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Anunciaram e garantiram que a feira ia se acabar

- 04/07/2012

Fragmentos de memória sobre o incêndio que destruiu a antiga feira de Água de Meninos.

 Caio Sá Telles

A Feira de Água de Meninos foi destruída por um incêndio em 1964 | Filme A Grande Feira

“Na minha terra, Bahia/ Entre o mar e a poesia / Tem um porto, Salvador / As ladeiras da cidade / Descem das nuvens pro mar / E num tempo que passou/ Toda a cidade descia/ Vinha pra feira comprar/ Água de Meninos/ Quero morar/ Quero rede e tangerina/ Quero peixe desse mar/ Quero vento dessa praia/ Quero azul, quero ficar/ Com a moça que chegou/ Vestida de rendas, ô/ Vinda de Taperoá/ Por cima da feira, as nuvens/ Atrás da feira, a cidade/ Na frente da feira, o mar/ Atrás do mar, a marinha/ Atrás da marinha, o moinho/ Atrás do moinho, o governo/ Que quis a feira acabar/ Dentro da feira, o povo/ Dentro do povo, a moça/ Dentro da moça, a noiva/ Vestida de rendas, ô/ Abre a roda pra sambar/ Moinho da Bahia queimou/ Queimou, deixa queimar/ Abre a roda pra sambar / A feira nem bem sabia/ Se ia pro mar ou sumia/ E nem o povo queria/ Escolher outro lugar/ Enquanto a feira não via/ A hora de se mudar/ Tocaram fogo na feira/ Ah, me diga, minha sinhá/ Pra onde correu o povo/ Pra onde correu a moça/ Vinda de Taperoá/ Água de Meninos chorou/ Caranguejo correu pra lama/ Saveiro ficou na costa/ A moringa rebentou/ Dos olhos do barraqueiro/ Muita água derramou/ Água de Meninos acabou/ Quem ficou foi a saudade/ Da noiva dentro da moça/ Vinda de Taperoá/ Vestida de rendas, ô/ Abre a roda pra sambar Moinho da Bahia queimou/ Queimou, deixa queimar/ Abre a roda pra sambar ”.

Água de Meninos, composição de Gilberto Gil e Capinam.

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“Eu venho de Água de Meninos velha. Na hora que queimou, eu vi tudo. Tenho pra mais de 40 anos nessa feira”.

– Gaguinho, 73 anos e oito operações, dono de barem São Joaquim.

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“Quando eu cheguei lá de cima, da ladeira que a gente chama de Água Brusca, vi Água de Meninos incendiando. Parecia Roma incendiando”.

Álvaro Queiroz, produtor de cinema e ex-feirante.

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“Quando os filmes de ficção – A Grande Feira de Roberto Pires e Sol sobre a Lama de Alex Vianny – foram realizados, havia uma conversa de que a feira ia se acabar. Que um incêndio ia acabar com a feira. Na verdade, eram duas coisas. As instalações eram precárias o suficiente para ocasionar alguns incêndios pontuais e, muito perto dali, estavam os tanques de gasolina da Esso. Estavam ali do lado da feira. Então havia um rumor na cidade de que esses pequenos incêndios, por acontecerem próximos a esses tanques, poderiam incendiar todo o resto da feira. O que as pessoas sabiam era que aquelas explosões, em bocas-de-lobo, só se justificariam se o combustível tivesse sido jogado nos canais subterrâneos da região. A ideia do governo era dispersar. Queimou Água de Meninos, que se dispersem esses feirantes e que se façam feiras pela cidade. Mas Oscar Pontes, engenheiro responsável pela construção do centro comercial de São Joaquim, disse ‘não, ocupem a área mesmo sem ela estar preparada para que vocês possam se manter como grupo’. Isso de fato aconteceu. Foi a manutenção desse coletivo que fez com que a feira permanecesse ali”.

– Fabíola Aquino, diretora do documentário Água de Meninos – A Feira do Cinema Novo.

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“A feira existe, por essas redondezas, desde a década de 30. Quando ela começou, ficava em frente ao ponto 7 próximo à atual Codeba. Por isso o nome antigo de feira do Sete. Os produtores do Recôncavo que plantavam hortaliças ou que faziam farinha vinham vender seu material aqui. Eles começaram a se agrupar na frente do galpão e acabaram construindo uma grande feira. Grande, enorme, ao ponto de prejudicar o vai-e-vem da cidade. Os feirantes permaneceram lá por um longo período até que se pensou em uma nova área para onde eles pudessem ser transferidos e, assim, não viessem mais a prejudicar o trânsito da cidade. Transferem a Feira do Sete para a região de Água de Meninos. Ela ganha outro nome. Feira do Sete, Água de Meninos na década de 60. E quando se sucedeu queimar a feira? Os mais velhos dizem que o incêndio foi criminoso. Prova disso foi que os tanques da Esso estavam todos vazios no dia seguinte. Um estratégia retada. Retira o combustível e queima a feira. Se eles não tirassem o combustível, boa parte da Cidade Baixa ia ser atingida. Foi coisa mandada. Queima a feira de Água de Meninos e vamos ser transferidos para enseada de São Joaquim”.

– Marcílio Souza, presidente do Sindicato dos Feirantes de São Joaquim.

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“A feira tem um histórico de tentativas de eliminação que se arrastam desde o início do século XX. A partir de seu começo no ponto 7, ela foi sendo cada vez mais empurrada até o local onde está hoje. Um de seus primeiros deslocamentos ocorreu por causa de uma reforma no porto de Salvador durante os anos 20. Mais tarde, já nos anos 60, houve mais um relocamento. Dessa vez, a cidade vivia um processo de revitalização do sistema viário que previa inclusive a construção do Túnel Américo Simas. Nesse histórico de perseguições, a feira também sofreu uma sucessão de incêndios. Porque, em Salvador, quando se quer fazer sumir alguma coisa é fácil. Bota fogo nela e pronto. Além de Água de Meninos, em 1964, prédios institucionais também foram vítimas de fogo criminoso. O Tribunal de Contas da União, a Biblioteca Pública, o Mercado Modelo. Claro que as causas divulgadas são sempre de pane ou acidente. Mas logo você descobre que isso não passa de uma justificativa absurdamente fajuta quando passa a investigar os interesses que estão por trás dessas operações. É fácil inferir isso”.

– Alejandra Muñoz, doutoranda em Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia e professora da Escola de Belas Artes na mesma instituição.

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