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O antigo não sai de moda
Ariadiny Araújo e Raquel Saraiva - 08/10/2018Produtos que remetem a décadas passadas caem no gosto dos brasileiros e ganham cada vez mais a preferência dos consumidores
por Raquel Saraiva e Ariadiny Araújo
Objetos do passado muitas vezes são associados a desgaste, poeira e mofo. Entretanto, o antigo tem sido cada vez mais valorizado, virando conceito na ambientação de estabelecimentos e sendo ainda utilizados no dia-a-dia. O empresário e colecionador de objetos antigos Antônio Portela, 62, possui objetos dos tipos mais variados, desde uma bomba de combustível, som e televisão dos anos 1960 a uma máquina de escrever antiga decorando sua casa.
Ele ainda dirige um táxi londrino com design da década de 1950 e uma Kombi de 1970, que fazem sucesso por onde passam, além de coleções de vinis, peças de porcelana, fotos, quadros, soldados de chumbo e outras.
“Não gosto muito do moderno, sempre gostei do retrô. E acho que ele não deveria morrer”, defende Portela.
Mas, não é qualquer antiguidade que agrada o apaixonado. Ele tem preferência por antiguidades pós-industriais, pós-Primeira Guerra e do estilo art-decó. “A forma é exótica, e eu gosto disso”. Difícil mesmo é convencer a esposa, a professora de dança Gal Sarkis, da importância de manter tanta exoticidade dentro de casa. “Ela não se importa, mas não dá o mínimo de valor (risos). Se eu falar pra ela que já paguei R$ 500, R$ 1.000 num disco, ela tem um troço. Isso é uma coisa que só quem gosta que dá valor”.
Ouça um trecho da entrevista com Antônio Portela:
Lembranças
Apelando para a nostalgia, diversas marcas têm apostado em conquistar clientes resgatando a identidade visual e as características de produtos que fizeram sucesso no passado. Algumas apostam até no relançamento de antigos sucessos que caíram de moda.
É o caso da Tectoy. Em 2017, a empresa relançou o Mega Drive, videogame de cartucho que foi sucesso brasileiro nos anos 1980 com a pergunta “Todos que tem ou tiveram um Mega Drive tem ao menos uma história pra contar. Qual é a sua?”.
Na contramão de jogos com gráficos cada vez mais realistas e de histórias imersivas e com maior possibilidade de desenvolvimento, o apelo às boas lembranças fez muito marmanjo pagar cerca de R$ 400 para rever as imagens pixeladas no videogame que traz ainda 22 jogos antigos, como Sonic.
“Esses jogos trazem boas lembranças de outra época. Além disso, são clássicos que sobreviveram ao tempo, e, até hoje são referência. As músicas são excelentes, os desafios são muito bons, às vezes melhores que os dos jogos novos”, diz o programador Victor Correia, de 36 anos, grande fã de jogos de Megadrive, como Streets of Rage, lançado em 1991.
Ele destaca até a limitação gráfica dos jogos da época como positiva. “Você tinha que imaginar mais coisas. Hoje os jogos te guiam bastante, não tem tanto espaço pra imaginação”.
Também em 2017, Victor adquiriu um Nintendo Classic Mini logo após seu lançamento nos EUA. O remake dos anos 1990 esgotou poucas semanas após chegar às lojas. O gamer assumido não se arrependeu de adquirir a relíquia repaginada por U$ 100, cerca de R$ 385 em valores atuais – após sumir das prateleiras, o Nintendo pode ser encontrado na mão de revendedores por pelo menos o dobro do valor.
Estratégia
Muitas marcas exploram o estilo antigo para se reposicionar no mercado, adicionando significados e identidade aos produtos oferecidos. Essa estratégia foi utilizada pela carioca Granado, fundada em 1870, no Rio de Janeiro, quando buscou se expandir no país.
Até 2005, quando foi inaugurada a primeira loja-conceito da Granado do Brasil, no Rio de Janeiro, os produtos eram encontrados principalmente em supermercados e farmácias, ou em uma outra loja existente na cidade. “Quando começou se a pensar na modernização da marca, ficou claro que o que a empresa tinha de mais rico era o seu acervo, que foi muito bem conservado pela família Granado”, afirma a empresa em seu website.
A decoração vintage, com vitrines originais, propagandas de época, quadros, embalagens ‘centenárias’ e até o piso de ladrilho hidráulico contribuem para remeter ao ambiente das “pharmácias” do Século XIX. Ainda que o consumidor esteja passeando por um shopping moderno, entrar em uma loja da Granado o leva a uma viagem no tempo.
A estratégia parece que deu certo: a Granado se popularizou, conta atualmente com mais de 50 lojas no Brasil e no exterior, e os produtos continuam com cara de saídos da penteadeira da vovó.
Saudosismo
Segundo especialistas, a principal explicação para a atração pelos produtos retrô está ligada à romantização do passado. O produto acaba representando um apelo à nostalgia, parte de uma história mais doce e feliz – ainda que não tenha sido experimentada.
“Tinha muitas referências com meus vinis, por isso guardei. Minha mãe que me deu meu Abbey Road, dos Beatles. Era uma coisa muito esperada, muito cuidada. O vinil estava muito mais próximo de você do que uma música no Spotify está hoje”,
explica Portela, que não se desfez dos vinis nem depois que eles foram praticamente tirados do mercado pelos CDs, nos anos 1990.
A pesquisadora de marketing Alinne Morais explica que a nostalgia torna os produtos retrô mais atraentes por causa do apelo de levar o consumidor ao passado. Em um trabalho intitulado “Design retrô e marketing do saudosismo: influência da tendência nostálgica no comportamento de consumo”, a pesquisadora e seus colegas explicam que o objeto pode se tornar um suporte para uma memória romântica do passado – como reflexo desses bons tempos, o próprio objeto traz uma sensação reconfortante.
Depois de quase caírem no esquecimento, os vinis têm voltado a conquistar fãs. Além das fábricas que voltaram a prensar os bolachões, como a Sony Japonesa, que retornou à atividade em 2017 pela primeira vez desde 1989, as vendas de discos no mundo aumentaram consideravelmente nos últimos anos. Nos EUA, a venda de vinis movimentou cerca de U$ 13 milhões em 2017, contra cerca de U$ 2,8 milhões em 2010.
“Eu guardei numas caixas embaixo da cama. Deu vontade de ouvir de novo, colecionar de novo, e depois de alguns anos o vinil voltou a se popularizar”, conta. Hoje, Portela conta com mais de 2.000 vinis, e garante que ouve todos. Um dos mais valiosos da sua coleção, uma prensagem rara dos Beatles feita para o mercado norte-americano, vale cerca de R$ 3.000.
No Brasil, o crescimento é percebido pelo aumento na oferta de vinis e vitrolas em grandes lojas. Um grupo de amantes de vinis organizado por Portela no Facebook, o Vinil Radical, conta com mais de 25 mil membros. Nele são postados resenhas sobre vinis que podem ser comentadas. Eventualmente, Portela organiza ainda a Feira do Vinil no bairro do Rio Vermelho, onde vinis usados podem ser comprados ou trocados. A Feira chega a contar com mais de 150 visitantes por final de semana.
O vinil, assim como o gosto pelo antigo, parece que voltou para ficar. “É difícil carregar um vinil, você leva um pen drive. O vinil não vai mais embora. Mas hoje temos várias mídias que convivem perfeitamente em harmonia” destaca Portela. Parece que o novo e o antigo fizeram as pazes.