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Equipe de surdos digitaliza processos do TRT em tempo recorde
- 05/02/2014Tribunal foi o primeiro do Brasil a contratar equipe de profissionais surdos para executar digitalização de processos
Texto: Yne Manuella e Deivson Mendes
Foto: Ana Paula/Labfoto
Com uma pilha imensa de processos trabalhistas pendentes de digitalização e escassa mão-de-obra para dar conta da tarefa, o Tribunal Regional do Trabalho da Quinta Região (TRT5), em Salvador, resolveu, em agosto de 2012, apostar numa iniciativa inovadora: contratou, pela primeira vez na história do Judiciário brasileiro, uma equipe de 18 pessoas com deficiência auditiva para trabalhar exclusivamente no “scaneamento” desses processos.
O resultado foi melhor do que o esperado: em oito meses, trabalhando sem exceder as oito horas por dia, a equipe zerou todo o passivo de aproximadamente 80 mil páginas, e os 120 processos que estavam na fila já foram enviados, devidamente digitalizados, para a Justiça Trabalhista, em Brasília.
A contratação desses profissionais resultou de uma parceria entre o TRT e a Associação de Pais e Amigos de Deficientes Auditivos do Estado da Bahia (Apada-Ba), firmada através de um contrato entre as instituições para oferta de mão-de-obra de pessoas surdas. A ONG oferece, há 21 anos, educação e cursos de capacitação profissional voltados para os deficientes auditivos, além de intermediar o contato entre eles e as empresas e estimular sua socialização.
Uma das profissionais dessa equipe foi Muniqui Lopes – que nasceu com deficiência quase total da audição. Para ela, atuar na digitalização dos processos, além de um mero “trabalho”, simbolizou um momento “pleno” em sua vida: o de garantir espaços na sociedade através da realização de um trabalho qualificado. “Na infância, me se sentia só, principalmente na escola, porque era tratada como ‘estranha’, e as pessoas não sabiam lidar com uma pessoa que não escutava”, recorda.
Poucas pessoas com deficiência, contudo, têm a chance de viver uma experiência como a de Munique. No Brasil, ainda é comum que portadores de algum tipo deficiência física sejam vistos como inaptos para executar atividades mais complexas, que exijam maior uso de sua capacidade intelectual. Parcerias entre o poder público e ONG’s buscam reverter o preconceito e abrir oportunidades para que deficientes possam desenvolver suas potencialidades e trabalhar.
Inserção requer investimento – Para Marisandra Dantas, diretora Apada-Ba, os surdos – que é como os deficientes auditivos preferem ser chamados – enfrentam mais dificuldades para se inserirem no mercado do que os portadores de outras deficiências. No TRT5, a equipe foi acompanhada pela intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais) Rose Borges, que traduzia a linguagem gestual dos profissionais surdos à linguagem falada dos demais servidores do órgão.
Na maioria das vezes, para admitir um profissional surdo, a empresa precisa contratar também um intérprete para intermediar a comunicação entre o portador de deficiência e seus colegas, garantindo condições adequadas para “igualar” um surdo ou cego aos demais funcionários da empresa. No entanto, “nenhuma empresa quer fazer outro tipo de investimento além do deficiente, que eles já consideram como uma carga e só admitem por causa da legislação”, afirma Dantas. A legislação citada pela diretora da Apada-Ba é a chamada “Lei de Cotas”. Sancionada em 1991, ela obriga empresas com mais de 100 funcionários a ter um mínimo de 2 a 5% de empregados portadores de deficiência.
Arlex Cruz, técnico judiciário do TRT5, é um dos responsáveis pelo setor e afirma que trabalhar com deficientes tem sido mais que uma convivência profissional. “É um aprendizado de vida”, considera. Arlex conta que a experiência com os colegas surdos o fez passar a se colocar no lugar de um deficiente, dentro e fora do ambiente de trabalho. Assim, ele começou a “sentir” as dificuldades destas pessoas, que a cada dia têm de superar inúmeros desafios para ocupar espaços e conquistar direitos e, além de tudo, fazer hercúleos esforços para provar que “são capazes”.
Apesar do sucesso de parcerias como essa, a realidade ainda está aquém do que se espera de uma sociedade democrática e igualitária. As causas não se resumem à atitude das empresas: a falta de incentivo das famílias também é apontada como uma das causas para a baixa inserção de surdos no mercado de trabalho. Mãe de um surdo, a diretora da Apada afirma que “muitos pais não acreditam que os filhos deficientes podem um dia trabalhar. Quando o médico disse que meu filho seria, no máximo, um varredor de rua, eu enlouqueci e comecei a correr atrás”, recorda a fundadora da ONG.