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Mulheres à frente de restaurantes preservam raízes históricas
- 14/09/2016Descobriu que a sua manutenção e da família estaria garantida através do ‘ganho do feijão’. “Desde a minha adolescência sabia que ia sobreviver do feijão. Atualmente 22 pessoas estão empregadas diretamente no meu restaurante, todos da família”, conta a empresária mais conhecida como Alaíde do Feijão, figura de grande influência no Pelourinho, onde está localizado seu empreendimento há mais de 35 anos.
Alaíde do Feijão, aprendeu por volta dos 13 anos, a vender comida com a mãe que possuía tabuleiro no bairro do Comércio. Por lá, segundo ela, passou 20 anos. “Depois criei expectativa e coragem para ir ao Centro Histórico, durante a segunda etapa de inauguração da requalificação do bairro. Fui para a ladeira de São Francisco e fiquei por mais 20 anos”, afirma.
Atualmente, está na Rua da Laranjeiras, e deixa que suas filhas, sobrinhas e cunhadas preparem o feijão. Sobre a questão da hereditariedade, ela afirma: “Eu acho importante por causa das nossa origem de pobre. Não tínhamos como ir para a faculdade, então a faculdade da vida nos ensina a sobreviver”.
Ancestralidade
Vender nas ruas feijoada, acarajé, cozido, sobe-desce, ensopados, vísceras de animais e frutas é rito herdado de uma Salvador do século XIX, período em que a mulher negra ocupou lugar de destaque no mercado de trabalho urbano como característica das relações escravistas baseadas no ‘ganho de rua’. A professora da Uneb, Cecília Conceição Moreira Soares, doutora em antropologia, investigou o cenário do comércio de rua na capital baiana e o aponta como uma forma de resistência à escravidão. Ela é autora do livro Mulher Negra na Bahia no século XIX.
“Essas mulheres estavam no mercado por questão de sobrevivência, sobretudo. O desempenho se destacava porque em algumas sociedades africanas elas já praticavam algum tipo de comércio. Chegando no Brasil, principalmente em áreas carentes de bens alimentícios, as mulheres negras vão realizar muito bem esses papéis, passam a compreender a dinâmica desse mercado, vão interferir direta ou indiretamente nessas relações, na prática do comércio”, explica a antrópologa.
Do século XIX até hoje esse movimento foi ganhando força política de forma consciente. “Aprendemos com as reuniões de mulheres, com a escola, com os meios de comunicação e dentro do âmbito religioso a entender esta modalidade de comércio enquanto resistência. Resistência pelos aspectos culturais, que estão no cenário da baiana de acarajé”, reitera Cecília.
Tradição
Resiste assim a baiana de acarajé e coordenadora regional da Associação de Baianas de Acarajé, Angelice Batista, 51, que começou a vender acarajé aos 9 anos e acredita na missão que recebeu de sua mãe, com quem aprendeu o ofício. Ela mantém seu tabuleiro na praia do Jardim de Alah, orla da cidade.
Angelice não somente continuou a tradição da família como percebeu que precisava militar pela manutenção da tradição do seu ofício incluindo a exigência da caracterização para a comercialização das iguarias. “Na visão de uma mulher de ganho, baiana usa bata, saia, torço na cabeça, tabuleiro e sombreiro. Esses são os bens materiais. O imaterial são os ventos da ancestralidade. Se você é de Iansã, traz os ventos dela”, defende.
“Eu não consigo bater uma massa de vestido, tenho que colocar a saia. Então não sei de onde os vendedores ganham força para trabalhar ”, disse salientando que o uso das indumentárias traduz a diferença entre baiana e vendedoras do bolinho e afins.