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“Gosto de pagode. Acho gostoso como gênero”

- 11/03/2013

Paulo Miguez faz uma análise sensata do pagode baiano e afirma que o duplo sentido presente nas letras é oriundo de uma tradição do cancioneiro nacional

Raulino Júnior

Paulo Miguez, professor da UFBA | Crédito: Lucas Seixas

 

 Paulo Miguez tem 58 anos, é doutor em Comunicação e Culturas Contemporâneas, professor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC) e do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal Bahia. O estudioso é referência quando o assunto é música baiana e o carnaval de Salvador. Nesta entrevista, ele se debruça sobre o pagode baiano e coloca as suas impressões acerca do gênero.

Impressão Digital 126 – O que, em sua opinião, contribuiu para ascensão de grupos de pagode como o É o Tchan dentro do mercado brasileiro de música?

Paulo Miguez – Acho que a própria ambiência do carnaval explica isso, que é o lugar onde eles surgem e que vão aparecer para o Brasil e para o mundo. O sucesso do carnaval explica muito o sucesso desses grupos. No finalzinho dos anos 80, o carnaval baiano sofreu um processo de transformação, que ganhou musculatura no início dos anos 90. Logo na sequência, esses grupos de pagode explodem. Na verdade, eles já existiam. Sempre tivemos grupos de pagode e de samba aqui. O pagode, do ponto de vista musical, tem características interessantíssimas. Num certo sentido, ele me sugere a ideia de atualização do samba de roda, numa perspectiva mais eletrônico-aeróbica, porque incorpora os instrumentos eletrônicos e retrabalha toda a forma de dançar do samba, permitindo que essa coreografia mais tradicional seja contaminada pelos movimentos das academias de ginásticas.

Crédito: Lucas Seixas

ID 126  O declínio veio por falta de manejo dos próprios empresários ou por que esses grupos não atenderam mais às expectativas do público e do próprio mercado?

PM – Acho que a gente tem que qualificar melhor essa ideia de que eles entraram em decadência total. Os grupos de pagode podem ter desaparecido do topo da lista de mais vendidos da indústria fonográfica, mas continuam fazendo shows o tempo inteiro. Alguns nomes do pagode baiano continuam tendo lugar de algum destaque no carnaval. Esse pagode de agora, funkeado, que dialoga com outros gêneros, produziu, nos últimos anos, figuras muito interessantes na cena carnavalesca e no show business. Do ponto de vista das carreiras, boa parte desse pessoal que é reconhecido como grande nome da axé continua com a agenda lotada. Eles vendem, por exemplo, mais do que nomes consagrados da música brasileira. Não vendem mais sete milhões porque a indústria do disco não vende mais isso.

ID 126 – Os grupos É o Tchan, Terra Samba  e Nossa Juventude, por exemplo, que fizeram sucesso na década de 90, ficaram fora do circuito midiático e voltaram com certo apelo popular. O que explica isso?

PM – O que explica é que eles saem da grande mídia, deixam de ser a bola da vez, e vão ficar acomodados em nichos de consumo cultural que continuam celebrando-os como grandes estrelas. É evidente que quando eram “a bola da vez” a caixa registradora funcionava numa rapidez e numa magnitude maior. Eles podem não aparecer mais na mídia, mas não desaparecem do cardápio de show business Brasil afora.

 ID 126 – O senhor gosta de pagode?

PM – Gosto, claro! Adoro! Acho gostoso como gênero. Interessa-me o seu viés como festa carnavalesca baiana.

Crédito: Lucas Seixas

 ID 126 – Hoje em dia, a gente vê muitas críticas em relação às letras do pagode. A qualidade nas letras piorou ou não dá nem para mensurar?

PM – Piorou em relação ao quê? Fala-se muito que atualmente há críticas em relação a isso, mas sempre teve muita crítica, com teor muito semelhante. As pessoas, às vezes, não se dão contam da bobagem que estão falando quando comparam as letras de agora com as de antigamente. Querem comparar com o quê? Com as marchinhas carnavalescas, por exemplo? Não vejo que sentido de grandeza poética elas tinham. Até porque a intenção, quando se escreve uma letra para um samba que vai tocar na rua ou uma marchinha que vai nos animar no carnaval, é fazer a festa. A gente sempre teve uma longa tradição da canção com sátira, com duplo sentido. Não é uma coisa estranha e não foi inventado pelo pagode. O jeito de dançar, as letras, tudo sempre foi objeto de muita crítica entre os setores, digamos, mais letrados e intelectualizados. Eu não alinho com eles, não. Adoro a molecagem pagode. Adoro o ritmo. Acho bacanérrimo.

 ID 126 – O pagode baiano é um fenômeno da indústria cultural que é pouco estudado na academia. Nesse sentido, as universidades têm preconceito com o pagode?

PM – Eu diria que não necessariamente com o pagode. Mas, dependendo do lugar da universidade, você vai ver que tem temas que não são, exatamente, os temas mais bem acolhidos. Eu, por exemplo, tive alguma resistência quando, no mestrado em administração, quis estudar o carnaval; porque carnaval é coisa para antropólogo estudar. No máximo, sociólogo ou historiador. Então, algumas das áreas das universidades delimitam um repertório de temas que são eleitos como bons e outros passam a ser temas menores. Essa é uma razão. A outra é quando alguém diz que este é um tema que não pode ser estudado pela universidade, que não tem a dignidade para se transformar em objeto de estudo. Aí é que eu acho complicado. Mas isso também não é incomum, não. Essa coisa do tema maldito, do tema mais difícil de ser absorvido como objeto de estudo, é bastante frequente.

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