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Muito além do pagode e do axé
- 11/09/2013Artistas e produtores locais, que não contam com patrocínio e divulgação na mídia tradicional, labutam muito para viver de música na cidade
Danilo Pestana e Vander Batista
Conhecida principalmente por ser a terra do axé, Salvador apresenta grande diversidade musical, destacando-se a quantidade de artistas independentes que buscam mostrar que nem só de axé vive a cena musical soteropolitana. A cidade tem um mercado musical que apresenta variadas opções para o público, apesar das dificuldades encontradas por artistas e produtores.
O casal Kelly Fontoura e Léo Netto, juntos há dois anos e meio, enfrentam as dificuldades do cotidiano desses artistas em início de carreira. Eles realizam shows em bares e restaurantes da cidade semanalmente, mas o conhecimento sobre eles se limita a “artistas que fazem som ambiente”. “Infelizmente não conseguimos ainda realizar o sonho de fazer shows autorais. Estamos lutando para isso. Sendo assim, nossas apresentações contemplam vários estilos musicais. Manter um repertório eclético é, até então, nossa ‘marca registrada’”, pontua Kelly. Com uma filha de quatros anos e compromissos para lidar, o casal afirma que é preciso saber o momento certo para desenvolver um trabalho conceitual. “Temos outras influências e não queremos fazer música somente para vender. Queremos ficar satisfeitos com o trabalho e ter retorno financeiro. Como queremos aliar esses dois aspectos, ainda estamos estudando o estilo musical que vamos estruturar”, relata Kelly. O casal é responsável por todos os aspectos do show (contatos, equipamentos, divulgação) e, conforme Kelly, consegue viver bem de música em Salvador. “Para isso, é preciso ter talento, profissionalismo e noções de administração e produção musical”. Atualmente, o casal usa as redes sociais para promover as apresentações, seja nos perfis pessoais ou na página oficial Música Ao Vivo Para Eventos.
Lis Braga, 35 anos, compartilha algumas experiências e dificuldades de Kelly e Léo. Com sete anos de carreira, declara-se intérprete de cantores consagrados da música brasileira, como Geraldo Azevedo e Dorival Caymmi, e mantém uma agenda mais espaçada, conseguindo assim mais tempo para preparar o material das apresentações. Apaixonada pela MPB, a cantora busca realizar um trabalho mais sólido para mostrar composições próprias. “Salvador poderia abraçar um mercado mais diversificado, sem se restringir a bandas com estilos parecidos. Aqui temos público para MPB, samba, rock, reggae, rap, forró, etc. Porém, muitas casas noturnas e espaços da cidade optam por estilos da moda”, desabafa. Publicitária de formação, Lis alega que a maior dificuldade é pagar os profissionais que contrata. Por isso, às vezes, precisa adotar um show menor e mais reservado, limitado a dois músicos. “Realmente o maior obstáculo são os custos. Preciso valorizar e remunerar bem os músicos que trabalham comigo”. Para muitas das suas apresentações, a artista cuida, de forma independente, da produção e divulgação na imprensa local. Além disso, promove seu trabalho com uma página no Facebook e possui um site. “Ainda não vivo de música, mas esse é ainda meu sonho!”, revela.
Também publicitária, Flávia Motta, 31 anos, trabalha com produção musical desde 2000, ainda na faculdade. Há sete anos, administra a carreira da cantora Sandra Simões e traz em seu currículo atuação com outros artistas locais, como Manuela Rodrigues, Cláudia Cunha, Nara Gil, Pedro Morais, etc. “Temos muitos artistas maravilhosos, mas o mercado anda ‘viciado’ nos mesmos músicos. Isso dificulta a conquista de patrocínios e recursos para viabilizar e manter as produções”, relata. Por conviver com essa dificuldade, Flávia já precisou realizar eventos com pouquíssima ou nenhuma verba, ou tentar patrocínio via editais. “Manter trabalho com arte musical em Salvador se dá somente por editais. É a única possibilidade. Por meio desses incentivos, pude realizar algumas atividades, como os shows do Três na Folia durante o Carnaval dos anos de 2009 a 2011 e gravar o atual CD de Sandra Simões”, explica a produtora. Flávia vê que a internet tem papel fundamental na divulgação e promoção do trabalho dos artistas que produz. Mesmo assim, ainda tenta inserir conteúdo nas mídias tradicionais, como TV, rádio e jornal impresso. “Conto com amigos para isso. Mas, poder divulgar sem depender da imprensa formal é genial. Considero como a carta de alforria dos artistas que não são apreciados pelo grande público. E o mais interessante é o processo inverso que vem acontecendo: hoje a internet tem pautado a imprensa tradicional”. Sem gerar muitas expectativas, Flávia acredita que Salvador poderá abrigar estilos musicais diversificados e não se limitar à cena do pagode e axé. “O trabalho que realizo é exemplo disso. As pessoas vão aos shows porque gostam. Isso mostra que o público está aberto para conhecer outros estilos e artistas da cidade. Só é preciso que o ‘novo’ chegue a elas”, finaliza.
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