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Comprar como um ato político – saiba como a economia pode ser mais colaborativa e solidária
Beatriz Bulhões e Marcela Carvalho - 31/01/2018Consumo mais consciente tem ganhado adeptos em Salvador
Quando o artesão Ira Santos resolveu montar uma loja para vender tanto o seu trabalho quanto de outros artistas, encontrou diversas dificuldades. Além dos trâmites legais comuns de se abrir um negócio, as pessoas não entendiam o que era uma loja colaborativa e não acreditavam que desse certo.
“Uma das maiores dificuldades foi encontrar alguém que dissesse ‘Eu te alugo o imóvel, independente do que vai ser’. Tiveram alguns locais que as pessoas disseram ‘Eu não vou alugar porque eu não acredito no projeto de vocês, eu nem sei o que é isso’, mesmo a gente tendo dinheiro pra pagar o aluguel”, conta ele.
Apesar das lojas colaborativas terem chegado em Salvador há pouco tempo, o movimento de transformar a economia em uma atividade mais solidária, criativa e sustentável não é totalmente novo. Segundo a cientista social doutora em Cultura e Sociedade Luana Vilutis, a economia solidária chegou ao Brasil por volta da década de 80. “É um conceito que engloba um movimento social, político, econômico que parte do pressuposto da autogestão, do trabalho cooperativo, auto organizado”. Em outras palavras, os adeptos do movimento acreditam que o capitalismo selvagem, termo utilizado por Marx na década de 60, onde apenas o patrão detém os lucros, tem mudado para um capitalismo mais consciente.
Nesse novo capitalismo, o modelo de negócios não se restringe apenas à geração de lucro, mas leva em consideração os valores de sustentabilidade e comunidade, por exemplo. Após escândalos envolvendo marcas famosas e trabalho escravo, por exemplo, o consumidor passou a se preocupar cada vez em como o produto é feito, por quem ele é feito e o como será descartado. O produto continua sendo um bem de consumo, mas as empresas procuram ser mais solidárias com todo o ecossistema a sua volta.
“Hoje, estamos acostumados com a ideia de que a razão de ser das empresas é dar lucro aos acionistas. Preocupações de caráter social ficam então restritas ao setor público e às ONGs, que não têm fins lucrativos. Mas historicamente, nem sempre foi assim”, diz o professor Marcos Augusto de Vasconcellos, Coordenador Geral do Fórum de Inovação da FGV/EAESP durante entrevista ao site NaPratica.org.
Luana explica que, nessa nova perspectiva, não existe somente produtores de um lado e consumidores do outro, mas o que ela chama de prosumidores. “A partir do momento que você consome esse produto, você também está fazendo parte do processo produtivo, já que está apoiando e contribuindo com sua difusão”, explica.
A Economia Solidária será um dos temas tratados durante o Fórum Social Mundial, que acontece na capital baiana em março de 2018. Um dos convidados para falar sobre o assunto é o Ecopolo Monte Zion. De acordo com Juliana Queiroz, uma das idealizadoras, o projeto é composto por educadores, artistas, cientistas agricultores, moradores de aldeias, cooperativas, entre outros.
O grupo oferece palestras, oficinas, vivências, coordenação e gestão pedagógica, além de articulação e elaboração de projetos, todos de acordo com princípios da Socioeconomia Solidária. “Durante a nossa trajetória o principal impacto foi e continua sendo inserir os princípios da Economia Solidária na produção cultural, na educação e no desenvolvimento socioambiental agroecológico”.
Esse mesmo preceito é defendido por Ira Santos, que destaca sua vontade em apostar em algo com cunho colaborativo e sustentável, indo além do viés comercial. “A venda de um produto artesanal não é só a venda de um produto, você passa o que você vive pra pessoa, diferente de algo produzido em larga escala”, explica ele.
A pesquisadora Luana vai além: “Se você consome produtos de trabalho escravo, por exemplo, você está alimentando essa cadeia de trabalho escravo. Se tem um consumo responsável, torna-se co-responsável pelos valores e pelas formas de produção daquilo que consome. Se opta por agricultura familiar, contribui para a ampliação e o fortalecimento dessa prática, mas se opta por agro-negócio, está ajudando em outro modelo”.
União
Depois de muita procura, o artesão Ira conseguiu abrir a Gambiarra Espaço Coletivo & Criativo, na Rua Afonso Celso, no bairro da Barra, em Salvador. Além da “Ira Acessórios”, o espaço que foi inaugurado há pouco mais de um mês abriga cerca de 60 expositores, mas tem espaço para 100. De acordo com o agora empresário, todos os produtos vendidos na loja são de pequenos produtores que moram na capital baiana ou na região metropolitana.
Ira lembra que sua marca já participou de outras lojas colaborativas e aposta na sua experiência como expositor para ter uma boa relação com os parceiros. Assim como em outros empreendimentos, a Gambiarra faz um contrato de três meses com o artesão, que pode ser renovado ou cancelado.
Esse é o mesmo modelo adotado pela InCanto Loja Colaborativa, na Rua Marquês de Caravelas, também no bairro da Barra. Priscila Elaine, sócia e uma das idealizadoras do empreendimento, relata que teve a ideia após assistir diversas palestras onde se evidenciava o modelo de economia solidária.
“A gente viu que é uma forma de agregar e dar oportunidade a várias marcas de pequeno porte, pois os expositores têm muito talento, mas não tem o dinheiro pra estar em um lugar bacana mostrando o produto, por exemplo”, explica ela. A loja, que completou seis meses em janeiro, possui 30 expositores e está em fase de curadoria, buscando artesãos para completar os espaços disponíveis.
Ylana Dias, criadora da Sempre Bela Semi-Jóias, vende seus produtos na InCanto. Ela conta que começou a fazer bijuterias na faculdade, mas acabou desistindo de seguir na profissão de historiadora após a formatura para se especializar no trabalho manual e criar semi-jóias.
Antes de ser expositora, a artesã explica que participava de feiras – até que ouviu falar nas lojas colaborativas. Segundo ela, o empreendimento facilita a entrada dos seus produtos no mercado e, assim como em outros espaços de mesmo modelo, não coloca mais de um produto do mesmo segmento a venda, impedindo uma competição interna. “Minha renda hoje vem toda daqui, da Sempre Bela”, revela.
Mas, diferente de Ylana, alguns artesãos não conheciam a economia colaborativa antes de serem convidados a participar da InCanto. De acordo com Priscila, por ser um conceito novo, muitas marcas ainda desconheciam a existência dessas lojas.
A sócia aposta em um ganho dos dois lados: tanto aos expositores, que obtêm um ponto fixo de vendas e se tornam mais conhecidos para o público, quanto para os empresários, já que o espaço se torna mais atrativo por ter um conceito diferenciado. “É a união dos pequenos e a união faz a força”, completa.
Para Luana, o surgimento de lojas como essas fortalecem um movimento social que vai além da compra e da venda. “A cultura do consumismo é afetada numa perspectiva de que a economia criativa trabalha com o consumo justo, responsável, ético e solidário. Ou seja, consumir um produto se torna um ato político”, frisa a cientista social.
Custos
Segundo o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), a maior vantagem das lojas colaborativas é a diminuição dos custos para os pequenos produtores. Em uma nota divulgada no site oficial, o órgão afirma: “Pela sua simplicidade e praticidade, o mercado colaborativo exige menos gastos”.
Ainda de acordo com o órgão, a forma de capitalizar os expositores pode variar, mas a maioria dos empreendimentos cobram o aluguel de um box, considerando o espaço onde os produtos serão expostos. O valor varia conforme o tamanho e já deve ter incluído taxas da loja, como atendimento, a comercialização e a divulgação das marcas parceiras.
Além das lojas, uma alternativa aos artesãos são as feiras de rua. Neste modelo, a capitalização é parecida: se paga por um espaço a ser ocupado, variando em função do tamanho e da quantidade de dias. Em Salvador, algumas das feiras mais famosas costumam cobrar por um pacote mínimo de três edições para os que quiserem expor sua marca.
A Food Bike (estrutura semelhante à bicicleta que serve comida) da Eu Amo Acarajé está presente em diversas feiras da capital baiana. Uma de suas idealizadoras, Terse Carreira, revela que o melhor desses eventos é o poder de escolha dos consumidores: “Se a gente se unir, quem vai ganhar é o público”, complementa.
O projeto dela repaginou o acarajé, quitute comum do Estado, tornando-o um alimento gourmet, recheado com moqueca de camarão, bacalhau ou siri. Mas apesar do alimento ser tradição na Bahia, ela não acredita que a presença de baianas de acarajé ou de outras Food Bikes nas feiras podem prejudicar as vendas. “A gente trabalha junto. Não vemos como concorrência, mas como um ajudando ao outro. Se fosse concorrência, não existiam praças de alimentação nos shoppings”, brinca.
As próprias lojas colaborativas, como a InCanto e a Gambiarra também fazem feiras de comida em dias especiais. As datas e a programação podem ser vistas em suas páginas oficiais do Facebook e Instagram.
Vídeo 2 (coworking)
Trabalhando Junto
Além dos eventos, a Gambiarra também possui um espaço de Coworking (trabalho compartilhado). As salas ficam em cima da loja e podem ser utilizadas por empreendedores que desejam fazer reuniões ou até mesmo cursos e palestras.
Essas salas compartilhadas também são ofertadas pelo Grupo Rede+, com sede na Avenida Oceânica, na Barra. De acordo com o CEO da instituição, Rodrigo Paolilo, as salas podem ser alugadas por pessoas ou grupos, variando o preço pela quantidade de horas e de cadeiras, além de escolher se será uma sala compartilhada ou privativa.
Além do serviço, chamado por Paolilo de “soluções de espaços”, o grupo também faz seleção de startups para aceleração, com mentoria e acompanhamento. Em outras palavras, a equipe participa de editais e eventos de empreendedorismo para encontrar ideias inovadoras e ajudar esses empreendedores a colocar o negócio em prática.
“A gente acredita que colaborar, compartilhar e construir de forma conjunta não é só uma tendência mais uma realidade e até uma necessidade”, define Paolilo. Para ele, as mudanças nos paradigmas sociais pedem que o mercado tenha projetos mais sustentáveis e que tragam benefícios à comunidade em longo prazo.
Ainda de acordo com ele, a economia colaborativa não é usada apenas pelos pequenos artesãos, mas é uma aposta também de grandes corporações. O Uber, por exemplo, mudou a dinâmica de transporte com os carros compartilhados, enquanto o Airbnb ressignificou a relação hóspede x hotel e a Netflix revolucionou o mercado audiovisual.
“Esses exemplos mostram que, ao compartilhar, você consegue gerar riqueza em uma distribuição de oportunidades e, ao mesmo tempo, fazer com que as demandas do cliente sejam melhores atendidas”, finaliza o CEO.