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No meio do caminho, havia uma cama

- 13/12/2011

Coletivo de arte urbana tenta preencher o cotidiano das cidades com intervenções ambientais

Por José Marques e Vitor Villar

"Cama" é um dos trabalhos mais famosos do Gia. Crédito: Reprodução

Imagine que um dia você está andando por um grande shopping de sua cidade e, de repente, encontra um balão flutuando sobre um dos pátios do local. Preso a ele, uma mensagem pedindo para que você vá a um mercado popular da sua cidade – no caso citado, a Feira de São Joaquim, em Salvador. Como você reagiria? Refletiria sobre a provocação, daria risada do acontecido?

Este efeito é justamente o que o Grupo de Interferência Ambiental (Gia), quer “produzir” nas pessoas. O nome dúbio pode até levar alguém a pensar que se trata de mais um grupo de ambientalistas, mas não: este é um coletivo de arte urbana.

A professora de História da Arte, Ludmila Britto, uma das integrantes mais antigas do Gia, explica o nome do grupo. “Poderia ser ‘interferência urbana’, poderia ser ‘intervenção urbana’, poderia ser uma série de coisas que, no final, significaria ‘agir na rua’. Quando a gente fala em ambiental, significa vários ambientes. Então pode ser em uma galeria, uma instituição, uma faculdade, ou na rua. Preferencialmente na rua, porque é o acesso mais democrático que existe à arte”, ressalta.

Matéria-prima

Mexer com as pessoas e os ambientes urbanos é a principal marca do trabalho do Gia, tanto que esses elementos são tratados como matéria-prima por seus integrantes. “O que a gente chama de intervenção urbana trabalha com todas as técnicas possíveis, desde materiais gráficos, como cartazes, panfletos e stencil até performances, que usam o próprio corpo do artista para a obra acontecer. Mas tem uma coisa muito importante nisso tudo que é a participação do público. Todos os trabalhos têm que ter essa participação, essa interação com o público para acontecer”, exalta Ludmila. A ação dos balões, que ocorreu no Shopping Iguatemi de Salvador, por exemplo, é uma prova disso. “Elas propõem esse deslocamento, de sair de um local restrito, que dizem ser público, mas que a gente sabe que não é, e ir para um local mais popular”.

"Vá à Feira de São Joaquim": um registro do que foi a intervenção no Iguatemi de Salvador. Crédito: Reprodução

Simples e profundo

O Gia surgiu em 2002, por iniciativa de estudantes da Escola de Belas Artes (EBA/UFBA). Ludmila, com quem conversamos, entrou no grupo em 2004. Sua inserção, como explica, “foi bem natural”, já que era amiga dos integrantes e acompanhava as ações do coletivo – ainda um tanto tímidas – naquela época. De lá para cá, foram inúmeros trabalhos com o grupo.

Cristiano Piton e Ludmila Britto, integrantes do Gia, onde tudo começou: a Escola de Belas Artes da UFBA. Crédito: Vitor Villar

Dos projetos realizados pelo Gia, a hoje professora da EBA destaca “A Cama” como um dos mais significativos. A idéia é simples: montar uma cama em algum local movimentado da cidade – Praça da Piedade e Praça do Campo Grande, em Salvador, e Avenida Paulista, em São Paulo, por exemplo – e dormir nela durante algumas horas do dia.

O efeito, porém, é profundo, como destaca a professora e arquiteta uruguaia, Alejandra Muñoz, em seu texto “Entre Dois Nadas o GIA”. “Em alguns trabalhos do Gia, a exemplo de “A Cama”, a justaposição de objetos descontextualizados lembra o ‘método paranóico-crítico de sistematização da confusão’ de Dali, que servira de base para numerosas associações e inter-relações delirantes em várias obras. O delírio aqui não é ver o objeto “cama” e uma pessoa dormindo na praça, mas sim a indiferença da sociedade diante da cena cotidiana de pessoas que dormem na rua”.

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“Os Balões”, “Caramujo”, “Por uma guerra mais justa” e “Cama”, alguns dos trabalhos do Gia

“Os Balões” é outro trabalho que mostra a natureza ao mesmo tempo efêmera e profunda das intervenções do Gia. O processo lembra um pouco aquela ação do shopping, mas o ambiente e os indivíduos agora são outros. “Na época da invasão americana no Iraque, a gente resolveu soltar de um prédio bem alto, 500 ou mil balões vermelhos com mensagens amarradas neles. Do tipo ‘e se fosse uma arma química?’, ‘e se fosse uma bomba atômica?’. Aí as pessoas na rua pegavam os balões. Inicialmente você tem uma idéia festiva, de balões no céu e tal. Mas quando você entra em contato com a informação, acontece uma quebra, que gera uma reflexão”, explica Ludmila Britto. O sucesso fez com que a ação fosse repetida em outras cidades do país. “O primeiro foi na Avenida Princesa Isabel, na Barra, aqui em Salvador, mas foi feito também em vários locais, como Recife, Rio de Janeiro e São Paulo”.

Reações diversas e adversas

A natureza itinerante das suas ações é um dos trunfos principais do coletivo. Para os integrantes, realizar projetos em diversas cidades é uma forma de ampliar a noção da sua arte, já que, em cada local do mundo, as reações são bem diferentes.

“A gente viaja muito fazendo os trabalhos e o legal é que, em cada lugar, as reações são bem distintas. O contexto muda, então as reflexões também mudam com os contextos”, esclarece Ludmila Britto. Mas não há como generalizar. “Cada ação tem sua reação. Têm aquelas pessoas que interagem, outras que não entendem e vão embora, alguns que nem olham… Não tem mesmo como generalizar as reações, elas são as mais diversas possíveis”, completa.

Diante de tantas reações distintas, existem também aquelas que são adversas. Por agir em espaço público, a polícia é, por vezes, um obstáculo para os trabalhos do coletivo, indagando qual é a intenção deles ou os “convidando” a se retirarem do local.

Nunca houve, contudo, uma reação muito hostil, como destacam os integrantes. Uma das poucas exceções aconteceu em Vitória, no Espírito Santo, quando o Gia realizava uma ação dentro de um shopping center, semelhante àquela que abriu esta reportagem. “Os seguranças do shopping começaram a se comunicar, até que apreenderam os integrantes do Gia e mais um pessoal que estava com a gente. Aí tivemos que nos explicar sobre o que era, qual era nossa intenção… No Iguatemi de Salvador começou a ter algo parecido, um pessoal olhando estranho, mas aí a gente foi embora”, lembra Ludmila.

Conheça mais trabalhos do Gia

“Degrau”

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Nesta intervenção, os integrantes do Gia acompanham a movimentação dos pontos de ônibus e colocam um degrau amarelo para ajudar as pessoas a subirem no veículo, normalmente muito alto. As reações, como é possível ver no vídeo, são as mais diversas.

“Político do Sorriso Amarelo”

Crédito: Reprodução

Ocorreu na época das eleições municipais de Salvador, em 2008. A intervenção era simples: pintar de amarelo o sorriso dos políticos nas peças publicitárias espalhadas pela cidade.

“Não-propaganda”

Crédito: Reprodução

Cartazes, panfletos, placas amarelas que não dizem nada. Essa é a ideia da “Não-propaganda”. O Gia já realizou esta intervenção em diversos locais, como na festa de 2 de julho, que acontece em Salvador. No caso, o coletivo usou as placas amarelas para tampar as publicidades dos políticos.

“Por uma guerra mais justa”

Crédito: Reprodução

Aqui, o grupo faz uma inusitada sugestão: e se a disputa entre os Estados Unidos e os países emergentes fossem como uma brincadeira de futebol na ladeira, muito comum nos bairros populares do Brasil? Para quem nunca jogou uma pelada num terreno íngreme, é muito difícil de controlar a bola para quem está no terreno mais alto. A intervenção foi realizada em bairros de Salvador e também de outras cidades, como Belo Horizonte.

“Cerveja Gia”

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Trata-se de um produto “criado” pelo Gia. Uma cerveja que embala as reuniões e encontros do grupo. Seu diferencial está no “tipo surpresa”, pois cada garrafa traz um novo sabor. Tente desvendar a “fórmula secreta”!

“SambaGia”

Crédito: Reprodução

Trata-se do projeto mais atuante do Gia no momento. O grupo sempre teve o costume de criar um samba para cada intervenção que era realizada. Quando todas essas canções se juntaram, nasceu o SambaGia. Esse é o nome da festa organizada pelo coletivo, onde eles executam as músicas referentes aos projetos realizados, com os próprios integrantes tocando os instrumentos. A intenção deles, além de se divertirem e reunir os amigos, é divulgar suas ações, já que, cantando junto as letras, o público acaba conhecendo o trabalho do Gia. O evento é sempre gratuito.

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