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Brincar é coisa séria

- 14/08/2013

A brincadeira,  fundamental para o desenvolvimento da criança, ocupa papel secundário na sociedade contemporânea

Lilian Galvão e Tácio Santos

Brincar é essencial ao desenvolvimento infantil. É o que diz a Convenção Sobre os Direitos da Criança, da Organização das Nações Unidas (ONU), ao determinar, no Artigo 31, que “toda criança tem o direito ao descanso e ao lazer, e a participar de atividades de jogo e recreação, apropriadas à sua idade”. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu Artigo 16, também assegura o direito de brincar, praticar esportes e divertir-se.

Se a diversão é tão importante e garantida juridicamente, porque não vemos os parques e praças públicas cheios de crianças todos os dias? Ao contrário do que seria desejável, a criança brasileira sai pouco de casa e a maior parte das brincadeiras ao ar livre foi substituída por videogames e pelo computador.

Para Maria Cecília de Paula, professora da Faculdade de Educação da UFBA, a sociedade moderna “encaixotou” a brincadeira. O computador é um divertimento passivo, porque o jogador fica preso, sentado, apertando botões. Por isso perde a oportunidade de dominar o espaço com movimentos corporais, atividade fundamental para o domínio do mundo de forma mais ampla.

Jogos eletrônicos não substituem brincadeiras em grupo, ao ar livre | Foto: Lilian Galvão

“Nos jogos com sensores, com personagens controladas pelos movimentos do jogador, você pula, dança, agacha, mas não elabora. Você vai seguir as regras do jogo, mas não dá as cartas, perde a oportunidade da criação”, afirma a professora, enfatizando que a criança deve ser livre para criar seus próprios jogos e regras.

Especialistas em psicologia infantil afirmam que a interação com outras crianças é fundamental para o desenvolvimento sadio do indivíduo, porque incentiva a imaginação e a criatividade. Brincadeiras em grupo estimulam a coordenação motora e a capacidade cognitiva através da exploração, convivência e expressão de seus medos, desejos e expectativas.

Para a psicóloga Fabiana de Souza Reis, é brincando que aprendemos a nos relacionar com os outros: “É o momento que desenvolvemos nosso senso de cooperação e o entendimento sobre respeito e limites. Ao dividir tarefas, a criança ganha autonomia e autocrítica”. Ela ainda afirma que o isolamento durante a infância pode tornar as pessoas mais egocêntricas, com dificuldade para lidar com sentimentos e trabalhar em grupo.

Brincar exercita o corpo, a mente e o convívio social Foto: Lilian Galvão

 Mesmo cientes disso, os pais estão cada vez mais receosos em deixar os filhos brincarem fora de casa. É o caso da dona de casa Janete Celestino, 52: “Sinto falta de ver meus filhos compartilhando um pouco da infância que eu tive, correndo solta na rua, brincando com outras crianças, mas a violência intimida. É impossível deixar seu filho solto e ficar despreocupada sabendo do perigo nas ruas. A violência aumentou de uma forma assustadora, os tempos mudaram”.

Rotina difícil – Além do problema da violência, outro fator que contribui para o isolamento das crianças é a falta de tempo dos pais para levar os filhos aos espaços públicos de lazer. Como boa parte dos pais trabalha fora, não há muito tempo nem disposição para sair e acompanhar os pequenos em seus momentos de diversão.

“Alguns pais tentam preencher o tempo dos filhos com atividades como dança, natação e judô, mas é necessário cuidado. O exagero pode impedir que a criança aprenda a brincar de fato. Porque aulas de esportes não são brincadeiras, mas aprendizados, com regras ditadas pelos adultos”, como explica a professora Maria Cecília de Paula.

Apesar de a importância da recreação infantil ser reconhecida e bastante divulgada pelo governo brasileiro, muitas áreas de lazer público em todo o país encontram-se sucateadas por falta de manutenção. Em Salvador existem poucos parques e praças e boa parte deles não está em condição adequada de uso.

Falta de manuntenção ajuda a afastar as crianças dos parques e praças públicas | Foto: Lilian Galvão

Segundo a assistente social Ivete Almeida, 45, há uma grande disparidade entre os bairros nobres e periféricos: “Aqui no Subúrbio Ferroviário não há muitos lugares para o lazer infantil, os poucos disponíveis estão, na maioria das vezes, abandonados, com brinquedos quebrados. O descaso é tão grande que algumas praças se tornaram verdadeiros pontos de tráfico”.

Com as crianças saindo cada vez menos de casa, a televisão ganhou um espaço importante em sua rotina. Pesquisa realizada pela Ipsos Public Affairs indica que a TV é o lazer preferido de 97% das crianças no Brasil, liderando uma lista de 35 opções mencionadas pelos pais entrevistados sobre os hábitos dos filhos, crianças de 6 a 12 anos. Diversão ao ar livre, como andar de bicicleta, patins ou skate, só aparece em quarto lugar.

São dados que apontam o que já é observado por pais e professores há muito tempo: as crianças brasileiras encaram o computador e a televisão como brinquedo. Se os considerarmos como tal, temos uma forma de brincar virtual e isolada como principal atividade de lazer. Se não, concluímos que as crianças estão brincando muito pouco, já que passam várias horas do dia diante de telas e afastadas de outras crianças.

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