Bahia é terceiro estado com maior número de partos em menores de idade

Larissa A, Lila S., Luísa X., Patrick S - 07/12/2023

Estado registrou 6.625 partos em mulheres de até 17 anos; especialistas apontam falta de acesso à educação sexual como um dos principais motivadores

Defendida por parte da sociedade e rechaçada por outra parcela, a educação sexual nas escolas é um tema que costuma causar polêmica quando debatido. Ainda assim, seu caráter contraditório não anula o fato de que o assunto é essencial na formação de jovens, principalmente no que diz respeito ao autoconhecimento e à prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e gravidez na adolescência. Não à toa, a abordagem da temática se alinha ao artigo 3.7 do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), que até 2030 tem como meta assegurar o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva – o que inclui a informação e educação. 

A sete anos de distância do prazo final para o cumprimento do objetivo, a Bahia registrou 6.625 partos em mulheres de até 17 anos até o início de dezembro de 2023, segundo informações disponibilizadas pelo DATASUS, departamento de informática do Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil, e coletadas no dia 1° de dezembro pelo Ministério da Saúde. Com esse número, o estado é o terceiro do Brasil com maior quantidade de partos em mulheres menores de idade. 

Em primeiro lugar do ranking, aparece São Paulo com 11.316 partos registrados em jovens até 17 anos, seguido do Pará, com 7.478 partos do tipo. Os menores números foram registrados no Espírito Santo e em Roraima, com 672 e 842 nascimentos de bebês de mães adolescentes contabilizados, respectivamente, como mostra o gráfico a seguir:

Apesar da comparação com os outros estados colocar a Bahia em uma posição alarmante, a ginecologista e professora de Ginecologia e Reprodução Humana da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), Sofia Andrade, chama atenção para a tendência de queda no número de partos até os 17 anos no estado. Em dados anuais absolutos, o número de casos do tipo saiu de 17.987 em 2017 para 10.147 em 2022, representando queda de 43,6%.

Segundo a especialista, o que ainda mantém a Bahia na lista de estados com maiores números de partos na adolescência é um resíduo do atraso da oferta à saúde e à educação. “Falta orientação na área de saúde. Precisamos cada vez mais de políticas públicas que possam levar a conscientização do uso de métodos contraceptivos e, principalmente, métodos de barreira não só visando a não gestação, mas também como forma de evitar as ISTs. Nós ainda temos carência de orientação dentro das escolas com relação a isso e falta diálogo dentro de casa. Os pais às vezes não receberam essa orientação e não conseguem passar isso para as crianças e adolescentes”, aponta.

Jovens e mães

No caso da jovem Alessandra N., 17 anos, a educação sexual nunca foi tema aprofundado no colégio de ensino público municipal onde estuda, no bairro da Mata Escura, em Salvador, assim como nunca fez parte do diálogo com seus pais. De acordo com ela, o máximo abordado dentro da sala de aula foi o ensino do corpo humano e a explicação sobre o processo de gestação. Já em casa, o tratamento do assunto como tabu era a regra. 

Mãe da pequena Sophia, de oito meses, a jovem engravidou aos 16 anos e diz acreditar que o maior acesso às informações sobre métodos de prevenção de gravidez e doenças poderia ter mudado o curso do seu destino.

“Eu acredito que se eu tivesse mais conversas abertas, tanto em ambiente familiar quanto na escola, poderia quebrar o tabu quanto a um assunto tão comum e que não é nada demais, e poderia ter controlado o tempo de ser mãe”, destaca. 

Sofia Andrade ressalta os desafios que uma gestação na adolescência impõem. “Na adolescência, a menina está se preparando para ter uma vida adulta, ainda não finalizou o período de escola e está se preparando para seguir sua carreira. Nesse momento tão importante da vida dela, seguir com a gestação pode impactar muito o futuro dessa adolescente, assim como do seu parceiro e família, que vão ter que lançar mão de uma série de ferramentas para poder acolher ela e o bebê”, analisa.

Durante a gestação, Alessandra narra que sofreu ainda com constrangimentos sociais, apesar de ter tido o apoio da família e de amigos. “Às vezes, quando eu saía na rua, as pessoas viam que era uma pessoa mais nova ‘de barriga’ [grávida]. [Me incomodava] tanto que eu colocava roupas para esconder a barriga pela vergonha e pelo julgamento”, fala.

Por sua vez, a autônoma Maiane Rafaela, 36 anos, compartilha a sua história marcada pela descoberta da gravidez aos 13 anos. Mãe de três meninas e um menino, ela relembra a decisão de manter a gestação mesmo tendo sido vítima de um abuso. “Minha juventude ainda era de brincadeiras, mas, em consideração à minha família, optei por não abortar. Foi uma escolha difícil, mas preferi ter a criança”, diz.

Maiane Rafaela conta seu relato sobre a gravidez na adolescência (foto: arquivo pessoal)

Durante a gestação, Maiane enfrentou o desafio de conciliar a inexperiência da juventude com as responsabilidades da maternidade. “Foi um desafio muito ruim. Eu queria brincar, correr, mas a responsabilidade era grande”, conta. Mesmo assim, o apoio da família foi fundamental para superar os obstáculos.

Maiane destaca a falta de educação sexual na época e a importância de abordar o assunto dentro de casa.

“Na escola, não se falava muito sobre sexo, mas participei de palestras. Aprendi muito, mas minha gravidez não foi desejada, foi fruto de um abuso”, revela.

De acordo com a jovem, o suspeito responde ele liberdade. Ela ainda acredita que não foi totalmente um abuso, já que ‘foi porque quis’, ainda que o homem fosse bem mais velho.

A gravidez precoce gerou impacto nos estudos e Maiane precisou se dividir entre as responsabilidades de uma vida adulta. “Mesmo sendo jovem, comecei a trabalhar, fazia faxina, ajudava em casa. Meus estudos, no entanto, ficaram comprometidos”, afirma.

Atualmente, Maiane dedica-se a ensinar seus filhos sobre a importância de priorizar os estudos e a vida financeira antes de pensar em construir uma família. “Família é compromisso para a vida toda, uma responsabilidade sem fim”, destaca.

A experiência de Maiane a leva a acreditar na necessidade de uma educação sexual mais abrangente, iniciando dentro de casa. “A escola tem seu papel, mas o dever de ensinar certo ou errado é dos pais”, ressalta. Ela enfatiza que a prevenção não se limita apenas a evitar a gravidez, mas também a proteger contra doenças. 

Entraves na discussão

Embora o debate sobre educação sexual nas instituições de ensino para além de mera discussão focada apenas em questões biológicas seja de extrema importância, ainda hoje os professores encontram muita resistência para fazer uma abordagem mais profunda acerca do tema. Isso ocorre, sobretudo, por ser uma conversa que obrigatoriamente tenciona alguns tabus e entra em uma zona sensível, de considerável dificuldade para tratamento com os mais jovens. 

Professora de Ciências do Ensino Fundamental, Alvinea Fernandes, 42 anos, conta que costuma introduzir o tema de maneira gradativa para seus alunos a partir do 6° ano. “Começo falando sobre a higiene corporal e alertando sobre as partes do corpo que podem ser tocadas e as que não podem por conta da pedofilia. Uso um desenho de um corpo de menino e menina com as cores de alerta. Com os alunos do 7° ano, também faço a mesma coisa, porém falamos sobre o namoro na adolescência e seus percursos”, relata.

Segundo afirma, apenas a partir do 8° ano, quando os alunos estão na faixa etária de 13 a 14 anos, temas relativos à prevenção de infecções e gravidez começam a ser discutidos. “Aos alunos do 8° ano e 9° ano ensino sobre ISTs, prevenção da gravidez na adolescência, prevenção contra assédio sexual e pedofilia”, continua.

A abordagem desses temas só na adolescência ocorre em razão de uma visão conservadora por parte dos pais desses estudantes, que acreditam – de modo equivocado – que discutir sexualidade seria, necessariamente, abordar o ato e as posições sexuais. Segundo Alvinea, esse tipo de visão já provocou censura ao seu trabalho na sala de aula.

“Trabalho em duas escolas. Em uma delas, a diretora me chamou atenção e disse que eu não poderia mais abordar esses temas ‘polêmicos’ na sala de aula. Ela disse que eu não poderia falar sobre gravidez na adolescência e nem falar, de hipótese nenhuma, sobre pedofilia. Isso porque um pai foi na escola reclamar”, conta.

Mesmo diante dos entraves, a professora não abre mão de defender a educação sexual no ambiente escolar. Uma das motivações é a conscientização dos alunos. Muitos deles, conforme afirma, já descobriram durante as aulas que foram abusados sexualmente e tiveram através dela a orientação necessária para buscar ajuda familiar e fazer a denúncia do crime sofrido.

“Muitas crianças são abusadas sexualmente por serem vulneráveis e por falta de conhecimento. Por serem crianças, elas acham que aquilo é normal, até porque o abusador fala que não tem problema, que só não pode contar para ninguém. O conhecimento é libertador, pois através deles muitas crianças descobrem que é errado a pedofilia e que é crime. Eu ensino que, se eles forem tocados em suas partes íntimas ou forçados a fazer alguma coisa, devem falar com um adulto e denunciar”, reitera.

Lídice Paraguassu, professora de biologia do Instituto Federal da Bahia (IFBA), fala sobre os entraves da discussão sobre educação sexual nas salas de aula.

Professora de biologia do Instituto Federal da Bahia (IFBA), Lídice Paraguassu, listou outras questões que travam a discussão na sala de aula, inclusive por parte dos professores. Para a docente, o diálogo esclarecedor com os pais dos alunos sobre o que de fato é a educação sexual é fator determinante para o problema ser superado.


(Extra – Educação Sexual) ISTs: o que você precisa saber?

Ginecologista Bárbara Melo fala sobre os tipos mais comuns de ISTs e dá dicas sobre prevenção

Neste ano, a Bahia registrou 3.987 casos de Sífilis adquiridas por sexo. A doença, que é uma das mais comuns ISTs, acometeu sobretudo os homens, que tiveram 2.208 casos detectados (55,4%) frente a 1.779 diagnósticos em mulheres (44,6%). Os dados são do Departamento de HIV/AIDS, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DATHI) da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, vinculada ao Ministério da Saúde.

Em 2022, o artigo “Sífilis e HIV/Aids nas regiões de saúde da Bahia: uma abordagem ecológica”, publicado na Revista Baiana de Saúde Pública, revelou que 372 pessoas foram internadas por sífilis, e essa doença afetou principalmente jovens baianos, em sua maioria negros, entre 18 e 28 anos. As regiões de Itabuna, Ilhéus, Paulo Afonso e Salvador tiveram mais casos. Além disso, foi possível notar um aumento significativo ao longo dos anos para sífilis.

No caso do HIV/Aids, 10.281 pessoas foram hospitalizadas, sendo mais comum entre quem tem de 29 a 39 anos e entre pessoas negras. Salvador, Camaçari, Teixeira de Freitas e Seabra foram as áreas mais afetadas. Isso exemplifica a necessidade dos jovens baianos receberem mais informações sobre educação sexual, além da prevenção e cuidados de saúde básicos. 

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