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As dificuldades de acesso de pessoas trans à serviços de saúde especializada em Salvador

Azure A., Lais R, Luis C. e Micaele S. - 06/12/2023

Bahia concentra três ambulatórios e faz parte de um dos 13 únicos estados do país com atendimento integral para transexuais, travestis e não-bináries.

Em busca de acolhimento e acesso ao Processo Transexualizador, pessoas trans procuram no Sistema Único de Saúde (SUS) atendimento especializado para acessar direitos garantidos. Instituídos a partir da Política Nacional de Saúde Integral  LGBTI do Ministério da Saúde, por meio da Portaria 2803/2013, que determina o acesso ao Processo Transexualizador. Estabelecido em 2008, e redefinido e ampliado em 2013, o Processo Transexualidor permite acesso aos procedimentos de hormonização, cirurgias de modificação corporal e genital, além do acompanhamento multiprofissional.

Entretanto, pessoas trans enfrentam obstáculos desestimulantes na procura por esses serviços. Em primeiro contato com unidades básicas de saúde para solicitar o encaminhamento para o acompanhamento especializado. Muitos profissionais sem preparo para acolher pessoas transexuais, travestis e não-binaries agem de forma discriminatória e desrespeitam o direito de pessoas trans solicitarem a atualização do cadastro do nome social no SUS. Direito garantido desde 2009 pela Portaria nº 1820, que introduz a Carta Direitos dos Usuários do SUS e assegura um campo para o uso do nome social em todos os documentos da pessoa, não podendo ser identificado com nenhum código de doença ou formas preconceituosas.

Esses mesmos profissionais muitas vezes, ainda veem a transexualidade como uma patologia, mesmo após a atualização do CID-11, o qual despatologiza as identidades trans. Dessa maneira, pessoas trans enfrentam constantemente a transfobia institucional.

Ademais, ao chegarem nos ambulatórios especializados em saúde de transexuais, travestis e não-bináries encontram apenas duas unidades em Salvador, e muitos usuários e usuárias. Sendo eles, o Ambulatório Trans CEDAP/SESAB, da Secretaria de Saúde do estado da Bahia, o Ambulatório da Universidade Federal da Bahia (Ufba), vinculado ao Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES) e anexado ao Ambulatório Francisco Magalhães Neto. E o Ambulatório Municipal Especializado em Saúde LGBTQIA+, no Multicentro Carlos Gomes. Os usuários e usuárias podem enfrentar longo tempo de espera até iniciarem o acompanhamento e posteriormente, a hormonização. 

Além disso, há necessidade de um protocolo de acompanhamento psicológico que após a avaliação do profissional durante as consultas pode elaborar um laudo exigido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Para assim, com laudo em mãos, a pessoa usuária ser encaminhada e atendida pela equipe endocrinológica que pode prescrever o uso de hormônios. Segundo Jader Farias, estudante e usuário do Ambulatório Trans CEDAP/SESAB, em Salvador, assistido desde 2019, ele iniciou a hormonização em 2021 e até hoje continua o acompanhamento psicológico. Para ele, foi e é essencial essa assistência, principalmente após as mudanças com a hormonização.

Alguns usuários e usuárias, devido ao longo tempo de espera, diante da vulnerabilidade social e a dificuldade de inserção no mercado de trabalho formal, acabam procurando se hormonizar por fora do SUS, algumas vezes clandestinamente, pois não conseguem arcar com serviços de saúde privada e com a alta dos hormônios nas farmácias do país

Outro entrave é para os usuários e usuárias de cidades do interior da Bahia, por exemplo, que precisam vir para a capital soteropolitana serem acompanhados, pois o Ambulatório Trans CEDAP/SESAB e o Ambulatório Trans da Ufba (HUPES) são os únicos espaços de atenção especializada ofertados para pessoas trans no Estado. E apenas no Ambulatório da Ufba é feita a dispensação gratuita de hormônios. Recentemente, foi inaugurado em setembro deste ano de 2023 o Ambulatório Municipal Especializado em Saúde LGBTQIA +, anexo ao Multicentro Carlos Gomes, onde também há dispensação gratuita e atendimento integral, mas apenas para residentes do município de Salvador. 

No Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde, divulgados pelo Instituto FioCruz em janeiro deste ano, há apenas 5 hospitais habilitados a realizarem cirurgias de modificação corporal e genital, cerca de 6 ambulatórios do SUS e 22 ambulatórios das redes de saúde estaduais. Esses locais estão concentrados em apenas 13 dos 26 Estados do país somados ao Distrito Federal. O que para o Instituto mostra um longo caminho para o acesso igualitário à saúde universal voltados à população trans. 

Devido a baixa verba após a implementação da Emenda Constitucional do Teto de Gastos Públicos, aprovada no governo do ex-presidente Michel Temer, o investimento na saúde foi congelado, o que dificulta a popularização e ampliação desses espaços, para maior conhecimento da comunidade trans, bem como na dispensação gratuita de hormônios para novos usuários e a contratação de novos profissionais.

Por falta de pesquisas demográficas sobre a população trans, tem-se apenas estimativas. Como a feita pela Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e publicada na Nature Scientific Reports, em 2021. A qual divulgou que cerca de 2%, aproximadamente 4 milhões de pessoas no país são transgêneres e não-binaries. O Instituto Brasileiro de Demografia e Estatística (IBGE), vai divulgar a primeira pesquisa de estimativa da população trans e travesti no Brasil no último semestre de 2024. 

Em contato com a SESAB, dados apurados até agosto de 2023, mostram que o Ambulatório Trans CEDAP acompanha 876 pessoas transexuais, travestis e não-bináries. O órgão do Estado reforçou que contam também com o atendimento no Ambulatório da Ufba (HUPES), mas que não possuem dados. Outro fator apontado pelo HUPES é que alguns usuários e usuárias são cadastrados e acompanhados tanto lá quanto no Ambulatório Trans CEDAP. Mas ambos espaços ressaltam a dificuldade de permanência e a constante evasão de usuários e usuárias. Já em contato com a Secretária Municipal da Saúde (SMS), atualmente, 110 pessoas trans são acompanhadas no Ambulatório LGBTQIA+ do município.

Ambulatório Trans CEDAP/SESAB

Anexado ao Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (CEDAP), o Ambulatório Multidisciplinar em Saúde de Travestis e Transsexuais existe desde 2016 como um órgão da SESAB, e conta com cerca de 13 especialidades à disponibilidade da população trans baiana. Algumas dessas especialidades são: psicologia, nutrição, endocrinologia, psiquiatria, ginecologista, odontologia, pediatria, entre outros. 

A equipe reforça a importância do acompanhamento integral oferecido para a comunidade como forma de assistência e promoção de saúde e qualidade de vida. Direitos conquistados que são historicamente e recorrentemente negados à população trans.

Ailton Santos é o assistente social e coordenador responsável pelo Ambulatório. É o coração do centro e que faz tudo funcionar. Na triagem, tem contato direto com todos os usuários, usuárias e usuáries do serviço. Em mais de 20 anos dedicados ao cuidado e zelo pela população LGB cisgênera, trans e não binária, Ailton vê a recompensa do seu trabalho e comenta também sobre a nova portaria de cuidados para pessoas transexuais separada da política LGB cis, para atender as especificidades das identidades trans que será lançada em 2024. Ele insiste na etimologia como ferramenta primária de combate ao preconceito, pois é a partir dela que passamos a reconhecer outras existências, como por exemplo, a diferenciação de um cis gay para um trans gay. São cuidados na nossa fala que geram mudanças extremamente importantes. “A gente tem que corrigir a boca. Se a gente corrige a boca, a gente precisa corrigir as palavras”, afirma. 

No vídeo, ele conta um pouco sobre detalhes técnicos do Ambulatório, sobre as dificuldades e o preconceito que a comunidade enfrenta, mas também sobre a luta e as conquistas. Uma dessas são os papais do Ambulatório, homens trans gestantes que enchem todo seu trabalho de orgulho. Confira:

A dificuldade de acesso de pessoas trans à serviços de saúde em Salvador

O ambulatório atende cerca de 12 crianças de até 10 anos, adolescentes, adultos e idosos, e funciona às terças, quartas e quintas, pela tarde. Os poucos dias de funcionamento e o horário limitado pela tarde impede muitas pessoas trans adultas permanecerem com frequência, devido a dificuldade de solicitar dispensa no trabalho, por exemplo. Por mais que os especialistas forneçam atestado de comparecimento. Além disso, por ser o ambulatório pioneiro da Bahia, cerca de 1300 pessoas possuem uma rotina com o local, segundo dados mais recentes fornecidos por Ailton. O centro de saúde ainda não é habilitado pela SESAB, portanto carece de muitos benefícios, como a recontratação de profissionais.

Ademais, por ser um espaço compartilhado com o CEDAP, onde também funciona como um centro de diagnósticos de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTS), ainda há a estigmatização no imaginário social e a associação com pessoas trans. Por medo desse estigma, muitas pessoas trans não procuram o espaço. Segundo Ailton, a equipe toda do anexo é treinada para o acolhimento de pessoas transexuais, travestis e não-bináries, mas os demais profissionais do espaço do CEDAP não passam pelo mesmo e em algumas vezes podem cometer atos transfóbicos. 

Além do direito de acesso ao Processo Transexualizador, algumas pessoas trans não buscam se hormonizar, mas procuram nos espaços de saúde especializada acompanhamento e acolhimento. Há também outros espaços de acolhimento como o Centro de Referência LGBT+ Vida Bruno no âmbito municipal, no Rio Vermelho e o Casarão da Diversidade no Pelourinho, equipamento do Governo Estadual, que oferece atendimento psicológico, serviço social, encaminhamento jurídico e para os ambulatórios de saúde especializados. Além de promoverem atividades, capacitação para o mercado de trabalho e diversas atividades.


Reunimos em um mapa interativo os principais locais de acolhimento à população LGBTrans em Salvador, com ênfase nos serviços ofertados voltados para população LGBTQIAP+ e nos serviços dos Ambulatórios com atendimento especializado para pessoas Transexuais, Travestis e Não-Bináries. A ferramenta de localização do Google está disponível para o público fazer contribuições, tais como novos centros e serviços que estão em constante processo de ampliação e reestruturação.

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