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Onde está a saúde em Salvador?
Fernanda Lima e João Gabriel Veiga - 23/10/2018Salvador tem unidades de saúde pública elogiadas pelos pacientes, mas enfrenta um problema maior: a má distribuição
Mais de dois milhões de pessoas moram em Salvador. A cidade tem o 9º Produto Interno Bruto (PIB) do país. Mas, para aqueles que precisam da assistência do serviço gratuito de saúde em unidades básicas de atendimento ainda existem problemas. E não são problemas exclusivamente estruturais. A Impressão Digital apresenta, abaixo, como está distribuída a saúde na capital baiana por meio da presença e ausência das Unidades Básicas de Saúde, Unidades de Pronto Atendimento e Unidades de Saúde da Família. Para isso, levanta números relacionados à concentração em alguns bairros em detrimento da ausência em outros. Confira na íntegra:
As UPA’s
Quando pisou num caco de vidro e precisou de atendimento médico, Kátia Conceição, 53, não soube o que fazer. Onde mora, no bairro de Patamares, não há nenhuma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Os locais, em geral, atendem casos como o dela: emergências. Por isso, ela precisou se locomover até ao posto mais próximo, em Itapuã, para ser atendida. A distribuição das redes gratuitas de saúde tem prejudicado a população em situações de urgência: enquanto há concentração em alguns bairros, falta assistência em outros.
A professora de enfermagem, então, gastou 35 minutos para chegar à UPA. No horário de pico, por volta das 17h30, quando ocorreu o incidente, precisou improvisar um curativo para poder chegar ao destino final. Bairros como onde mora Kátia não possuem nenhuma unidade. A Impressão Digital mapeou a concentração pela cidade e observou que as UPA’s estão concentradas em três regiões administrativas de Salvador.
Ela relembra aquele dia, no final de março deste ano:
“Foi a segunda vez que alguém aqui de casa precisou de atendimento e penou; Já se tornou uma questão para quem mora aqui e não tem plano de saúde – ou não quer se locomover para ainda mais longe para chegar a um hospital”.
O hospital com atendimento pelo Sistema Único de Saúde mais próximo dali, afinal, não está nada próximo. É o Hospital Eládio Laserre, no bairro de Cajazeira 2, a 50 minutos do local de ônibus. Nem Kátia nem o marido têm carro. No outro caso em que precisou da UPA para levar o marido, Carlos Maia, 60, com uma lesão na coluna, os dois decidiram ir para o hospital. “Ia demorar quase a mesma coisa, fomos logo para lá”
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), as UPAs estão – ou deveriam estar – instaladas nas redondezas das regiões onde a população se aproxima de 40 mil por m².
O clínico Zé Justa comenta a questão da distribuição das UPA’s. Para ele, confrontado com os mapas elaborados pela Impressão Digital: “a mais grave situação se formos comparar a distribuição das USF’s e das UBS’s, por exemplo”.
“A UPA seria o ponto de partida. A analogia é essa. Se não há ponto de partida, não há dever cumprido. Então, começamos a observar ou sub-atendimento, o que é mais raro, ou um atendimento que já começa com problemas. Uma pessoa com uma lesão não tem condições de, sozinha, seguir para um lugar tão distante”.
A SMS, responsável pela gerência das UPA’S, em Salvador, afirmou à reportagem que está em processo de levantamento de dados para possível abertura de uma nova unidade. Como os estudos ainda são preliminares, não há sequer previsão de qual bairro será beneficiado. Frisa, no entanto, que o problema da distribuição da saúde é “histórico” e “prefeitura tem tentado repará-lo no que lhe cabe”.
As USFs
As Unidades de Saúde da Família (USF) apresentam a maior distribuição por Salvador entre as outras redes de atenção básica gratuitas oferecidas. Dos 58 postos do programa mapeados pela Impressão Digital, há presença em todas as regiões administrativas da cidade. Somente em alguns bairros, como Piatã, Rio Vermelho e Amaralina não há presença de USF’s – embora a distância máxima para chegar a uma dessas unidades, estando nessas áreas, não ultrapasse os cinco quilômetros.
Não há, no entanto, nenhuma regra explícita do Ministério da Saúde que aponte como as unidades devem estar distribuídas. Na verdade, a recomendação existente tem sido cumprida: é recomendável que existam, pelo menos, uma USF por prefeitura-bairro. As razões para que ocorra dessa forma, ao contrário do caso da UPA’s, variam. A médica Lua Sá, que trabalha em uma das unidades para a família, acredita que atual distribuição seja resultado de longos anos de projeto.
“A USF, com algumas modificações do que conhecemos hoje, foram criadas em 1974. A UPA só surge quase 30 anos depois [em 2002]. Essa diferença, de algum modo, tem impacto em como funciona a distribuição. Evidentemente, a atenção ou falta dela é primordial para o cenário que encontramos hoje”.
As unidades de saúde da família, na verdade, também têm um propósito diferente das UPA’s. Enquanto lá, o atendimento é quase sempre, e preferencialmente, de urgência; nas USF’s, há consultas programadas com uma pessoa ou várias de uma mesma família. A intenção é tornar o cuidado à saúde menos emergencial e mais contínuo. Poderia ser entendido, portanto, também como uma forma de inflar os atendimentos nas UPA’s.
A médica Lua acredita que os problemas, no caso de espaços como onde ela trabalha, são outros. O principal deles é a falta de divulgação das ações das USF’s e, por isso, a baixa adesão da população”.
As UBS
Nas 43 Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Salvador, a tarefa é oferecer consultas de clínica geral, enfermagem, pediatria, ginecologia e odontologia durante o horário comercial. Só não é realizado serviço de emergência. Na apuração da Impressão Digital, foram contabilizadas 43 UBS’s em Salvador. Há uma em cada prefeitura-bairro da cidade, porém não em todos os bairros. Barra, Ondina, Graça e Pituba são alguns que estão desamparados dessas unidades.
Segundo uma pesquisa feita pelo Departamento de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte em 2010, aproximadamente 80% dos pacientes das UBS consideram o serviço “bom ou excelente”. Os médicos destes postos foram congratulados por qualidades como “resolutividade”, “humanização” e “solidariedade”. Por que, então, há o que a médica Lua classificou como “baixa adesão”?
“Eu não tenho o costume de ir em unidades públicas de saúde. Onde moro, tem vários consultórios que atendem meu plano de saúde com uma boa infraestrutura. Não conheço [a UBS], então não sei se iria”, diz a estudante de psicologia Janaína Araújo, morada da Pituba.
Nas extremidades
Daniel Conceição, 18, vive em Paripe com a mãe e o pai. Estão cadastrados na Unidade de Saúde da Família Doutor Sérgio Arouca desde que o pai, Mário, 60, começou a precisar de consultas periódicas para tratar a osteoporose, descoberta há cinco anos. Quando precisam, já sabem para onde ir. Já Raquel Moreira, 28, prefere ir em alguma clínica particular. Os pontos de atendimento mais próximos são no Costa Azul e no Candeal. Os dois casos retratam a distribuição da saúde por Salvador, mas também ilustram outra questão: a presença ou ausência das unidades é determinada também por aspectos socioeconômicos.
Paripe e Pituba estão nas extremidades de Salvador. Geograficamente, são separados por uma cidade inteira. Paripe é o bairro com maior número de postos – são cinco, ao todo -, enquanto a Pituba não possui uma única rede de atendimento. Segundo cálculo do IBGE informado à reportagem, a renda média de um morador de Paripe é de R$ 281,24. Já na Pituba, o rendimento médio é de R$ 2.892,25.
A Secretaria Municipal de Saúde afirmou, novamente, que não há critério determinado para a implantação de redes de atendimento. No entanto, a assistência pública está concentrada em áreas mais pobres da cidade. O padrão segue em outros bairros. É o caso de Patamares, Vitória, Itaigara, Caminho das Árvores, Graça,Pituba, Canela, Piatã e Ondina – os dez bairros com maior rendimento médio mensal de Salvador, segundo o IBGE. Nesse locais, não há nenhuma UPA, UBS ou USF.
Justamente nos arredores dessas áreas, estão os hospitais particulares com melhor avaliação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS): a Fundação Baiana de Cardiologia, Pituba, os hospitais COT do Canela, Jorge Valente, na Avenida Garibaldi, Português, na Barra, e Aliança, na Avenida Juracy Magalhães.
Veja aqui como está a divisão de unidades por prefeitura-bairro:
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