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Crítica: o diário de viagem de uma rainha do drama
- 14/09/2016A história é baseada no livro Comer, rezar, amar de Elizabeth Gilbert
Marcos Maia | Foto: Sony Pictures | Divulgação
Em Comer, Rezar e Amar (Eat, Pray and Love, 2010), Julia Roberts interpreta Elizabeth Gilbert, uma escritora divorciada em busca de sua individualidade. Na jornada, ela passa pela Itália, Índia e Bali, onde conclui seu caminho de maneira convencionalmente romântica.
A história adapta a autobiografia de 2006 e que logo de cara virou o livro de cabeceira de um monte de gente, principalmente mulheres, com algum instrução formal e muita frustração com a própria vida.
Sendo assim, a adaptação dirigida e roteirizada por Ryan Murphy (showrunner da antologia American Horror Story) acompanha uma verdadeira rainha do drama em sua própria jornada existencial.
Por mais que cause empatia, Gilbert é uma pessoa que passa a impressão de que o mundo existe principalmente para satisfazer suas necessidades e desejos. Ela gosta de cultura e tem um senso de humor incomum para alguém em busca espiritual.
Dito isso, a falta de densidade dramática na motivação da protagonista incomoda. Ela quer comer, quer Deus, quer amar e, depois de alguma hesitação, transar. Contudo, por que essa mulher sentiu tanta necessidade de tomar atitudes tão extremas atrás disso?
O recurso do voce over é usado de maneira desleixada e demasiada no primeiro ato do filme para falar de uma vida infeliz, principalmente no aspecto amoroso. Contudo, esse mar de lágrimas é pouco mostrado em situações que expliquem tamanho aborrecimento.
Vejamos o primeiro marido de Liz, vivido por Billy Crudup. Ele é retratado como alguém essencialmente indeciso apesar da inteligência. Sem se aprofundar muito naquele homem, o roteiro o reduz a um completo cretino por, aparentemente, só querer voltar a estudar.
Bem talvez, ele realmente não faça ideia do quer da vida profissional, mas o filme não dá muito mais do que duas ou três cenas lacônicas para o espectador tirar suas conclusões. Dessa forma, Crudup se transforma em um palhaço careteiro com explosões emocionais forçadas.
Já o companheiro subsequente de Liz, interpretado por James Franco, é um cara essencialmente confuso. O desempenho de Franco é marcado pelo charme de olhos sonolentos e sorriso estúpido do ator. E só.
Dúvida
A protagonista se envolve com esses tipos, e o espectador se pergunta o que diabos levou aquela mulher a querer dividir sua vida com aqueles homens. Sua insatisfação pode não ser aleatória, mas sem dúvidas é mal construída pelo roteiro.
Dessa forma, quando Liz conta a uma amiga (Viola Davis) que irá viajar pelo mundo, ela parece uma adolescente chorona e escandalosa, que grita de maneira dramática o quanto se sente morta por dentro.
É quando a narrativa parte para o estilo road movie com uma latente burocracia. A fotografia de Robert Richardson é correta, inunda a tela de luz, mas a direção move a câmera rápido demais e de maneira óbvia em torno das locações.
A Itália oferece a Liz um retorno à vida do corpo, com sutis referencia a sensualidade e nenhum romance. Nesse sentido, a cena em que ela come um prato de macarronada tem uma montagem intercalada interessante, entre planos detalhes da comida e um casal de namorados.
Tudo é agradável de uma maneira curiosamente inócua. A heroína aprende italiano, vagueia por ruas estreitas e faz amizade com gente charmosa. O filme mantém o interesse sem emissividade. É como ir ao restaurante e ficar interessado pela conversa da mesa ao lado.
Meditação
Em seguida, na Índia, a busca de Liz segue focada pelo viés da fé. Nesse seguimento, Murphy é respeitoso em retratar aqueles credos mesmo que recorra a todos os clichês que o olhar ocidental desenvolveu a respeito do assunto. É o segmento mais fraco do filme.
Vemos a protagonista tentando meditar a todo o custo, ao passo que a direção não parece disposta a dar mais tempo de tela para esses momentos. É sugerido que a essência da meditação é interna, inefável e de difícil alcance, mas isso não é mostrado.
O longa só não se perde por completo graças ao desempenho de Richard Jenkins. Seu “Richard do Texas” é o oposto dos homens calmos e reprimidos que costuma interpretar. Ele equilibra a agressividade e capacidade de despertar empatia com toda a culpa e raiva que sente.
Raiva que é despejada em Liz, intimidando-a, puxando-a do seu lugar comum. Ninguém trata Liz bruscamente, a não ser ele. Richard é como uma força maior que Liz precisa enfrentar. De certa forma ela passa no teste, e ainda ganha o respeito e amizade do cara.
Superada a “Busca por Deus”, Liz viaja para Bali e conhece Felipe. O personagem de Javier Bardem tem belos olhos castanhos e disponibilidade para um romance meloso, apesar do coração partido (“Joo têm medo de amar de novo!”, salienta o guru banguela).
Por fim, a jornada por individualidade e autodescoberta de um ano da nossa heroína encontra seu clímax em um par de calças que lhe fará superfeliz. Parabéns, a todos que ajudaram Julia Roberts a se encontrar para que ela pudesse experimentar o amor verdadeiro.
Está longe de ser o pior filme do mundo, mas é obvio e totalmente esquecível.