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“Não se tem dinheiro para valorizar o jornalismo investigativo”
- 06/04/2013É o que afirma Guilherme Alpendre, diretor executivo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)
Raisa Andrade e Tunísia Cores
O diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Guilherme Alpendre, esteve na Faculdade de Comunicação da UFBA, onde realizou palestra sobre jornalismo investigativo no Brasil e explicou como tem sido a atuação da entidade, desde a sua criação, em 2002. Em entrevista ao Impressão Digital 126, Guilherme aborda as principais características do jornalismo investigativo, as questões éticas, a sede de furo jornalístico, assim como os desafios de exercer a profissão em um país como o Brasil, considerado pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) como o quarto mais violento do mundo.
Impressão Digital 126 – Concordando que a força motriz do bom jornalismo é uma apuração aplicada – afirmação referendada pelo ex-diretor da Abraji, Marcelo Beraba, em entrevista ao ID 126 – nenhum jornalismo estaria livre de ser investigativo?
GUILHERME ALPENDRE – Isso é uma discussão bastante grande. Tem uma corrente que diz que “jornalismo investigativo” seria um pleonasmo tal qual “subir em cima” ou “descer pra baixo”. No entanto, temos que entender que esse termo vem do inglês investigative reporter e que, em línguas como essa, a palavra investigação é a mesma tanto para apuração jornalística quanto para uma pesquisa científica. A ideia do jornalismo investigativo, como eu vejo, se aproxima à pesquisa científica, tanto na profundidade de um tema quanto na metodologia de apuração, de coleta de informação. Então, sim, todo jornalismo deve ser investigativo. Mas aquele que é conhecido como jornalismo investigativo é o que se aprofunda em determinado tema com intenção de esgotá-lo, de cobri-lo inteiramente.
ID 126 – Em algum momento essa apuração aprofundada esbarra com o código deontológico da profissão?
GA – Ela não deve esbarrar com o código deontológico da profissão. Um jornalista que se depare com uma situação, por exemplo, de conseguir uma informação que foi obtida de maneira não legítima, pode decidir se vai publicá-la ou não, avaliando se é de interesse público. Mas o jornalista, na sua apuração, não deve ultrapassar os limites da deontologia e nem mesmo da lei. Não deve promover uma fraude pra obter material para sua própria apuração, por exemplo.
ID 126 – Como exatamente o jornalista que teve acesso a informações obtidas com câmeras escondidas e outros métodos pouco ortodoxos deve utilizar esse material respeitando a ética jornalística?
GA – O professor Manoel Carlos Chaparro, da Universidade de São Paulo (USP), fala bastante sobre o uso do jornalismo por alguns atores para atingir seus objetivos. Vou explicar: pensa no 11 de setembro de 2001. A repercussão que o 11 de setembro obteve foi muito maior do que a que teria em 1930. Quem produziu um atentado – que primeiro fez um avião bater contra um prédio e esperou 20 minutos, meia hora, para bater no segundo prédio – pensou tal estratégia para criar um fato jornalístico que repercutisse. O jornalista – e o jornalismo, a mídia – nesse caso, foi usado como uma ferramenta para atingir o objetivo final, o qual era a repercussão. Outro exemplo é pensar no caso de lutas de minorias. Deficientes físicos costumam fazer protestos em que eles vão tentar pegar um ônibus numa rodoviária. Então, ele telefona para uma rede de TV e vende a pauta – “olha, eu sou deficiente físico e a rodoviária dessa cidade não tem nenhuma acessibilidade. Eu vou lá fazer o caminho todo sozinho e queria que vocês me acompanhassem para ver o absurdo que é”. O fato de ele pegar o ônibus não tem nenhuma repercussão, mas há o uso da imprensa para que esse fato tenha dimensão e exerça um poder transformador no mundo. Cabe ao jornalista também ter a frieza de entender que, ao receber um dossiê pronto ou algum material de uma fonte, essa fonte tem interesse. E esses jogos de interesses têm que estar claros. Talvez algum jornalista tenha a mesma intenção que a pessoa que vendeu a informação. Talvez o jornalista seja ingênuo ou não queira apurar por conta própria o que já foi previamente apurado (isso acontece muito com investigações da Polícia Federal, Ministério Público – o jornalista recebe a informação apurada e não faz uma investigação própria). Muitas entidades internacionais consideram como jornalismo investigativo só aquela reportagem com apuração feita pelo próprio jornalista. Então, não seria jornalismo investigativo, por exemplo, acompanhar uma operação da Polícia Federal ou receber um relatório do MPF sobre um esquema de fraudes de postos de gasolina e publicar aquilo como uma reportagem investigativa. Isso fere a deontologia se o cara age de ma fé, se o jornalista recebe um dossiê e entende que aquilo tem uma coisa e reitera, endossa aquela informação como sendo verdadeira, sem qualquer apuração, ele está sendo um mau jornalista, antes de ferir qualquer deontologia.
ID 126 – Na seção do site chamada de “Opinião Abraji” há uma lista de pequenos artigos com manifestações da associação diante de alguns fatos e temáticas – notas de repúdio à censura, pressões em investigações e afins. Qual o nível de influência que o jornalismo, tantas vezes dito “quarto poder”, pode ter na resolução de tais questões atualmente?
GA – O jornalismo tem uma força total de poder transformador, principalmente para atores que entendem bem a linguagem jornalística e sabem usá-la a seu favor e a favor das suas opiniões. Ele [o poder] aumenta à medida que uma quantidade maior de pessoas tem acesso ao jornalismo. A maneira como aprendemos o jornalismo hoje é bem interessante. Eu brinco que antes eu confiava no que vinha na página do jornal; hoje eu confio no meu feed do Facebook. Eu tenho vários amigos em quem confio e cujo posicionamento eu concordo ou discordo. Eu vou curtindo esses amigos de forma que a minha timeline seja uma listagem de indicações de leitura. Essa maneira multieditorial de ler o jornalismo é muito interessante: você seleciona seus interesses pelas pessoas e vai trocando informação, compartilhando, isso tudo é muito novo. Embora falem em crise no jornalismo – uma crise em empresas jornalísticas, de formatos, de arrecadação – o jornalismo como ideia, como conceito, está fortíssimo e com um poder de transformação muito grande.
ID 126 – Ainda sobre o tema, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) costuma emitir opiniões ou tentar mesmo interferir na resolução de questões mais delicadas, em que a estabilidade social estaria em jogo, como em casos de improbidade administrativa ou mesmo nas lutas de minorias. A Abraji tem alguma aspiração nesse sentido?
GA – Não, a Abraji foi fundada por um grupo de jornalistas que visavam melhorar o jornalismo no Brasil por meio de garantias de segurança ao jornalista, de acesso à informação pública e de treinamento para os profissionais. Esses três pilares de atuação da Abraji norteiam as opiniões de Associação e nunca vai emitirá opinião sobre questões não relacionadas a esses três assuntos. Além disso, a Abraji é uma associação que tem associados e diretores, e são esses diretores quem decidem. Sempre que a Abraji emite uma nota, a diretoria é consultada e se a essa não chega a um consenso, a Abraji simplesmente diz que não tem uma opinião sobre o tema. É o caso, por exemplo, da obrigatoriedade do diploma em jornalismo. É isso, a Abraji se fortalece naquilo que une os jornalistas e busca não entrar no mérito de questões que os desunam.
ID 126 – A Abraji surgiu em 2002, na mesma época da morte do jornalista Tim Lopes. Em que ponto a existência da associação chama atenção para o risco imposto à vida do jornalista em um país considerado o quarto mais violento, segundo relatório do Comitê para a Proteção do Jornalista (CPJ), divulgado em janeiro?
GA – Sempre que acontece alguma violação contra o jornalista, a Abraji emite uma nota que é divulgada para todos os jornais do Brasil. A gente traduz essa nota para o inglês e manda também para organizações internacionais – para o Comitê para a Proteção aos Jornalistas (CPJ); para uma rede internacional de defesa à liberdade de expressão, a Ifex; um instituto inglês chamado International News SafetyInstitute (Insi) – essas três entidades internacionais repercutem mundialmente essa violação à liberdade de expressão. Com alguma frequência, uma dessas entidades ou as três escrevem ofícios ao governo brasileiro pedindo explicações no plano internacional sobre aquele caso específico. Isso faz com que o jornalista em Caicó, no interior do Rio Grande do Norte, ele é ameaçado e está sozinho, de repetente tem uma carta internacional para o Governo Federal que aciona a Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Norte, o secretário manda um delegado da capital para lá – porque pode ser que numa cidade pequena toda uma rede de camaradagem impeça a investigação – então essa repercussão ajuda a dar proteção ao jornalista. Isso acontece de maneira muito suficiente quando você tem uma ameaça, no caso de um jornalista que é assassinado, infelizmente, tudo que a gente possa fazer é cobrar uma investigação, uma solução.
ID 126 – Esse ranking de violência contra o jornalista montado pelo CPJ equipara o país com regiões com realidades essencialmente mais inóspitas que a nossa, com guerrilhas, governos ditatoriais. O que faz o Brasil ocupar posições tão alarmantes?
GA – Primeiro a gente tem que levar em consideração a população de cada país, tem que comparar com tamanho de população. Além disso, muito dos jornalistas que são assassinados no Brasil tem atividades paralelas, são jornalistas que também são presidentes de sindicatos dos mototaxistas, tem um caça-níquel, é um blogueiro envenenado contra uma prefeitura, essas são histórias verídicas. Nada justifica, claro, que você agrida ou mate alguém, mas você precisa separar muito bem o que é uma agressão por causa do trabalho jornalístico e isso está cada vez mais difícil de se definir. Recentemente, no Mato Grosso do Sul, um jornalista foi assassinado na porta de casa. Esse jornalista era ex-policial militar que andava de motocicleta armado e com colete à prova de balas. Então, será que foi o blog dele que motivou esse ataque ou será que ele desenvolvia outras atividades ou mantinha outras relações por ser um ex-policial? Isso é muito difícil de desvendar numa investigação. Eu sou muito crítico com esses rankings internacionais. Claro, são números compilados internacionalmente, inclusive com a ajuda da Abraji: nós mandamos nossa opinião e a entidade decide se o caso entra a contagem ou não. O CPJ contou quatro ocorrências, o Repórteres sem Fronteiras contou cinco e o Insi, oito. O Insi tem uma política um pouquinho diferente. Se você está num carro indo para uma cobertura e o carro capota, você é um jornalista que morreu no exercício de sua profissão. Aconteceu um acidente no Rio Grande do Sul, era até uma ação questionável. Um carro da policia foi fazer uma operação e atrás seguia um comboio de carros de jornalistas e um caminhão de laranja perdeu o controle e colidiu com um desses carros matando três jornalistas e, para o Insi, isso é uma equipe de reportagem que morreu no exercício da profissão. Para eles, é um absurdo que no Brasil não haja um treinamento especifico para motoristas de jornalismo. O Insi está na Inglaterra, que tem a BBC, a maior rede pública de jornalismo do mundo, que manda jornalistas para a Síria, por exemplo. Existe uma pressão muito grande de sindicatos para que todos os jornalistas que sejam enviados para a Síria tenham sua segurança garantida, ainda que ele não necessariamente vá para frente de combate. Tem uma preocupação localizada que é exportada para o mundo todo. Agora eu pergunto pra vocês: a Abraji fica em SP, um assassinato de um jornalista em Tabatinga, no Amazonas, na fronteira com o Peru e a Colômbia, são quatro mil quilômetros de São Paulo. Falando a mesma língua, num mesmo país, a Abraji tem uma dificuldade imensa de descobrir quais foram as causas desse crime. O CPJ cobre crimes no mundo inteiro. Você imagina o que é para um escritório descobrir o que está se passando em Tabatinga, no Zimbábue, na Síria, na Rússia, no Azerbaijão, na China, na Coréia do Norte? Eles dependem muito de ajuda local e também podem, por vezes, embora tenham critérios muito rígidos, incluir casos em que o jornalista não tenha sido assassinado por relação com o seu trabalho. É jornalista? Sim. Levou um tiro? Foi alvo de execução? Sim. Ele era polêmico e tinha inimigos por causa do jornalismo? Mas foi mesmo essa motivação? Na Abraji nós nos deparamos com poucos casos em que, claramente, um jornalista que desenvolvia uma atividade jornalista, sofreu ameaças e foi morto por causa disso.
ID 126 – Além da violência à qual os jornalistas estão expostos, quais são os principais entraves para o desenvolvimento do jornalismo investigativo no Brasil?
GA – Essa não é a opinião da Abraji, é a minha opinião e eu aponto duas dificuldades. A primeira é a falta de formação do jornalista que tem certa dificuldade em aceitar que não basta só o trabalho no dia a dia e não basta só a faculdade. É preciso fazer cursos, participar de congressos, discutir a profissão, discutir técnicas e isso no Brasil ainda sofre resistência. É difícil ter um grupo que frequente com assiduidade os seminários, queira aprender com a experiência dos outros e leia livros. E esse é um campo em que a Abraji atua bastante. O outro problema é financeiro. Poucas empresas no Brasil têm dinheiro o suficiente para financiar uma reportagem investigativa. Então, a gente tem grandes exemplos, tais como o do Thiago Herdy, que é um dos diretores da Abraji, ganhou um prêmio Esso porque foi até Londres percorrer os últimos passos do Jean Charles. Ele fez um acordo com o jornal O Estado de Minas que pagou a passagem. Ele foi durante as férias, custeando a própria estadia. Outro caso é aquele caderno que o Leonêncio Nossa produziu no jornal O Estado de S. Paulo: “As guerras desconhecidas do Brasil”. Não é que isso seja pouco valorizado, é que não se tem dinheiro para valorizar o jornalismo investigativo.