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O outro lado da maternidade

Cássia Carolina - 23/12/2017

Desenvolver o transtorno é mais comum do que se imagina: uma em cada quatro brasileiras sofrem do problema

A maternidade é considerada um dos momentos mais aguardados na vida de uma mulher. Todo o desenvolvimento, desde o descobrimento da gravidez até o nascimento do bebê é um processo que gera expectativas, não somente para a mãe, como para algumas pessoas que a cercam. A questão é que, rodeada de simbolismos, a maternidade às vezes pode ser um momento extremamente complicado para algumas delas, sobretudo para as que passam pela depressão pós-parto (DPP).

Desde que se tem notícia, a pressão sobre o papel de “ser mãe” coloca uma sobrecarga sobre a população feminina. Devido a isso, se constrói em torno dessa figura uma expectativa que exige dela certos sacrifícios, como por exemplo, estar incondicionalmente feliz com o pré e pós-processo gestacional. Dessa forma, em pleno século XXI, ainda é tabu falar de um transtorno que vai contra todo esse estado de “festa” deveria pela chegado de um bebê.

“Às vezes eu não queria nem ver, é horrível! Estava desmotivada, não tinha interesse e nem vontade. Muita gente acha que é frescura”, desabafa a pedagoga Elma Roberta

Uma das vertentes da depressão, a DPP é um assunto pouco discutido, mas que merece atenção. Segundo apontou uma pesquisa feita pela Fundação Oswaldo Cruz em 2016, mais de 25% das mulheres brasileiras desenvolve Depressão Pós-parto, que se caracteriza como um distúrbio que causa uma forte melancolia e afeta o vínculo entre a mãe e a criança. A mulher com esse transtorno pode não sentir afeto pelo recém-nascido, não ter vontade de amamentar nem de cuidar do filho, e em alguns extremos, perde até mesmo a vontade de viver. A depressão pós-parto também altera o humor da mãe, que tende a se isolar.

O estudo entrevistou 23.896 mulheres no país, no período de 6 a 8 meses após o nascimento do bebê. Em Salvador, ainda não há dados sobre o caso, fato que dificulta a procura por tratamento, que é feito através de acompanhamento psicológico e, em situações mais graves, com uso de medicamentos. Mas, afinal, por que algumas mulheres desenvolvem DPP?

Sou mãe, e agora?

Após sofrer de DPP na 1º gestação, Evelim teve mais dois filhos (Foto: Arquivo pessoal)

Desde criança, mulheres são ensinadas a serem mães. Ainda meninas, brincam de boneca e mal percebem como são moldadas e preparadas para esse momento, como se ele fosse ocorrer de forma compulsória e obrigatória. Quando ele, de fato, acontece, o que se espera delas é que sejam incondicionalmente amorosas e que estejam felizes durante todo o processo gestacional, afinal, ele é considerado uma “benção”.

A dona de casa Evelim Cristina, residente em Salvador, tinha 19 anos quando ficou grávida pela primeira vez. Naquela época, ainda muito jovem, entrou em conflito com si mesma, pois não se sentia preparada para ser mãe, e não desejava ainda ter um filho. Apesar disso, levou a gravidez adiante. No entanto, o sentimento não mudou muito após o parto. “Eu achava que não gostava da criança, por isso estava rejeitando meu filho”, contou ela.

Evelim se culpava por não ter desenvolvido laços afetivos com a criança, e conta que, durante aquele período, tinha fortes dores de cabeça, não gostava de ficar muito tempo sozinha, não queria dar mama ao filho e não aguentava nem mesmo ouvir o choro da criança. Por causa desse comportamento, a direção do hospital onde ela teve o bebê resolveu intervir. “As enfermeiras da Maternidade Climério de Almeida falaram com a psicóloga e ela veio falar comigo”, disse ela. A jovem ainda chegou a frequentar algumas consultas e passou a tomar um medicamento para se manter mais calma.

No entanto, mesmo com a intervenção medicamentosa, Evelim ainda se mantinha distante do bebê. Além disso, alguns fatores contribuíam para o estado dela. “Eu não tava com o pai do meu filho e nem tinha muito apoio da minha família”, desabafa. Cinco anos depois, Evelim lembra da história com muito pesar e culpa, pois mesmo com as tentativas, não conseguiu manter uma boa relação com o filho. “Entreguei ele ao pai quando tinha dois meses. Eu tive mais duas crianças e também passei por um pouco de dificuldade no início, senti tudo de novo. Mas, não consigo me aproximar do meu primeiro filho e não consigo ir até o fim do tratamento”, completa a jovem, que ressalta ainda que não gosta de falar sobre o assunto.

O caso de Evelim não é isolado e segundo o estudo da Fiocruz, várias características a colocam dentro das estatísticas, já que, de acordo com elas, a maioria das mulheres que sofrem do transtorno no Brasil são da cor parda, tem em média 25 anos, baixa condição econômica, hábitos não saudáveis, já tinham outros filhos ou não planejaram a gravidez.

A pedagoga Elma Roberta Rodrigues, também moradora da capital baiana, passou por uma situação semelhante ao ser diagnosticada com DPP. Ela enfrentou o problema em sua primeira gravidez, aos 28 anos. Na ocasião, descobriu que estava grávida já aos cinco meses de gestação. “Na época meu ex-marido, pai da minha filha, achava que eu sabia que estava grávida e estava escondendo. Então, dos cinco aos nove meses, foi um período muito difícil e de muito estresse”, relata a pedagoga.

Elma percebeu algo de errado cerca de duas semanas depois do parto, quando começou a se sentir muito triste. Ela, porém, já tinha desconfiança de que estava enfrentando uma depressão pós-parto, pois já havia ouvido falar do assunto. “Eu gosto muito de ler e de me manter informada, então eu sabia mais ou menos. Mas, a gente nunca acha que vai acontecer com a gente. Eu colocava na minha cabeça que não podia ser uma depressão”, conta.

Com o tempo, Elma já apresentava os sintomas, como muita angústia, tristeza, choro constante e tinha medo de sair da cama. A condição de melancolia a fazia se sentir culpada, pois sabia que a filha precisava de seus cuidados. “Eu tinha muito medo e vergonha de procurar ajuda, minha mãe que percebeu minha situação e falou com uma tia minha, que quis me ajudar”.

Perguntada sobre os motivos que podem ter desencadeado o transtorno, Elma descarta a hipótese da pressão sobre “ser mãe”. Conta que o momento da maternidade era muito esperado por ela, e que, inicialmente, gostava muito de cuidar da filha. Com o passar dos dias, Elma soube que precisava buscar ajuda, pois a angústia havia aumentado e se sentia cada vez mais distante do bebê. “Às vezes eu não queria nem ver, é horrível! Estava desmotivada, não tinha interesse e nem vontade. Muita gente acha que é frescura”, desabafa a pedagoga.

Elma Roberta em sua primeira gravidez. (Foto: Arquivo Pessoal)

Após procurar por ajuda, Elma foi obteve a confirmação da DPP. O tratamento da mesma incluiu passagem por psicólogo, psicoterapeuta e neurologista e também chegou a tomar medicações indicadas. Ela diz que se sentiu “aliviada”, pois com o procedimento, pôde evoluir e retomar parte de sua vida, já que a depressão tinha afetado sua vida drasticamente; ela já não tinha mais vontade de se alimentar, não dormia e por vezes, nem queria levantar da cama. Seu tratamento também incluiu terapia ocupacional.

Apesar do período turbulento que enfrentou, Elma diz que hoje, aos 35 anos, tem uma ótima relação com a filha. A pedagoga ressalta que, com a experiência, procura ver a situação das pessoas com novos olhos. “A depressão é algo muito difícil”, completa, ao afirmar que tem vontade de ajudar outras que enfrentam o mesmo problema.

As histórias de Evelim e Elma deixam em evidência um fator muito fundamental: a importância do diagnóstico. Só através dele é possível confirmar o transtorno de DPP e, dessa forma, iniciar o tratamento, que, na maioria das vezes, costuma ser altamente eficaz.

Baby Blues x DPP

Ainda que um dos sintomas do transtorno seja o estado de melancolia atravessado pela mãe, é importante ressaltar que, nem toda tristeza aguda após a gravidez signifique, necessariamente, que a mulher está com DPP. Segundo a Dra. Fernanda Andrade Leal, psicóloga e pesquisadora da área, existe uma diferença entre esse tipo específico de depressão e outra doença comportamental chamada de Baby Blues, conhecida também como tristeza materna. “É um quadro muito semelhante de humor depressivo e os sintomas são muito parecidos. A gente diferencia entre um e outro quando tem esse fator que incide sobre o bebê, quando o vínculo entre ele e a mãe fica um pouco afetado”, esclarece a profissional.

Ela explica que vários fatores podem ajudar a desencadear o problema e geralmente vem de um histórico prévio, como uma patologia mental anterior – nem sempre necessariamente a depressão –, o relacionamento com o parceiro que não está muito bem, ou uma relação conturbada com a própria mãe da gestante. Todos esses fatores de risco formam um ambiente propício para desenvolver o problema. Segundo a doutora, outros aspectos como ansiedade podem também contribuir, mas, na maioria dos casos, se deve à condição familiar.

“Elas não querem ser taxadas como mães que deprimiram no pós-parto, pois isso é visto de forma extremamente negativa, então trabalhamos essa questão da ‘culpa’”, diz a psicóloga Fernanda Leal

Fernanda também acredita que a pressão sobre a figura da mãe funciona como um dos fatores mais agravantes. “Existe o ‘mito materno’ e essa idealização pode aumentar as chances de desenvolvimento de uma patologia. A mãe já se encontra em um estado de vulnerabilidade psíquica, ou seja, está sensível emocionalmente e essa exigência social piora o estado dela”, exemplifica.

Diferente do Baby Blues, onde não há necessidade do uso de remédio, a DPP alia a medicação ao tratamento psicológico e psiquiátrico. Para tratar as mulheres diagnosticadas, a especialista explica que é necessário, inicialmente, trabalhar a autoestima da mãe. “Elas não querem ser taxadas como mães que deprimiram no pós-parto, pois isso é visto de forma extremamente negativa, então trabalhamos essa questão da ‘culpa’”, diz Fernanda.

A psicóloga Fernanda Leal atende mulheres com depressão pós-parto

Como qualquer outra forma de depressão, a do pós-parto pode levar meses para um tratamento efetivo e depende muito da imediata procura por ajuda. Quanto mais cedo o diagnóstico é feito, mais rápido o transtorno pode ser revertido. O que se busca com ele é melhorar a relação entre a mãe e o bebê, além da saúde da própria mulher, que pode perder o apetite ou o sono. “Já atendi algumas mulheres que tiveram a Depressão Pós-parto. Algumas delas eram encaminhadas pelo psiquiatra e outras vinham diretamente para o meu consultório. Uma delas já veio por indicação de um pediatra, e, como estava bem no início, ela logo começou o tratamento e não precisou ser medicada. Todas as outras tiveram que tomar medicação”, conta Fernanda. “É um transtorno de humor, então, a mulher que se trata pode ficar bem depois. Às vezes pode ter consequências na relação dela com o bebê, mas tem cura”, completa a psicóloga.

Pouca informação

Mesmo que a depressão pós-parto atinja uma porcentagem alta de mulheres, pouco se fala sobre o assunto. Na Bahia, os estudos e pesquisas sobre o tema são altamente limitados e nem o Conselho Regional de Psicologia compila dados sobre este transtorno.

Iniciada uma procura por pesquisas do tipo no estado da Bahia, a Rede Técnica Saúde da Mulher indicou a Rede Cegonha Salvador, uma estratégia do Ministério da Saúde, operacionalizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), fundamentada nos princípios da humanização e assistência, além de garantir às mulheres o direito ao planejamento reprodutivo, à atenção humanizada à gravidez, parto e puerpério, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Porém, não há estudos de caso aprofundados sobre a DPP.

Em Salvador, segundo apuração feita pela reportagem, o que se sabe é que não há especificidade sobre os diagnósticos desse transtorno, já que o CID usado para busca – F53, Transtornos mentais e comportamentais associados ao puerpério, não classificados em outra parte –, não está relacionado somente a depressão pós-parto. Sendo assim, não tem garantia que o quantitativo que aparecer de atendimento ou internação tem a ver exatamente com esse problema.

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