e ir para a Folha foi sua?
AP – Sim, eu passei na seleção do treinamento e aí pedi demissão.
ID126 – Na Folha você escreve somente para a versão impressa ou também para o on-line?
AP – No treinamento, a gente publica poucas matérias. Às vezes no impresso e às vezes na Folha.com, mas bem pouco ainda.
ID126 – Você acha que a tendência para a polivalência midiática hoje traz prejuízo para a produção jornalística?
AP – Não acho que seja bem assim. Pelo menos as empresas grandes sabem que não podem concentrar todas as tarefas em um profissional só. Tanto o A Tarde quanto a Folha têm equipes só pra TV. O que acontece normalmente no dia-a-dia é um repórter de texto passar flashes de suas matérias para o online ou escrever versões para o online. Mas o profissional tem que estar preparado para, eventualmente, tirar uma foto ou fazer um vídeo. Se ele está em um evento e começa a acontecer uma briga, algo assim, ele vai lá, pega o celular e faz um vídeo, como aconteceu outro dia na Marcha da Maconha, um repórter da folha fez vídeo de um policial agredindo um fotógrafo.
ID126 – Como você lida com a multimidialidade, quando precisa adaptar para os diversos formatos? Você se incomoda em ser “multitarefa”?
AP – É normal. Aqui na Folha tem algumas diferenças de formatos para os textos: parágrafos de três a cinco linhas no on-line. Mas o principal é a apuração, o resto é consequência. Não me lembro de ter feito foto para compor matéria. Mas, no A Tarde já fiz vídeo junto à matéria de texto, porque foi algo que eu achei que valia um vídeo.
ID126 – Ter conhecimento, ainda que básico, de outras funções influencia sobre o produto final?
AP – Teoricamente sim, mas não dá pra acompanhar a finalização de tudo. Jornalismo é trabalho em equipe. Tem que ter confiança nas outras instâncias.
ID126 – Mesmo com essa mudança na produção, proporcionada pelos meios digitais, o que permanece na prática profissional?
AP – A apuração é a mesma. Jornalista tem que saber apurar. O resto ele aprende como puder.
ID126 – Qual é a sua avaliação do curso de Jornalismo da FACOM? Fornece conteúdo necessário para o exercício profissional?
AP – Ah, não sei se prepara bem. Poderia ser mais prático e fornecer coisas básicas de conhecimentos em outras áreas.
ID126 – Você começou a atuar antes de sair da academia. Encontrou dificuldade nos estágios em face de deficiências do curso?
AP – Não tive dificuldades. O jornal laboratório, na época sob responsabilidade do Professor Fernando Conceição, me deu uma boa base. Além disso, jornalismo se aprende na prática, no dia a dia.
*Aguirre Peixoto – Jornalista graduado pela Faculdade de Comunicação da UFBA. Trabalhou no jornal A Tarde. Atualmente, está no jornal Folha de S. Paulo.
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