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“O mercado exibidor foi organizado para o filme importado”, afirma Solange Lima
- 21/11/2011
Diante da sua experiência com produção de filmes aqui na Bahia, como você enxerga a etapa da distribuição para longa-metragem? Acredita que é possível conquistar um público nacional?
S. L.: Como em todo País e 90% dos países do mundo. Acredito, claro. Na verdade, já conquistamos. O que falta é uma ação do governo no sentido de criar condições para que as salas no Brasil não sejam ocupadas em 92% por filmes americanos. Para que possamos ter espaço para nossos filmes, vai depender de cada produtor/distribuidor criar sua alternativa para distribuição, pois cada filme tem o seu público.
A maioria dos filmes baianos, e até nacionais, não consegue chegar ao circuito comercial. Quais são as formas de viabilizar uma distribuição na escala ou semelhante ao que foi feito agora com “Capitães da Areia”?
S. L.: Capitães da Areia teve distribuidora desde o início do projeto. Isso é uma garantia de que o filme estará no mercado assim que ficar pronto. Por outro lado, Capitães poderia estar neste momento batendo as bilheterias de todo o Brasil, mas não está. E não é porque o filme não seja bom, é por que o público que tem acesso a informações de que o filme está em cartaz é o publico que vai ao Multiplex e vê o trailler, ou que tem TV fechada, que vê o Telecine. Logo, um público reduzido. Mesmo assim a diretora está em uma corrida paralela: indo nas escolas e universidades fazer palestras, dar entrevista nas rádios, jornais, nos festivais, etc.
O Mesmo está acontecendo com o filme “Filhos de João”, lançado de forma mais guerrilheira por ter uma distribuidora menor. Mas o diretor também está muito a frente na luta para mantê-lo em cartaz, e está conseguindo, pois já está na 14ª semana. Isso é inédito no cinema, principalmente por se tratar de um documentário. O “Bahia Minha Vida”, outro filme baiano em cartaz, de um diretor estreante, também está muito bem. Com uma boa propaganda local e nas redes sociais.
Porém, para mim, falta no Brasil uma difusão mais agressiva, como acontece nos filmes Americanos ou até mesmo com os da Globo Filmes, que têm o apoio do maior veículo de comunicação do país. Os filmes por ela lançados estão até na boca dos atores das novelas, o que faz com que o público vá ver o filme porque a TV está em todos os lugares e lares.
Você já produziu curtas também. Como enxerga o processo de distribuição dos curtas?
S. L.: Neste momento de novas mídias, o curta é o melhor formato para dialogar com todas as teles e todas as telas.
Vê espaço para eles além dos festivais?
S. L.: Claro. A ABD Nacional há 10 anos vem construindo um projeto que intitulei “O curta em todas as telas”. É um projeto de inserção do curta no mercado, em todos os veículos. Em um momento em que tudo é veloz, ele tem curta duração e pode ser veiculado no avião, no ônibus, no metrô, estações rodoviárias, transbordos, aeroportos. Ou seja, nos 10 a 15 minutos que você espera um ônibus ou está nele, ou mesmo em um avião ou sala de espera de um consultório médico, você vê um curta. Logo “O curta é legal” e pode vir a ser “rentável” se a proposta que criamos for de fato implantada pelos gestores da política do audiovisual do nosso país.
Como você enxerga os festivais brasileiros? E os baianos? Como você caracterizaria eles enquanto espaço de distribuição?
S. L.: O festival é como uma feira do filme, onde você tem diversos tipos de produtos para escolher. Por outro lado você negocia, conhece pessoas, diretores conhecem outras equipes, atores trocam endereços pensando nos próximos filmes que farão. Ou seja, sofisticadamente o festival passa a ser a primeira vitrine dos filmes, e conseqüentemente dos profissionais. E a depender dos prêmios e das críticas, os filmes e seus autores poderão afirmar-se, consagrar-se ou não, o que não lhe garante o sucesso na bilheteria. Isso vale para qualquer produção regional. Quanto à distribuição, acho que o potencial dos festivais ainda é pouco aproveitado. Muitos filmes são consagrados neles e depois esperam meses ou anos para serem distribuídos, quando aquele impacto já foi esquecido. E poucos festivais têm mesas de negociação, que poderiam ser o momento da venda do filme.
E como enxerga o fato de alguns filmes fazerem carreira em festivais até mesmo fora do país e não atingirem o público das salas de cinema, às vezes nem mesmo no próprio estado?
S. L.: Há muitos aspectos envolvidos nisso. Antes de tudo, são raras as distribuidoras que incluem os festivais na sua estratégia. Muitas até querem impedir que os filmes participem de festivais. Além disso, o mercado exibidor foi organizado para o filme importado, a produção nacional em geral só pega as sobras de datas. E a coisa mais difícil de encontrar num festival é distribuidor. Então os festivais só interferem no caso de distribuições independentes ou quando uma distribuidora maior fatura em cima de um prêmio num grande festival internacional, como Berlim, por exemplo.
Exemplo eu tive com o filme ‘Estranhos’, do Paulo Alcântra, que produzi. A roteirista escreveu uma história popular e o diretor conseguiu ser fiel a esta idéia, pois o público ri e fica em suspense na hora certa. O filme recebeu aplausos em cena aberta, uma platéia de mais de 3 mil pessoas. Mas no outro dia, a crítica escreve: “Embora o público tenha gostado, a crítica não aprovou”. Este filme era para estar “bombando” nas salas de cinema. E o que impediu isso? Acontece que é um filme de baixo orçamento, com recursos para ser feito, mas sem verba para comercialização. Você mal pode fazer uma cópia pra entregar à ANCINE, e mais uma ou duas para exibir nas salas. Então ou você faz um lançamento alternativo, ou conta com a sorte de um distribuidor grande se interessar. Mas para isso ele precisa ter visto o filme…
Enfim, não existe nem no mercado nem nas políticas oficiais uma preocupação com a visibilidade dos nossos filmes. E nós, produtores em geral, temos recursos pra produzir, mas não pra comercializar. No caso do filme “Estranhos”, e também do “Jardim das Folhas Sagradas”, que também estamos lançando agora, estamos desenhando uma estratégia ousada, para um circuito alternativo. É uma proposta inovadora, que venho pensando junto aos diretores há uns quatro anos e agora é o momento propício para acontecer.
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