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B.A.V.I?Oxe! Que onda é essa?
Carolina Carvalho e Raysa Pires - 31/08/2017O casamento do Violão com o Berimbau e as novas possibilidades sonoras dos dois instrumentos, exploradas pelo Duo B.A.V.I
Carolina Carvalho e Raysa Pires
No coração do Centro Histórico de Salvador, bem em frente a Cruz do Pascoal, o Largo do Santo Antônio é morada da nova experimentação musical que tem agitado os becos e vielas do cenário alternativo da cidade. É no último andar de um casarão de estilo português, aos pés da Baía de Todos os Santos, que os músicos Anderson Petti e João Almy se reúnem, duas vezes por semana, para os ensaios do Duo B.A.V.I.
B.A.V.I é uma sigla que refere-se ao Berimbau Aparelhado Violão Inventável, que nasceu do encontro entre os músicos Anderson Petti e João Almy. Formados pela Universidade Federal da Bahia, os músicos se conheceram quando ainda eram estudantes da Escola de Música. Um estudava percussão sinfônica (Petti), o outro violão clássico (Almy). As turmas eram separadas, os cursos eram diferentes, mas o dois volta e meia se esbarravam entre os corredores da faculdade e o palcos dos espetáculos de música da cidade.
Petti cresceu ouvindo samba de roda, na companhia de uma família de músicos (não de profissão, mas de hobby), aos 12 anos já tirava um dinheiro da música, em bandas de baile e trios elétricos. João decidiu estudar música ainda pequeno, o sonho era tocar guitarra, mas a mãe preferiu matriculá-lo nas aulas de flauta, não quis ir pra aula de flauta, então começou a aprender violão. Já no final de seu ensino médio, se emaranhou dentro do universo da música erudita. Petti sempre quis aprender a tocar berimbau, mas não queria fazer capoeira. “Foi o primeiro instrumento musical que eu fiquei encantado e não tinha quem me ensinasse, então eu comprei um berimbau e fui aprendendo sozinho, de acordo com o que eu ouvia nas aulas”, conta. Já na faculdade, saiu da Bahia para estudar música na Alemanha, lá começou experienciar a simbiose entre instrumentos acústicos e a tecnologia. João estudava violão clássico e já tocava música popular em barzinhos, mas sempre teve vontade de explorar os instrumentos eletrônicos. O encontro estava marcado.
Berimbau Aparelhado Violão Inventável
Assim que Petti retornou da Alemanha, os dois se encontraram. Daí por diante o Duo B.A.V.I começou a tomar forma. O berimbau utilizado é um instrumento específico para músicos, não aqueles utilizados em rodas de capoeira. “A espécie da cabaça dele é diferente, tem uma tarracha de contrabaixo. É uma coisa bem específica, que ainda é alterada por causa da aparelhagem”, fala Petti. A questão das possibilidades sonoras do berimbau é de experimentação e descoberta. Tentativa e erro, teste prático mesmo. “Como é que eu posso mudar o som do berimbau? Ah, vou testar com alumínio, não dá certo. Com vidro, já deu certo. Vou pegar agora um arco de violoncelo, e assim vai”, indaga Petti. O violão inventável surgiu da necessidade de fazer coisas incomuns com o instrumento e sair do lugar comum. “Tocar um violão com pedais, por exemplo”, ressalta João.
Música urbana soteropolitana, seria isso?
A faixa “Na Cordadeira” ressalta bem o que seria o Duo B.A.V.I. Primeira composição do duo, “Na Cordadeira” tem um pouco de tudo. Diferentes texturas e ambiências, melodias, berimbau aparelhado, violão inventável. Não foi à toa que música concorreu ao Prêmio Caymmi de Música. Durante um tempo o duo se definia como “música semi instrumental”, mas, afirma João e Petti, que recentemente tem sido cada vez mais difícil se encaixar em um gênero. “As vezes é instrumental, às vezes tem voz, às vezes é pop. Agora a gente está utilizando o pagode, por exemplo. Acho que talvez “experimental” é o que mais se encaixa”, diz Petti.
A junção da cultura popular se mistura com os diversos mundos vivenciados pela dupla. Violão de 7 cordas, violão com pedais, berimbau que vira microfone, cello, baixo. Violão erudita que se transforma em guitarra baiana. Algumas batidas graves incrementadas a música, seguidas de um sotaque baiano encaixado em vinhetas que se lançam durante o show. “Bora Bavi!”, “Oxe, que onda é essa?”. O Duo B.A.V.I começa a formatar essas vivências e experimentações, como um grande laboratório de música. “O processo de sistematização só vem depois que a música tá pronta. Até lá é experimentar e ir montando as coisas aos poucos. Perceber pra que lado aquela música vai. Nada é premeditado”, diz João.
Nas apresentações comandadas por eles, misturam-se o arrocha, o samba de recôncavo, o graves da música jamaicana, o pagode, a música erudita, a música popular brasileira, nada é previsível. “Você olha pro berimbau antes de Petti tocar, já imaginando um som, com uma referência de um som, e quando você vê Petti tocando o berimbau sai um som totalmente inesperado”, Matheus Leite, fotógrafo e fã, em depoimento à material videográfico da banda.
O show varia em momentos de apreciação e clímax. Por ora, o público fica atento, em estado apreciativo, percebendo ali toda a expansão musical causada pela aparelhagem e pelos diversos artifícios usados para ampliar a experiência sonora do berimbau, e apreciando também a primazia em que Almy dedilha o seu violão inventável, ao mesmo tempo em que utiliza os pedais, tudo de forma bem sincronizada. Por outra, o corpo se entrega a um som mais pegado, mais arrochado. Quando o show vai se aproximando do final, acontece o frenesi que transforma tudo aquilo em uma grande roda de samba, aberta naturalmente pelos mais animados, lembrando as festas de largo que acontecem durante o verão na Bahia.
É impossível passar despercebido pelo som do B.A.V.I. Seja pela estranheza, seja pela novidade, seja pela curiosidade, seja pelos arranjos e melodias que vão tomando o corpo e a cabeça. Depois do susto, tudo vai se colocando em seu devido lugar. Aquela sensação de território desconhecido, os olhares estranhos, vai dando espaço ao som, ao movimento do corpo e, quando menos se espera, você está cantarolando o refrão de uma música que nunca tinha ouvido antes, mas que agora aparenta ser super familiar. Que onda é essa? Não sabemos. Só sabemos que é bom.