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Pesquisador critica política de encarceramento e defende investimento no social
- 11/06/2014“Quando você parte para uma guerra, não existe a possibilidade de sair sem mortos e feridos”
Ailton Sena e Wilka Brasil
Em todo o Brasil, os índices da violência são elevados, se comparados a outros países. Luiz Cláudio Lourenço, um dos coordenadores do Laboratório de Estudos em Segurança Pública, Cidadania e Solidariedade (Lassos) da Universidade Federal da Bahia apontou algumas hipóteses que ajudam a compreender o aumento da violência na região Nordeste, a mais violenta do país.
Impressão Digital 126 – De acordo com levantamento feito por uma ONG mexicana, o Brasil possui 16 das 50 cidades mais violentas do mundo. Todas as nordestinas estão incluídas. Existe alguma explicação para esse alto índice?
Luiz Cláudio Lourenço – Existem algumas pistas que nos ajudam a compreender um pouco melhor esse fenômeno. Uma hipótese interessante a ser investigada é o dinamismo econômico que a região experimentou nos últimos anos. Muita gente tende a acreditar que o crescimento econômico de alguma forma reduziria as taxas de criminalidade. Isso não é verdade. O que acontece, muitas vezes, é que o crescimento econômico torna algumas cidades mais atrativas como foco de criminalidade.
ID 126 – O que faz com que, em 2006, o Nordeste ultrapasse o Sudeste nas taxas de violência?
L.C.L. – Paralelo ao dinamismo econômico experimentado pela região Nordeste, no Sudeste há a hegemonia do grupo criminoso PCC (Primeiro Comando da Capital). Eles exercem hegemonia na venda de drogas e adotam uma política de não criar alarde na região onde atuam, para não atrair a atenção da polícia. Não promovem assassinatos e tentam reduzir ao máximo os índices de criminalidade. Aqui no nordeste não há isso. Há uma grande fragmentação de grupos. Isso seria um dos fatores que nos ajudam a pensar o problema da violência. Além disso, não tivemos medidas que atuassem na mediação de conflitos, no protagonismo social de públicos que poderiam ser alvos de criminalidade violenta. Os investimentos nessa área foram mais tímidos que nas políticas de controle social.
Muita gente acredita que o crescimento econômico reduz as taxas de criminalidade. Isso não é verdade.”
ID 126 – Com as taxas de criminalidade em proporções de 100 mil não há uma distorção dos dados fazendo com que nas cidades menores os casos de violência impactassem mais que em cidades maiores?
L.C.L. – Em um ano, isoladamente, isso pode acontecer. Mas, diluindo a taxa ao longo de 10 anos, isso desaparece. É importante também que, ao ler o número, possamos qualificá-lo. Se acontece uma chacina numa cidade pequena, é preciso que tenhamos um asterisco explicando que aquele número se trata daquilo. É interessante notar o caso de Simões Filho, que foi apontada como a cidade mais violenta do Brasil. Na verdade, muito dos cadáveres que são encontrados na cidade não foram mortos ali. A cidade é conhecida na grande Salvador como uma região de desova. Muitos assassinatos acontecem na periferia de Salvador, mas o corpo é deixado em Simões Filho.
ID 126 – Além dos fatores já mencionados, o Brasil como um todo tem uma taxa baixíssima de elucidação de homicídios. Segundo divulgado pelo jornal O Globo, em média, 5% a 10% dos casos são solucionados. A ciência da impunidade poderia ser apontada como um dos fatores para o elevado número de homicídios no país?
L.C.L. – É difícil fazer uma afirmação desse tipo. Mas é claro que a grande magnitude dos casos já é um dificultador da elucidação. Paralelo a isso, há os entraves burocráticos: no desenho da nossa polícia, no Brasil inteiro, a investigação é feita pela Polícia Civil, mas quem tem mais capilaridade nos bairros são os policiais que fazem o rádiopatrulhamento, que são da Polícia Militar. E eles não participam do processo de investigação. Há descompassos interessantes entre essas instituições, que se estivessem bem azeitadas, com outro desenho institucional, poderiam funcionar melhor na elucidação dos casos.
ID 126 – Talvez se elas trabalhassem em parceria?
L.C.L. – Poderia ser uma possibilidade. Existem enes possibilidades que poderiam ajudar nessa elucidação. Fica claro que o desenho que temos precisa de ajustes. Eu não me atreveria a falar quais porque eu não sou da área de administração. Eu sou um sociólogo. O sociólogo é ótimo para ver questões, apontar problemas, mas eu não me acho competente na administração.
A visão cotidiana da violência contribui para a falta de sensibilidade diante da preservação da vida humana.”
ID 126 – Mas quando os crimes acontecem em certos grupos e ganham a visibilidade da mídia a polícia é mais eficiente. Como o senhor avalia essa situação?
L.C.L. – Eu acho que faltam mais estudos nesse sentido. Esse critério de noticiabilidade de certos casos torna o que seria justo, injusto. Aquele caso de cidadão comum que não foi noticiado acaba ficando engavetado. Esse tipo de noticiabilidade não contribui para uma justiça igualitária. Ao contrário, favorece determinados grupos, determinados nichos que ganham a simpatia da mídia por terem critérios que possibilitam uma maior venda de jornais.
ID 126 – Os casos que têm recebido atenção da mídia são aqueles marcados pela barbárie e falta de sensibilidade com a vida humana. Cada vez mais as pessoas se importam menos com a vida do outro? Isso indica que estaríamos vivendo um processo de barbarização?
L.C.L. – O Norbert Elias, quando fala do processo civilizatório, o define como uma sensibilidade que temos diante da vida. Se pensarmos no nosso pacto civilizatório, veremos que somos sensíveis para algumas coisas. A visão cotidiana da violência contribui para o embrutecimento e a falta de sensibilidade diante da preservação da vida humana. Mas também é claro que os crimes mais bárbaros ganham mais destaque nos meios de comunicação. Essa divulgação cria na opinião geral, a ideia de que estamos vivendo uma explosão da criminalidade violenta, quando, na verdade, precisamos olhar com um pouco mais de cuidado e entender se é uma tendência ou se são casos tão expressivos que acabam repercutindo em várias bocas ao mesmo tempo.
ID 126 – Anteriormente, o senhor falou que faltaram políticas de prevenção da violência no Nordeste. Mas quais políticas foram adotadas?
L.C.L. – Em Pernambuco houve um investimento grande tanto no controle quanto na prevenção da violência. E houve uma queda significativa dos homicídios por lá. O governo está tentando aplicar o modelo pernambucano, Pacto Pela Vida, aqui na Bahia. Mas, é claro que, diante de um “terreno árido” se tem dificuldades muito grandes em semear políticas sociais. Esse tipo de política de prevenção da violência deve ser feita a longo prazo, e o resultado obtido não pode ser mensurado facilmente. Quando se tira alguém de uma posição de risco, não se tem um índice através do qual se pode falar: “esse garoto foi salvo de ser morto”. O contrário é muito mais fácil de provar.
ID 126 – O que ainda precisa ser feito?
L.C.L. – Eu acredito que é preciso investir em mais políticas de prevenção da violência, de protagonismo juvenil para públicos que são alvos de homicídios, criar instâncias de mediação de conflitos na periferia, instâncias extrajurídicas que tenham como foco a justiça restaurativa. No meu entender, isso contribuiria para um cenário mais pacífico das relações sociais nas periferias das grandes cidades porque hoje é muito fácil um sujeito conseguir uma arma de fogo e resolver suas desavenças à bala.
As pessoas se preocupam mais com os cachorros que ficam nas ruas do que com os seres humanos que saem das prisões.”
ID 126 – Seria um caminho mais preventivo que punitivo?
L.C.L. – Se você faz um controle com uma polícia fortemente armada, o combate, necessariamente, produz mortos e feridos. A gente não deve combater, a gente deve desconstruir. É diferente. É uma estratégia de enfrentamento, mas de uma outra maneira. Quando você combate, quando você parte para uma guerra, não existe a possibilidade de sair dessa guerra sem mortos e feridos.
ID 126 – Quanto ao modo como a segurança é tratada atualmente, o que há de errado?
L.C.L. – Uma das coisas que sempre fica em segundo plano quando falamos em segurança pública é o debate sobre as prisões. Quando a gente prende alguém, não estamos favorecendo em nada a nossa sociedade, na verdade, estamos criando condições para que aquela pessoa saia pior do que entrou. O detento não é assistido para que haja algum tipo de reinserção social ou de requalificação moral. Ele fica muito mais propenso a se engajar numa “empresa” criminosa a partir da entrada na prisão do que se dissociar do crime. A nossa legislação não permite que as pessoas fiquem presas por muito tempo, então, necessariamente elas vão sair e vão sair piores do que entraram.
ID 126 – Faltam políticas de ressocialização dos egressos do sistema prisional?
L.C.L. – Hoje a gente tem muito mais ONGs que cuidam de animais abandonados do que seres humanos que saem das prisões. Temos só a Pastoral Carcerária, basicamente. As pessoas se preocupam mais com os cachorros que ficam nas ruas do que com os seres humanos que saem das prisões. Não é o castigo que vai dissuadi-lo a praticar o crime, mas sim mostrar para ele que há possibilidades de não seguir uma carreira delituosa. A principal função da segurança pública e dos mecanismos de controle social deveria ser garantir um bom convívio social. Muito mais do que punir pura e simplesmente. Se continuarmos na lógica punitiva, na vingança generalizada, não teremos elementos para construir um convívio social minimante bom.