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Vila Velha, 50 anos, por Sonia Robatto
- 20/02/2014Texto e foto: Rafael Grilo
Sonia Robatto é uma das personalidades mais importantes da história do teatro baiano. A escritora, editora, produtora e atriz nasceu em Salvador, em 1938. Filha do pioneiro do cinema baiano Alexandre Robatto Filho, Sonia fez parte da primeira turma de alunos do curso de Artes Dramáticas da Escola de Teatro da UFBA, foi uma das fundadoras da primeira companhia teatral profissional da Bahia – a Companhia Teatro dos Novos – e uma das responsáveis pelo surgimento do Teatro Vila Velha. Em entrevista ao Impressão Digital.126, ela fala sobre os 50 anos da instituição que ajudou a fundar.
Impressão Digital 126 – No mesmo momento da fundação do Teatro Vila Velha, surge a ditadura militar, que também completa 50 anos neste ano. De que forma esse período político influenciou as atividades do teatro no âmbito criativo e de gestão?
SONIA ROBATTO – Tínhamos que levar todos os textos das peças à censura, que dizia o que queria cortar ou proibia o espetáculo. Vivíamos apreensivos, por exemplo, porque a peça de inauguração do teatro, ”Eles não usam Black Tie”, era uma considerada subversiva, contra a economia do país, falava sobre o patrão explorando o empregado, lutas de classes. Porém eles apenas cortaram uma ou outra palavra do texto. Dependia de quem estivesse censurando no momento. Também o Teatro era um ponto de apoio das reuniões contra o regime militar.
ID 126 – De que forma a Companhia Teatro dos Novos conseguiu viabilizar a fundação do teatro? Quais foram os maiores desafios?
SR – Nós vimos no Passeio Público [onde hoje se situa o Teatro Vila Velha] um terreno vazio e resolvemos pedir ao então governador Juracy Magalhães que fizesse a doação deste espaço para a construção da sede do Teatro dos Novos. O terreno foi doado “a título precário”. O terreno não é nosso, não podemos vender, só se continuar a ser teatro. Foi uma cláusula que nós estabelecemos. Aquele espaço nunca poderá deixar de ser um teatro. Para construir o espaço, projetado pelo meu irmão, Silvio Robatto, o governo cedeu uma estrutura metálica de um galpão, que estava sem uso. Conseguimos as cadeiras de um antigo cinema de Santo Amaro, que estava fechando, vendendo barato. A prefeitura deu um pouco de dinheiro e começamos a fazer grandes campanhas em Salvador, como a que dizia: “Os Novos aceitam tudo que é velho”, e as pessoas doavam roupas e outros materiais. Uma pessoa telefonava dizendo: “Tem brita sobrando na obra da minha casa” e nós íamos buscar, principalmente eu e Carlos Petrovich, na boleia de um caminhão. Contamos também com a ajuda de artistas baianos como Calazans Neto, Carybé e Carlos Bastos, que doaram quadros para a gente leiloar e investir no teatro. A Bahia nos abraçou, as pessoas queriam que nascesse o teatro. Depois, mantivemos o espaço a partir de um convênio com o governo, que dava uma certa verba e tínhamos que correr atrás para obter o resto.
ID 126 – Ao longo desses 50 anos do Vila, o que mudou em termos de proposta artística?
SR – Falando do palco mesmo, o valor do ator era muito grande, maior do que hoje. Agora muitas vezes a montagem tenta superar o ator e tem uma preocupação mais visual. Antes nós fazíamos tudo, hoje usa-se mais recursos eletrônicos, como vídeos. Tem toda essa linguagem multifacetada. Mas não acho ruim, estamos em um outro mundo e temos que utilizar os recursos desse mundo, desde que não se esqueça que uma peça é feita de atores, da palavra que é dita.
ID 126 – E o que se mantém?
SR – O prazer da criação coletiva, essa liberdade de criar, a possibilidade de dizer o que a gente sente, no fundo de nossa alma, em relação ao mundo, à ditadura econômica, à ditadura do consumo. Estou no teatro, há mais de 50 anos, porque o palco é essencial para a alegria da minha vida. O Vila para mim é uma entidade, ele não é um teatro, é um ser, assim como eu, você. Ele tem sido a casa de muitas gerações de artistas. Desejo que muitos novos artistas continuem nascendo nos palcos do Vila, mantendo aceso os seus brilhos, os seus sonhos.