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MPF investiga suspeita de conluio na licitação do metrô
- 06/04/2013Foto: Metrô de Salvador por Mila Cordeiro / AGECOM
Grandes empresas da construção civil são alvo de investigação por parte do MPF e devem responder à ação de improbidade administrativa após suspeita de irregularidades ainda na fase de licitação do metrô de Salvador
Taís Santana e Yuri Girardi
Como se não bastassem todos os problemas e desconfianças de uma obra que parece não ter fim, o metrô de Salvador passa a ser investigado por conluio e desrespeito às regras licitatórias por parte das empresas responsáveis pela sua construção. Pensada para ser uma das mais importantes obras do sistema viário da capital baiana, a alternativa de transporte – para o trânsito cada vez mais caótico em horários de pico – ainda não entrou em atividade, mesmo após 13 anos do início das obras e uma redução de aproximadamente 50% do projeto inicial. Sua movimentação, no entanto, está a todo vapor nas disputas judiciais entre tribunais e o Ministério Público Federal (MPF).
O atraso das obras, os altos custos, as suspeitas de superfaturamento do metrô e a aparente falta de competência dos poderes públicos baianos não são os únicos obstáculos à finalização do metrô soteropolitano. A raiz do problema pode estar lá na fase de licitação, segundo recentes descobertas feitas pelo MPF. O órgão que, entre outras, tem a função de fiscalizar a aplicação das leis e de defender o patrimônio público, investiga, com o auxílio da Polícia Federal (PF), a suspeita de um consórcio oculto entre grandes empresas do ramo da construção civil e a venda do primeiro lugar no processo licitatório.
O edital de licitação internacional SA-01 para a execução da obra civil e do sistema de energia, aberto em 1999, teve como vencedor o consórcio Cigla, união entre a empresa brasileira Soares da Costa e a italiana Impregilo, que logo desistiu do certame. A responsabilidade das obras foi então repassada para outro consórcio: o Metrosal, uma associação entre as empresas Camargo Corrêa, Siemens e Andrade Gutierrez, segundo lugar na disputa.
Documentos encontrados na Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal (PF) em conjunto com o Ministério Público de São Paulo (MP/SP), que investigava um esquema financeiro com envolvimento de doleiros, apontaram que o Cigla recebeu de empresas integrantes do Metrosal valores milionários para a desistência da execução das obras do sistema metroviário.
Segundo o MPF, o Metrosal também teria feito – antes mesmo da disputa na licitação – um acordo de consórcio oculto com as empresas Queiroz Galvão, Alstom, OAS, Constram e Odebrecht para que, independente de quem ganhasse a licitação, houvesse participação de todas na execução das obras. O acerto, previsto em um contrato firmado entre as empresas e encontrado sob o domínio de um dos diretores da Camargo Correia, Pietro Bianchi, viola o princípio da livre concorrência, assegurada pelo Artigo 170 da Constituição Federal, e constitui crime contra a ordem econômica financeira.
De acordo com informações divulgadas em janeiro último, o Tribunal de Contas da União (TCU) encontrou superfaturamento de R$ 116 milhões nas obras do metrô por parte do consórcio executante e da Companhia de Transportes Urbanos (CTS). A fiscalização do uso dos recursos públicos resultou em indícios de irregularidades relacionadas à ausência de detalhamento das planilhas orçamentárias e deficiências no projeto inicial, que resultaram em inúmeras modificações. A CTS, por meio da sua assessoria, diz que não pode se pronunciar a respeito do assunto tendo em vista que diz respeito à atuação da gestão anterior.
Entenda a atuação do MPF nesse caso – A controvérsia do metrô de Salvador é um exemplo explícito da atuação do Ministério Público Federal em situações de improbidade administrativa. De acordo com Alexandre Medeiros, professor de Direito Administrativo do curso preparatório Juspodvm, os atos de improbidade estão regidos pela lei 8.429/92 e se aplica a ações ajuizadas contra agentes que praticarem atos ilícitos à administração pública. O órgão, responsável também por instauração de inquérito civil e por proposições de ação civil pública para combater atos de malversação de recursos públicos, propôs – em 2010 – uma ação cível na 11ª Vara da Justiça Federal na Bahia, a fim de ajuizar possível situação de improbidade administrativa devido a irregularidades no processo de licitação e uma ação penal, em novembro de 2009, com acusações sobre suposta formação de quadrilha, constituição de cartel e fraude no processo licitatório das obras.
O processo encaminhado teve andamento no judiciário e foram obtidas algumas provas, embora a maioria não possa integrá-lo momentaneamente, sob a justificativa da 6ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que as provas foram ilicitamente adquiridas pela PF, através de escutas telefônicas não permitidas. O Habeas Corpus 159.159/SP, impetrado pelas empresas investigadas, interrompeu as investigações da Operação Castelo de Areia e bloqueou as ações propostas pelo MPF em Salvador.
No final de 2012, o procurador da República Vladimir Aras recorreu da decisão do STJ, afirmando que os documentos foram encontrados na sede de uma das empreiteiras participantes do consórcio e existiam há uma década antes da interceptação da operação da Polícia Federal. O pedido do procurador foi acolhido, mas logo derrubado por uma liminar perante o Tribunal Regional Federal da 1ª região (TRF-1), acatada pelo desembargador Tourinho Neto, conhecido por casos como do bicheiro Carlinhos Cachoeira e a Operação Trem Pagador, deflagrada pelo MPF do estado de Goiás. Em entrevista concedida ao ID 126, Vladimir Aras, sem entrar em detalhes quanto ao andamento do processo, uma vez que este está sob sigilo de justiça, deixou claro que corre contra o tempo para tentar reverter a decisão do desembargador.
Na ação criminal, o procurador entrou com recurso para o andamento do processo, mas o juiz Oswaldo Scarpa, da 17ª vara, manteve a posição inicial de suspensão por conta da invalidade das provas da Operação Castelo de Areia alegando estar atendendo a uma decisão do STJ, que arrolou a Operação Castelo de Areia. Amparado por informações do MPF, Aras acredita que na legislação penal existem regras que preservem a validade das provas. Com isso, interpôs um recurso para continuidade da ação. Ainda segundo ele, há um recurso em Brasília da Procuradoria Geral da República para validar as provas da Operação Castelo de Areia.
O fato é que o projeto do metrô baiano, que possuía uma proposta inicial de oito estações de metrô entre os 11,9 quilômetros de extensão, e tinha previsão de término para dezembro de 2010, ainda está longe de acabar. Após o andamento das obras, houve diversas paralisações, a extensão da obra foi reduzida para aproximadamente seis quilômetros e novos recursos do governo federal se somaram ao investimento primário. Em meio às constantes disputas judiciais, a população é que fica duplamente prejudicada, pois financia a obra e não dispõe de um serviço viário de qualidade.
Para Ilze Marília, professora do Departamento de Transportes da Escola Politécnica da UFBA, em entrevista concedida por telefone, o metrô já deveria estar operando juntamente com uma rede integrada para que as vias tivessem capacidade para atender à demanda da população. “O metrô sozinho não resolve o problema da cidade, mas é o elemento estruturante dessa rede. Os outros modais se integrarão. Mas, existe uma questão de ordem política que acaba por prejudicar a situação do metrô. Um problema de negociação entre os atores políticos que prejudica a cidade”, assinala a professora.
Ainda segundo ela, há algumas deficiências no projeto do sistema viário. As estações não foram pensadas para serem integradas com as outras, a questão da mobilidade também não foi ponderada, mas não é o grande problema. Isso pode ser resolvido, porém, sem deixar de lado a questão orçamentária. O grande problema é de gestão.
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