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O envelhecer feminino
- 04/05/2016As mulheres tomaram a palavra, falaram com convicção e mostraram como é o envelhecer para elas
Lorena Correia | Foto destaque: Montagem de Lorena Morgana
Mesmo com os anos passando cada vez mais rápido e o envelhecimento se prolongando, ser idosa para a professora Hermínia Freitas, 65, é apenas uma consequência positiva da vida. Como nunca gostou de ir para salões ou fazer cirurgias, para ela ajeitar os cabelos cacheados e passar um bom batom já é mais do que suficiente para se sentir bela.
Sorridente, enquanto mexe em seus cachos grisalhos, ela diz que vai ganhar dois netos este ano o que, para ela, é mais um ponto importante em ser idosa e avó também. “Nunca fiz cirurgia plástica e nunca gostei muito de pintar o cabelo, e para completar acho que fui privilegiada quando os meus brancos surgiram como se fossem luzes. Então eu sempre brinco que eu fui presenteada com luzes naturais”, ela confessa.
Mas, para outras, é só o corpo começar a envelhecer, para os cuidados se tornarem ainda maiores. A rotina de muitas mulheres quando envelhecem passa a se dividir entre a casa, o trabalho, filhos, netos e mudanças na pele e nos cabelos. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), aproximadamente 15% das mulheres acima dos 60 anos buscam a realização de intervenções estéticas. Tudo por um rejuvenescimento facial, com a diminuição de manchas e rugas, através de cirurgias, cremes e um procedimento estético bastante procurado em clínicas especializadas: a famosa toxina botulínica ou como é popularmente conhecida, o botox.
“As mulheres acima dos 60 procuram mais rejuvenescer o rosto, fazem lifting de face (para tirar aquela ‘papada’ do pescoço), além de procedimentos não cirúrgicos, como botox, para aliviar as rugas e cirurgia de pálpebra, que ao passar do tempo à pessoa tende a ficar com flacidez na parte superior do olho, o que atrapalha até a visão. E até os 40, 50 anos geralmente elas querem arrumar os seios, o abdômen”, explica a cirurgiã plástica e membro da SBCP, Fernanda Serra.
Em meio a uma vida corrida de trabalho e apresentações como ‘fada’, a mestre de reiki e vendedora Odara Braun, 72, realiza intervenções no corpo há quatro anos com o objetivo de se sentir mais leve e bem com seu próprio corpo. “Acho que a idade não é limite para nada. Uso botox, uma vez no ano para dar uma leveza. Às vezes a pessoa fica com a expressão cansada, e essa aplicação de botox realça o rosto. Também faço limpeza de pele e fiz um procedimento chamado radiofrequência, que é bom para a pele do abdômen, para não envelhecer e não ficar flácida”, esclarece Odara.
Realizar cirurgias plásticas exige grande cuidado e acompanhamento médico com o paciente, principalmente quando são mais idosas. Dessa forma, exames pré-operatórios são necessários, para se fazer uma triagem e verificar como está a saúde das pacientes, a fim de garantir que o procedimento dê certo. Quanto mais avançada à idade, o surgimento de doenças como hipertensão e diabetes são mais frequentes. Entre os exames que geralmente são feitos, estão o eletro e ecocardiograma, além dos laboratoriais. “Toda cirurgia plástica tem risco. É fator fundamental, para fazer uma cirurgia, estar bem de saúde. Por isso investimos muito no pré-operatório. Não impede da pessoa operar se ela tiver alguma doença, mas que essa doença esteja controlada”, conta a cirurgiã Fernanda Serra.
Essa vontade de querer mudar o próprio corpo começa a fazer parte da vida de muitas mulheres em etapas diferentes da vida. Conforme a psicóloga Márcia Teixeira, especialista em saúde coletiva, aceitar a velhice ou querer alterá-la tem uma relação com fatores comportamentais e também psicológicos. “O envelhecimento é consequência da vida, porém cada um o vivencia de um modo bem peculiar e de acordo com sua história. A mulher, principalmente, possui dificuldade para lidar com essa nova imagem que surge. Os padrões de beleza traçados hoje em dia tornam o envelhecer ainda mais difícil, e passamos a nos sentir velhas através do olhar do outro, sem termos experimentado, de fato e em verdade, as mudanças que a velhice impunha”, explica.
Intervenções reparadoras
Há quem pense que mulher só quer ir para clínicas fazer cirurgias e melhorar a aparência apenas por questões estéticas. Porém, há aquelas que procuram reparar um lado do rosto que é diferente do outro, parar com o excesso de suor nas mãos e axilas (a chamada hiper-hidrose) ou diminuir as mamas por causa de uma insistente dor nas costas. E para combater esses problemas no corpo, a distância não é um obstáculo, pois a cirurgia é uma forma de melhorar a qualidade de vida.
Esse é o caso de Dona Joselina Ferreira. Aos 67 anos, ela saiu do município de Tucano, no nordeste baiano, em março deste ano, com destino a Salvador para obter a tão esperada redução dos seios. Movida pela busca de uma sensação de alívio e pelo fim das insistentes dores nas costas, Joselina juntou dinheiro e viajou para Salvador para realizar aquilo que queria desde mais jovem.
“Na juventude fui percebendo que minha mama direita era um pouco maior que a outra e eu sentia peso também. As roupas nunca ficavam bem. Eu sempre tinha vontade de fazer algo, mas nunca dava. Passei a juntar dinheiro e consegui fazer a cirurgia em março. Ainda estou me recuperando, mas a sensação é muito boa, e aumentou a minha autoestima”, diz Joselina.
Existem casos em que um mesmo procedimento é usado tanto para estética quanto para questões reparadoras. De acordo com a especialista em dermato-funcional, Marina Ribeiro, o uso do botox pode se encaixar nesse caso. “A pessoa tem uma ruga, ela quer minimizar aquela ruga, então vai e aplica o botox. Mas tem pessoas que têm má simetria no rosto, um lado é diferente do outro, um olho é mais fechado do que o outro, uma parte da boca puxa mais do que a outra, então elas não se identificam com aquele rosto. Aplica-se o mesmo botox que a outra aplicou para poder melhorar a ruga, porém para deixar um lado parecido com o outro e ficar simétrico. É com o mesmo profissional, é na mesma clínica, mas nesse caso é uma questão reparadora”, ela explica.
As cirurgias ou retoques feitos por mulheres acima dos 60 anos mostram que elas mudaram o comportamento. Elas modificaram aquele perfil das senhoras de antes, que costumavam viver em casa costurando ou cuidando dos netos. Hoje em dia estão ainda mais ativas e realizam atividades que podem ser feitas independente da idade. “Antes a mulher olhava muito para a família, para seus fazeres domésticos e não olhava muito para si. Elas se dedicavam mais para os outros, e hoje elas conseguem se dedicar mais para elas, mesmo com as várias funções que possuem”, conclui Ribeiro.
Estudos sobre o envelhecer feminino
Em Salvador, o Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim), que atua na Universidade Federal da Bahia desde 1983, realiza pesquisas e teorias sobre causas feministas. Fundadora do Núcleo, a professora de sociologia Alda Motta é um exemplo da atividade e disposição em mulheres que passaram dos 60 anos.
Aos 84 anos, Alda permanece a todo vapor com suas pesquisas, livros e artigos sobre assuntos ligados à mulher, mas principalmente sobre o tema velhice. “Uma coisa que me preocupa nisso [ser idosa] é o modo como a mulher é tratada, do que se tem ou não cabelo branco. Uma mulher idosa é uma mulher que viveu mais do que outras, que tem experiências a mais. Vejo a velhice como um prolongamento da vida”, afirma.
O Neim já se desdobrou em vários fluxos, sendo mais do que um instituto da mulher, mas de gênero. Começou com a pós-graduação, e agora tem mestrado e doutorado em gênero e feminismo. Alda Motta tem várias linhas de pesquisa sobre desigualdade e alteridade, sobre a questão de gênero, de idade e geração, e a questão do envelhecimento. E após anos de pesquisa, demonstra que a dificuldade de muitas pessoas em se aceitar ou aceitar o outro como idoso é o peso que a própria palavra “velhice” carrega, mesmo com tantas atividades ou cursos voltados para este tipo de público atualmente.
“Uma pessoa há alguns anos me perguntou, ‘você ainda está na ativa?’, tive aquele rompante, e disse que escreveria um artigo intitulado “Ainda”. Que de repente é assim mesmo: ainda trabalhando, ainda viajando sozinha, ainda escrevendo, ainda mil coisas. E a gente é a mesma pessoa que sempre foi”, diz a pesquisadora.