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Chega de baixaria!
- 13/04/2016Implantada em 2012, lei que barra investimento a músicas que incentivam a violência e desvalorizam a mulher ainda gera polêmica e implicações
Mariana Sales e Vilma Martins | Foto destaque: Sara Moura
Salvador é conhecida por ser a cidade do carnaval, berço do samba, do pagode e mais recentemente recebeu o título de “Cidade da Música” pela Unesco. Toda essa diversidade musical, entretanto, trouxe à tona um debate que vem gerando polêmica: a sexualização, violência e exposição da imagem da mulher nas letras de música. A partir disso surgiu a Lei Antibaixaria (Lei 12.573/2012), que proíbe o investimento de recursos públicos em artistas e eventos que apresentem músicas que “incentivem a violência, desvalorizem ou exponham as mulheres a situações de constrangimento, manifestações de homofobia, discriminação racial e apologia a drogas ilícitas”.
Segundo a deputada Luiza Maia (PT), que criou o projeto em 2012, quando foi aprovado pelo então governador Jaques Wagner (PT), a Lei foi proposta para impor limites às músicas que rebaixam as mulheres. “A lei nasceu como uma tábua de salvação para barrar a baixaria que vinha crescendo de forma assombrosa na música baiana. São letras que rebaixam nós mulheres a objeto sexual descartável e músicas que depreciam nossa sexualidade. Essa tendência vinha crescendo, nivelando por baixo a qualidade das músicas, em vários ritmos”, defende.
No carnaval deste ano, a deputada desfilou com seu bloco, chamado “Antibaixaria”, na tradicional Mudança do Garcia. Além disso, em 2016 a lei foi aplicada no festejo do Momo. O Ministério Público da Bahia orientou os governos Estadual e Municipal a cumprirem a lei.
Debate
Professora e doutora em Comunicação, Graciela Natansohn argumenta que o problema da Lei Antibaixaria não está no fato de ela ser boa ou ruim, e sim na violência simbólica não ser caracterizada como crime. “A legislação é apenas estratégia, uma via defensiva. É preciso colocar em pauta a questão da violência simbólica e midiática, não só da música, mas também na publicidade e no jornalismo”, diz.
A professora, especialista em gênero e tecnologias digitais, apoia a lei, apesar de não gostar da denominação “baixaria” e o fato de ser uma ação “de cima para baixo”, vinda de uma deputada. “Eu acredito nessas discussões. A argumentação sobre a violência simbólica deveria primeiramente ser discutida na comunicação. O maior problema é que é difícil legislar sobre diretos humanos no Brasil”. Ela ainda chama a atenção para fato de a lei ser estadual, reafirmando que é preciso ampliar a discussão.
Assim como Graciela, a pedagoga Sandra Muñoz também acredita que o debate deve ser ampliado. “Eu fui nos debates quando a lei estava para ser aprovada. Acho que tinham que ser feitos seminários e rodas de conversas para que as mulheres ficassem antenadas e discutissem a questão”. Ela coordena a Marcha das Vadias Salvador, Brasil e América Latina, e está à frente da Rede de Atenção à Violência Contra as Mulheres de Salvador.
Controversas
A produtora e DJ Thalita Martins acredita que definir a importância da lei é complicado, por ser algo que vai além da discussão de gênero. “Por um lado, eu acho um passo importante [a criação da lei] para a questão das letras machistas/depreciativas que objetificam a mulher. Mas por outro lado, é complicado porque quando pensamos em ‘baixaria’ é sempre vinda da periferia, tipo dos pagodes, funk etc”, pondera.
Thalita faz parte das “Ovelhas Negras”, grupo de três mulheres que toca na Batekoo. Criada em 2014 em Salvador, a festa é conhecida por tocar ritmos negros como hip-hop, rap, funk carioca, R&B, trap, twerk, kuduro, e suas vertentes, de forma inovadora. Como mulher e produtora, ela pensa ser importante que as mulheres sejam reconhecidas em qualquer espaço, inclusive na cena noturna e de festas de Salvador.
O vereador Henrique Carballal (PV), principal opositor a lei, deu depoimento sobre a lei ao Jornal A Tarde neste ano, após polêmica com a música “Paredão Metralhadora” no Carnaval. Para ele, o projeto atinge, majoritariamente, artistas de origem pobre e da periferia. O vereador destaca ainda que emissoras de rádio de Salvador destinadas às classes A e B da capital tocam músicas como “Geni e o Zepelim”, de Chico Buarque, que tem versos que ferem a imagem da mulher, como: “Joga pedra na Geni, ela gosta de apanhar, ela é boa de cuspir, maldita Geni”, e nem por isso são condenadas. Neste ano, Carballlal enviou um ofício ao Ministério Público perguntando quais são exatamente as palavras proibidas pela lei.
Expansão
Sobre a ampliação do alcance da Lei Antibaixaria, Luiza Maia diz que hoje em dia o projeto tem presença considerável no interior do estado, e cerca de 50 cidades já a aprovaram, dentre elas Camaçari, Lauro de Freitas, Feira de Santana, Conceição do Coité, Dias D’Ávila e Mata de São João. Em outros municípios, o projeto se encontra em fase de tramitação. A lei também foi apresentada no Ceará, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco. No cenário nacional, a deputada federal Moema Gramacho apresentou o projeto na Câmara Federal, que também está em tramitação.
Uma enquete realizada com 70 pessoas na internet mostra que na esfera pública, a discussão sobre a lei também segue dividindo opiniões. Ao mesmo tempo em que 92,9% dos entrevistados dizem ser a favor do projeto, quando a pergunta é “Você acredita que a criação de uma lei antibaixaria seja uma forma de censurar a música e a expressão artística?”, esse número cai para 76,4%.
“Sinto-me violentada e ofendida com todas as músicas. Censura e respeito são coisas diferentes. Assim como o movimento negro conseguiu conquistas relevantes de modo que não vamos ter músicas que ofendem os negros tocando nas rádios, existe uma militância forte sobre isso, o movimento feminista tem que lutar pelas mesmas coisas. Por que naturalizam ainda as músicas que ofendem as mulheres? Por que proibir isso é censura? Censura do machismo, patriarcado, da misoginia? Sou a favor”, respondeu uma das pessoas entrevistadas, que não se identificou.

Sobre a lei ser uma censura a musica e a expressão artística, 76,4% disseram não consideram, e 19,4% disseram que sim

Quando questionados sobre o costume de ouvir musicas consideradas de cunho sexual e/ou que objetificam a mulher, as reposta continuam apontando que 73% não ouvem, e 24% sim. Porém, logo na questão a abaixo, sobre quais musicas se costuma ouvir, "Paredão Metralhadora" ficou com 42%, seguida por "Baile de Favela"com 25%
Apesar disso, alguns defendem que é importante também olhar o lado social da lei e perceber a crescente apropriação pela classe média desses produtos, “Pra mim é bem contraditório. Identifico o cunho social dessas músicas e a expressão de uma cultura. Gosto dos ritmos, da dança. Mas as letras me ferem como mulher. Por outro lado, fico pensando como essa música vem sendo apropriada pela classe média urbana e pelas elites, a exemplo do grupo FitDance, que usa essas músicas sem criticidade. Do mais, o carnaval é apenas mais um momento de expressão da sociedade. Desde muito tempo as músicas de carnaval primam pelo preconceito generalizado. Mas isso acontece em vários gêneros musicais”, defendeu outra entrevistada.
No total, 50% dos que responderam à pesquisa admitiram ouvir músicas de cunho sexual, violento ou que ferem a imagem da mulher de alguma forma. Dentre as mais citadas, o hit do carnaval 2016 “Paredão Metralhadora”, da Banda Vingadora, saiu na frente com 42,6%. Outras músicas lembradas foram “Baile de Favela”, do Mc João, “Lepo Lepo”, do Psirico e “As Novinha Tão Sensacional, do Mc Romântico.


