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O pagode na ótica de quem faz

- 11/03/2013

Reinaldo Nascimento e Mário Ornellas fazem uma análise do pagode baiano e falam sobre o período em que estavam no auge 

Raulino Júnior

O grupo Terra Samba nasceu em 1991, no Engenho Velho da Federação, em Salvador. Ganhou expressiva notoriedade em 1998, com o lançamento do CD “Ao vivo e a Cores” (Som Livre), gravado em Belo Horizonte, com mais de 2 milhões de cópias vendidas. Em 2009, Reinaldo Nascimento, 42, saiu do grupo e foi substituído por Mano Moreno, ex-Braga Boys. Porém, o Terra, como é carinhosamente chamado, não teve os mesmos méritos. Reinaldo reassumiu os vocais da banda em 2011 e, junto com o percussionista Mário Ornellas, 48, conversa com o Impressão Digital 126.

 

Reinaldo Nascimento e Mário Ornellas, líderes do Terra Samba. | Crédito: Raulino Júnior

 

Impressão Digital 126 – O Terra Samba se intitula como uma banda de pagode? Pergunto isso porque, pela discografia da banda, a gente vê regravações de Cazuza, Cidade Negra, Cássia Eller…

 Reinaldo Nascimento – O Terra Samba é world music. Tem o nome de Terra Samba, mas não ficou preso ao samba. Gravamos samba-reggae, merengue, salsa, misturamos as células. O Terra Samba é assim: tem a célula básica dele, que é o samba, mas a partir disso a gente viaja na música.

Mário Ornellas –  Nós não nos prendemos a ritmo nenhum. Já gravamos samba em inglês. E, há pouco tempo, gravamos em italiano. A gente tem essa característica de misturar tudo.

 ID 126 – Vocês tiveram ascensão muito grande na década de 90, inclusive chegaram a apresentar o Planeta Xuxa em 1998, quando a apresentadora estava em licença-maternidade. Com a saída de Reinaldo do grupo, houve uma baixa e agora vocês estão de volta, com certa repercussão e apelo popular. O que mudou nesse intervalo, mercadologicamente falando?

RN – O samba da nossa linha, voltado para o samba-reggae e para o samba de roda, não existiu neste intervalo. De lá pra cá, não nasceram grupos como o Terra Samba nem como o É o Tchan. Nós tivemos que voltar para mostrar uma ideologia musical. As coisas se misturaram muito. Misturaram funk com o samba e o sertanejo. Tudo foi se misturando pela falta do samba raiz da Bahia. E isso é natural. A luta pela sobrevivência vai gerando essa nova condição musical. Eu vou condenar? O mercado gerou essa outra forma de fazer suingueira, o chamado groove arrastado. É a evolução musical mesmo que gera isso. Tem gente que faz uma música excelente, tem outros que apelam para outro sentido. E aí a música vai.

 ID 126 – Vocês tiveram muita notoriedade na década de 90. Hoje, os holofotes não estão mais voltados para a banda. O que aconteceu? A fórmula desgastou?

MO – Antes, tinha uma coisa muito importante: as gravadoras olhavam para a música baiana e para o samba, o que nos ajudava a fazer uma penetração no eixo Rio-São Paulo e, consequentemente, na mídia. Isso já não tem mais, o que dificulta muito. E também, tivemos uma sorte muito grande, porque um grupo foi surgindo atrás do outro. Primeiro, veio o É o Tchan; depois, a gente, a Companhia do Pagode, o Harmonia do Samba , dentre outros. Isso nos ajudou.

RN – Isso foi uma das coisas, mas fazendo uma autocrítica, acho que a música tem que se renovar, tem que encontrar novos caminhos. Acho que é importante sempre pesquisar, porque a música está sempre em mutação. Eu saí do grupo também, a gente sofreu uma separação. Nessa transformação do mercado, tudo isso, de certa forma, enfraqueceu. Agora, a gente está no reinício, colocando tijolo por tijolo nessa casa para poder retornar no cenário musical.

ID 126 – O que vocês acham do atual momento da música baiana? Quando falo de música baiana, me refiro a todo o tipo de som produzido aqui, não só o axé music.  Nesse sentido, quero que vocês falem detidamente sobre o pagode.

RN – A música feita nos carnavais de dez, 15 anos atrás, era muito melhor do que a que se faz hoje. Nunca mais se teve uma Prefixo de Verão nem uma Milla. O carnaval virou uma festa de objetivos financeiros e perdeu um pouco a arte carnavalesca, a criatividade. O carnaval popular não existe. Hoje, a moda é o carnaval dos camarotes, para uma elite. Tudo isso, de certa forma, transformou o carnaval numa coisa diferente. A música, em si, acaba se tornando a última prioridade. Quanto ao novo cenário do pagode, não gosto nem de comentar, porque são meninos que estão chegando agora. Eles têm uma linguagem do gueto. Outro dia, eu recebi o Igor Kannário num projeto paralelo. Ele cantou as músicas do gueto e eu achei interessante. Algumas coisas são muito legais, outras são desnecessárias. Mas não quero condenar ninguém. Quando os governantes passam a proibir uma determinada música, é porque ela está causando problema. Nós não seguimos essa linha. Fazemos outro tipo de música.

MO – É um tipo de música que a gente não faria.

ID 126 – Quais estratégias vocês utilizam para não ser somente mais uma banda de pagode da Bahia?

RN – É o critério, não é? A gente já deixou de gravar coisa que sabia que ia tocar na Bahia, que ia ser sucesso, mas não tinha a identidade do Terra Samba. Nós já erramos em determinadas músicas, mas agora queremos ser mais criteriosos.

 ID 126 – Fazendo um exercício de profecia, para onde vai o pagode baiano?

RN – O capitalismo está imperando na música baiana. Hoje, se fabricam as bandas. Tem artistas que surgem que eu nunca vi na minha vida. Antes, a gente via os artistas ralando. Saulo é um bom exemplo disso. Veio da Chica Fé, passou pela Banda Eva e hoje está aí. E é fantástico. O capitalismo tirou a essência da verdade da nossa música. Sobre o futuro, eu não sei.

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