Tags:ativismo, Entrevista, literatura, Nelson Maca, Sarau Bem Black
“Podemos chegar onde as escolas não chegam, atraindo pessoas com uma literatura visual e musical”
- 12/08/2013Nelson Maca fala sobre o surgimento do Sarau Bem Black e sobre a poesia divergente no contexto dos saraus periféricos
Joana Oliveira
No dia 23 de setembro de 2009, o Sankofa Bar, no Pelourinho, foi palco da primeira edição do Sarau Bem Black, que teve como um dos realizadores o autointitulado Poeta Exu Encruzilhador de Caminhos, também conhecido como o professor de Literatura, poeta e ativista da causa negra Nelson Maca. Essa causa é justamente a que compõe a bandeira levantada pelo Bem Black, que se insere no contexto dos saraus periféricos do Brasil.
Impressão Digital 126: Com que propósito surgiu o Sarau?
Nelson Maca: O Bem Black é uma das ações do coletivo Blackitude, que já existe há 14 anos e trabalha muito com hip hop, poesia e audiovisual. A literatura sempre está presente em nossas ações, e a ideia do sarau era a de ter um lugar em que as pessoas pudessem se encontrar, trocar textos, vender discos, divulgar livros etc. O nosso principal objetivo é manter a literatura viva.
ID 126: Quem compõe o público do Bem Black?
NM: Desde o começo, a presença de jovens é muito forte. Hoje aumentou o número de pessoas mais velhas frequentando e o número de mulheres também. Em períodos de férias e feriados, esvazia um pouco, porque as pessoas saem da cidade. A frequência muda, mas as pessoas não deixam de ir.
ID 126: Antigamente, os saraus tinham importância como eventos do calendário social dos membros da corte portuguesa. Eram, essencialmente, locais de encontro e desenvolvimento da sociabilidade. Acredita que esses eventos desempenham ainda hoje essa função?
NM: Acredito que sim, pois a ideia de reunião de amigos, artistas e pessoas com interesses afins permanece. Mas há uma diferença fundamental: no império colonial, os saraus eram realizados pela e para a elite, enquanto hoje são iniciativas populares. O Bem Black tem uma particularidade ainda maior, pois é um sarau politizado, que defende o engajamento artístico e a arte transgressora. Lutamos por uma causa e temos uma bandeira, que é a da militância negra.
ID 126: Há no Brasil outros exemplos de manifestações literárias com o mesmo caráter sociopolítico?
NM: Hoje existe um cenário nacional de saraus periféricos. É um movimento que começou em São Paulo, principalmente com o Cooperifa, e se expande para outros estados. Aqui na Bahia sempre tivemos a cultura do poeta de praça, que declama na rua, mas o nosso diferente é o fato de sermos um sarau étnico e musical, com DJs, dança e graffiti.
ID 126: Considerando outros eventos que foram surgindo na cidade, como o Sarau da Onça, o Prosa e Poesia e o Pós-Lida, é possível dizer que Salvador tem hoje um circuito de saraus literários?
NM: Sim, criou-se em Salvador um circuito próprio e fechado. Quem não conhece a gente, continua sem conhecer. Quem não comprava os livros dos autores que participam de saraus, continuam sem comprar. Então nosso papel nesse circuito é produzir coisas juntos, conhecer e divulgar novos nomes.
ID 126: Como vê a relação que tais eventos constroem entre o público e a palavra escrita?
NM: Tem pessoas que não se aproximam da literatura apenas pela escrita. Há quem se aproxime a partir de eventos como esse. Atraímos essas pessoas pela música, depois elas chegam aos livros. Temos a possibilidade de chegar onde as escolas não chegam, atraindo pessoas com uma literatura visual e musical.
Leia mais