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Curso de Jornalismo da Ufba tem Bibliografia básica 60% brasileira; homens são o dobro de mulheres

Gabriel, Ian, Lucas, Maycon - 29/05/2019

Perfil bibliográfico é debatido entre alunos e professores em meio ao contingenciamento executado pelo governo nas universidades federais. Material acadêmico pode mudar de cara nos próximos anos.

Um homem brasileiro na casa dos seus 50 anos. Esse é o perfil mais comum entre os autores indicados nas bibliografias básicas de disciplinas do curso de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

O ID 126 analisou 19 disciplinas da graduação do curso. O estudo levantou o perfil de 167 autores de 135 textos, capítulos ou livros indicados nas bibliografias básicas da Faculdade de Comunicação (Facom). Quatro textos são coletâneas com autores de diversos gêneros e não entraram no cálculo.

A análise revela que, de todos os autores e textos apontados, existem dois homens para cada mulher na bibliografia. São 109 pensadores homens (65%) contra 54 autoras (35%) que baseiam as aulas do curso. Apesar da disparidade, duas autoras estão entre os três mais lembrados no curso: Itânia Gomes e Lúcia Santaella.

 

Juliana Gutmann, professora de Assessoria de Comunicação, conta que um impedimento institucional  não permite paridade e diversidade maior no panorama bibliográfico do curso: a biblioteca não tem materiais atualizados. A pesquisadora explica que os textos indicados nas ementas das disciplinas precisam estar disponíveis, obrigatoriamente, no acervo da biblioteca da instituição. “Por determinação da Ufba, temos que colocar nas referências obrigatórias livros que estejam disponíveis. A obrigação ocorre em um cenário em que o acervo da biblioteca é limitado”, declarou.

Para compor a reunião de livros classificados da universidade, o material indicado precisa estar em português e disponível em versão impressa. A regra é citada por professores como elemento limitante da sugestão bibliográfica para os programas das disciplinas. A reportagem tentou entrar em contato com o Sistema Universitário de Bibliotecas para ouvir outra versão do que é dito por docentes, mas não obteve sucesso.

Quando o perfil bibliográfico do curso é analisado por nacionalidade, os números revelam ampla maioria para a existência de autores brasileiros. São 94 acadêmicos tupiniquins em um universo de 100 autores originários da América do Sul (60%). Europeus e norte-americanos somam outras 60 indicações (36%) nas bibliografias. 

Com menos representação, autores asiáticos, africanos e caribenhos são lembrados apenas quatro vezes na bibliografia

A maior parcela de produções científicas brasileiras na base científica do curso de jornalismo é revelada no mesmo período em que o Ministério da Educação (MEC) determinou o congelamento de 30% da verba do ensino superior no país. Especificamente na Ufba, o bloqueio total chega a R$ 55 milhões – O MEC admite pelo menos o congelamento de R$ 50 milhões.  Ao defender a revogação da medida pelo governo, o reitor da federal baiana, João Carlos Salles, ressaltou que se o bloqueio não for suspenso, haverá um impacto “significativo” no funcionamento da universidade até o final deste ano. A paralisação também é esperada em outras unidades do país. O mapa abaixo mostra o peso da produção acadêmica brasileira na bibliografia do curso de jornalismo da Facom.

 

Com menos representação, autores asiáticos, africanos e caribenhos são lembrados apenas quatro vezes na bibliografia: o egípcio Eric Hobsbawm, indicado com “A Era dos Extremos” na matéria Comunicação e Atualidade I; o jamaicano Stuart Hall, com dois textos na disciplina “Comunicação e Cultura Contemporânea”; e o palestino Edward Said, com “Cultura e Imperialismo”. Na breve passagem pela bibliografia, os quatro textos trazem a tona o cenário da cultura e da sociedade sobre a ótica de opressões e estruturas sociais.

 

O perfil bibliográfico do curso pode ganhar olhos mais puxados nos próximos anos. Professores da instituição como Wilson Gomes tem encontrado qualidade acadêmica em trabalhos elaborados por pesquisadores asiáticos. A presença destes estudiosos já é atual em alguns projetos do docente e ele explica o porquê.

“No meu ramo de atividade tem um conjunto de autores asiáticos que é enorme. Está crescendo por quê? Grande investimento de formação de professores. As universidades de lá são de alto nível, produzem muita pesquisa e publicam bastante. Por enquanto, a pesquisa na minha área é centrada nos Estados Unidos e nos países da língua inglesa, continuará sendo inglês, mas estão vindo os asiáticos fortemente.”

Para Gomes, os possíveis contingenciamentos de verbas nas Universidades Federais farão com o que o Brasil fique aquém deste novo grupo de expansão acadêmica: “O que eu ganharia citando asiáticos [hoje]? Mas daqui a pouco estou citando mais porque a Ásia mudou. O Brasil vai perder essa corrida porque o governo resolveu diminuir em 30% o investimento em pós-graduação”, pontua.

Racismo acadêmico

O aluno de jornalismo Kelven Igor, do 8° semestre, lembra que não bastam apenas a introdução de autores africanos ou asiáticos nas aulas, mas que os textos refletem a vivência dos estudantes. “A academia, principalmente aqui no Brasil, ainda é inacessível para boa parte da população negra. Acredito que isso também deve ser colocado na conta. É preciso rever a bibliografia e incorporar o pouco de produção de autores negros que temos para que as pessoas se sintam representadas e discutam problemas que vivem no campo da Comunicação”, frisou.

O coro de crítica pelo perfil padrão da bibliografia faconiana foi aumentado pela aluna Beatriz Rosentina, do 6° semestre de jornalismo. “Os textos que a gente lê são muito mais sobre a comunicação em si, e não focam no exercício da atividade jornalística”, ponderou. Para Beatriz, as indicações pouco diversas são reflexo dos professores da faculdade. “A maioria não trabalha com jornalismo”, argumentou. “A bibliografia faz a gente ficar sempre enxergando com a visão que já é a tradicional. A gente fica insistindo e voltando nossos conhecimentos para isso”, completou.

Um ranking do jornal Folha de S.Paulo mostrou que o curso de Jornalismo da Facom está entre os melhores do Brasil quando o assunto é teoria, mas amarga a 23° colocação quando a conversa é a avaliação do mercado sobre a preparação dos alunos egressos para o trabalho

A maior parte das críticas de alunos ao perfil bibliográfico pouco diverso é acompanhado do conceito de racismo acadêmico, que define como estrutura de exclusão a não inclusão de autores negros no ambiente acadêmico. Para o teórico da Universidade de São Paulo (USP) José Jorge de Carvalho, as cotas estrearam uma nova fase de políticas afirmativas no Brasil que ainda são limitadas pela pouca reflexão e confronto com autores negros que alunos cotistas têm durante a formação. “Afirmo que as teorias e as interpretações das relações raciais no Brasil sempre foram elas mesmas racializadas, como consequência da distância e do isolamento mútuo que tem caracterizado as relações entre os intelectuais e acadêmicos brancos e os intelectuais e acadêmicos negros”, escreveu Carvalho em artigo publicado na Revista USP do biênio 2005-2006. Faça o download gratuito e legal do artigo aqui.

Não é estatística

Ao considerar o questionamento dos alunos que reclamam da baixa representatividade de gênero e cor, a professora Itânia Gomes, de Comunicação e Cultura Contemporânea, ressaltou que a montagem da bibliografia da disciplina na qual leciona não é estatística: “Não é sobre ter tantos negros, tantas mulheres. Os autores são selecionados com base na minha escolha, baseado com o que acho importante para o campo que ensino”. Se a matéria fosse estudos feministas…”, dispersou.

Apesar da disparidade entre homens e mulheres na bibliografia, o levantamento revela que Itânia Gomes é a autora que mais aparece nas bibliografias básicas nas disciplinas obrigatórias da Facom. Com seis entradas, todos os textos de Itânia foram incluídos pela própria pesquisadora na sua ementa. “Minha disciplina é ampla, panorâmica”, finalizou a professora. Ela é seguida por Wilson Gomes e Lúcia Santaella com 5 entradas cada um.

A professora Maria Carmen, de Elaboração de Projeto, minimizou o peso que o perfil do autor terá na formação do estudante. Para a pesquisadora em Televisão, não é porque um pensador é homem ou mulher que ele produzirá necessariamente conhecimento de maior ou menor qualidade sobre determinado tema. “O que conta é o que está escrito ali. Eu vejo a qualidade. Não sou capaz de dizer para você, não tem estudo sobre isso, porque no campo científico tem mais homens que mulheres. Há estudos que têm mostrado que na tradição científica, por exemplo, é muito mais difícil para as mulheres fazerem carreira, por questões das mais diferentes”, argumentou. Escute a entrevista completa:

 

Na média, os textos usados para dar base às matérias da Faculdade de Comunicação foram escritos em 1999. O texto mais antigo aplicado nas disciplinas é o livro “Fundação da Metafísica dos Costumes”, do russo Immanuel Kant, passado aos alunos de Comunicação e Ética. O mais novo, escrito em 2018, é “A Democracia no Mundo Digital: História, Problemas e Temas” de Wilson Gomes, adotado na sua própria matéria na Facom (Comunicação e Política).

Com seis entradas, Itânia Gomes é a autora que mais aparece nas bibliografias básicas nas disciplinas obrigatórias da Facom. Todos os textos dela foram incluídos pela própria pesquisadora. Logo em seguida vem Wilson Gomes e Lúcia Santaella, com 5 entradas cada um.

Na questão da temporalidade, Gutmann faz uma ressalva ao dado de que pelo menos 40% dos textos usados nas disciplinas foram escritos no século passado. “Têm áreas que o campo da Comunicação correu mais, escreveu mais. Teorias da Comunicação, por exemplo, é uma área de referências bem clássica”, disse. A professora avaliou ainda que a aula é a melhor aliada para a formação atualizada do aluno e que ninguém fica preso apenas à bibliografia básica. “A parte prática vamos fazendo no dia a dia. Existem as referências basilares e, todo semestre, eu vou garimpando outras. Às vezes não posso colocar no plano de curso porque não tem na biblioteca. Então indico, nos textos sugeridos, e peço que leiam referências de revistas atualizadas da área”, completou a professora.

 

 

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